FIM DE TARDE

Era mais um fim de tarde. Havia sido um dia abafado e desconfortável até para quem gostava do calor. Nuvens escuras e densas descortinaram o céu. Ventava forte no centro da cidade, no entanto, em outros bairros os pingos violentos de chuva caíam impiedosos, causando transtornos à população de modo geral. Temporais ao entardecer são uma das características mais marcantes do verão. Era um novo ano, mas os problemas eram os mesmos de outros carnavais. Os debates se intensificavam e nenhuma solução saía do campo das promessas.

Para ele, o barulho da chuva caindo acalmava o coração, gostava de observar os pingos caírem e se escorregarem no vidro sem oferecer qualquer resistência. Ela, por sua vez, gostava do pôr-do-sol, de contemplar os planetas visíveis a olho nu quando as condições eram favoráveis, trocar longos olhares com a lua e mais ainda dos dias de tempo firme.

Olhou as horas na tela do celular e desbloqueou-a para responder algumas mensagens. Ele havia reservado uma mesa no canto direito da cafeteria e enquanto esperava por ela, trabalhava no laptop, compenetrado e sério. Quando levantou a cabeça, viu-a descendo de um carro de aplicativo, sorriu sozinho e levantou-se para que ela o reconhecesse, o que não seria difícil. Com quase um metro e noventa de altura e uma postura ereta, firme e segura, não passaria despercebido nem se almejasse, vestia-se adequadamente para a idade e tinha um visual limpo. Ela às vezes detestava ser baixinha, embora gostasse de quando ele a pegava no colo. Por mais que não fosse aprovada no padrão de beleza dos homens da sua cidade, conquistou aquele coração estrangeiro e a longa espera por ser amada chegou ao fim. Na ocasião usava um vestido rosa-bebê cujo caimento valorizava suas formas e a tornava ainda mais adorável aos olhos dele.

Cumprimentaram-se com um beijinho e se abraçaram apertado, ele estava de volta após uma viagem e em vez de duas semanas, a impressão era a de que não se viam pessoalmente havia uma década. Eles mantiveram contato durante o tempo em que não puderam manter contatos físicos, mas nada substituía esses momentos em que se sentavam para tomar um café e trocarem longos olhares repletos de ternura, carinho, desejo e admiração.

O temporal caía lá fora, a lentidão no tráfego era uma realidade e nem as risadinhas irritantes de adolescentes mal-educados e espaçosos os afetava, estavam juntos. Ele perguntou sobre o dia dela, que insistiu “estar bem”, entretanto, o olhar a traía, denunciando cansaço, melancolia, um peso que não deveria estar em seu peito. Tentava desconversar, não desejava incomodá-lo de forma alguma, não poderia mentir por muito tempo mais, a verdade a faria desabar.

Ele levantou-se, apanhou a cadeira e sentou-se ao lado dela para, por fim, abraçá-la. As lágrimas quentes molhavam os ombros da camisa azul. Com o braço desocupado acarinhava a cabeça dela e fechava os olhos, desejando tirar todas as dores que a afligiam e ajudá-la a enxergar-se com o mesmo amor que ele conseguia, no entanto, reconhecia os esforços dela para vencer a depressão e a deixava lavar a alma, a escutava e aos poucos os soluços iam ficando mais fracos e fitá-la com os olhos vermelhos o fazia sentir vontade de chorar também.

Ao se afastarem, ele ergueu o queixo dela para que pudessem se fitar e beijou-a nos olhos, pousando suas mãos sobre as dela, tão pequenas e delicadas, geladas em virtude da ansiedade, repetindo baixinho que ela jamais seria um incômodo, que entre eles nunca deveria haver segredos, que jamais estaria tão ocupado que não pudesse fazê-la sorrir. Ele era um pouco mais fechado quando o assunto era expor os próprios sentimentos, às vezes a sua linguagem do amor não era muito bem entendida, por sorte, sua habilidade de diplomacia consertava os ruídos de comunicação entre eles, porém entre um cafuné e outro na cama ou no sofá, se abria sem reservas.

Entre goles e garfadas, eles viam o temporal arrefecer e o asfalto se secar depois daquelas pancadas de chuva. Precisavam se despedir, era sempre a parte mais difícil. Eles não queriam se separar, mas teriam tempo para se amarem sem pressa, bastava ser paciente e a recompensa viria. Acordar todos os dias com disposição para vencer todos os obstáculos impostos pela vida tinha um significado ainda mais especial quando se pensava naquele encaixe tão harmônico que eles tinham e que mesmo sendo muito diferentes um do outro, vinham construindo algo puro e belo, abençoado pelo amor.

Ele prometeu que voltaria no Carnaval para passar o feriado com ela e acompanhou-a até que entrasse no carro de aplicativo e colocasse o cinto de segurança. Ambos se viam rendidos pelas emoções naquele beijo de despedida e acenaram um para o outro. Anoitecia devagarinho e cada qual seguia rumos distintos, a saudade castigando o peito, mas um dia haveria de ser diferente, poderiam ser de fato o “boa-noite” um do outro.

Música de inspiração: Goonight girl - Wet Wet Wet.

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 18/06/2023
Código do texto: T7816754
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