Falta uma peça
De "O Protetor" você de nada me protege. Mas facilmente, coloca-me em dúvida, em dor, em risco a todo momento. Esse seu jeito fantasioso e seguro me provoca a falsa sensação de que tanto necessito. Por que move assim essas duas partes da mesma ponte? Esses lábios D. W. Ah! Esses malditos pedaços de mal percalços incomodam-me já idos alguns mais de vinte anos. Esse jeito único de apertar, juntar e separar as partes desse todo é que me desajeitam. Esse sarcasmo resumido, essa ironia espremida sutilmente, esse mero desprezo pelo que não está à sua altura. E esses globos quase sempre semi-cerrados? É um descaso bem de propósito que lhe cai tão bem e a mim me atinge. Aos seus 67 anos metade da minha vida seu sorrir e seu olhar me intrigam. Alguém já sentiu a mesma paixão por lábios e olhos que jamais tocarão? Pobre de mim, mera espectadora, sentimental em demasia, uma visão trágica, você diria. Como pode um abrir e fechar de boca serem tão sensuais? De quê encantamento sofro o mal? É o tal mistério do universo? Deve ser. Adoro o oculto, o implícito, o disfarçado. Sou um fantoche, sei que sou e por vezes me conformo e chego a gostar até, porque é cômodo. Mudar me exige força que nem sempre tenho e também por momentos nem quero. Como pode esse toque da natureza causar-me tamanha curiosidade? Dos lábios que mais me perturbam são poucos. Um assombroso conjunto considerando então o par de olhares. Esses espelhos que nada mostram, refletem o que não veem. Para mim não sobra muito. O platônico do não saber, não existir, não ser, não ter. E miro-o de longe, muito de longe. Talvez até de outra vida, de outra história contada de um jeito diferente. E amo como a um jogo de quebra cabeça. Em que no final sempre falta uma peça. Não uma peça vulgar do canto, despercebida mas, uma bem do meio da cara, do jogo de quebra da vida.