DIA DAS MÃES.
O inverno trouxe o frio. O vento gelado doía os ossos, na capital paulista. Fernando, de volta do trabalho, abriu o apartamento e foi tirando as roupas, igual camadas de cebola. O gorro, as luvas, o cachecol, a blusa de couro, um colete, uma blusa de lã, uma camiseta de mangas longas, uma camiseta de algodão. -"Motoqueiro sofre no frio!" Até o celular tava gelado. -"Agora chegou o frio de vez!" Sentiu os lábios rachados. Tirou a calça de moletom, por baixo da calça jeans. Duas meias e o tênis Rainha. -"Senhor. Esqueceram a porta da geladeira aberta." Se benzeu e foi para o banheiro, com o roupão azul marinho. -"Coragem, Fernandinho. Você é forte." Abriu o chuveiro e pum. O barulho da resistência queimando o assustou. -"Mas que porcaria. Justo hoje que as temperaturas despencaram pra oito graus?" A água do chuveiro estava gelada. -"Que azar!" Foi até a cozinha e colocou água num caneco. -"O jeito é tomar banho de canequinha." Esperou a água ferver. Tempo depois, aqueceu um resto de macarrão no microondas. -"É o que temos pra janta." Montou a mesa. O prato. Talheres de prata. Taça de vinho. O ketchup. Ligou a tevê, na série da Netflix. Deixou o prato sujo na pia. -"Vou lavar nada, com essa água gelada da torneira?" O sofá de couro frio, ainda que com dezenas de almofadas, não estava confortável. Decidiu colocar o pijama comprido, com desenhos do Frajola, e meias nos pés. Levou o edredom pro sofá. Uma olhada no Tik Tok. As postagens do Face. Decidiu fazer pipoca no microondas. -"Essa época pede pipoca." Um bocejo atrás do outro. -"Melhor dormir. Amanhã é dia de branco." Foi para o quarto, arrastando o edredom. A cama estava gelada. -"Minha mãe, nessa época de frio, forrava uma coberta velha sobre o lençol. Ficava quentinho." Ficou lembrando da mãe. -"Ela fazia bolinho de chuva, a molecada em volta do fogão de lenha." Salivou, sentindo o gosto de canela misturada com açúcar. -"Ela contava histórias. Fazia leite quente, com chocolate e canela. Nos dias mais frios, sua sopa era maravilhosa, que nenhum masterchefe faria igual. Dona Laurinda! Quanto tempo faz que nos deixou? Quinze, dezoito anos?" Adormeceu, finalmente. De manhã, indo para o trabalho, a ligação da irmã. -"Fala, Juliana. Não tenho os duzentos reais que me emprestou." Ela riu. -"Não estou lhe cobrando. Passa aqui pra tomar um café e me dar um abraço." -"Está bem." Ele mudou o caminho. Tinha tempo e fazia duas semanas que não via a irmã e os sobrinhos. As outras duas irmãs moravam em Campo Grande. Ele desceu da moto e parou no portão. Fez uma careta e em seguida sorriu. Juliana e o esposo Alcyr vieram até ele. -"Esse cheirinho? É o que estou pensando?" Ele abraçou a irmã e o até o cunhado, coisa que nunca tinha feito. A travessa cheia de bolinhos de chuva, na mesa ao lado da garrafa de café. -"Não estão redondinhos,como os da mãe." Juliana estava feliz. Fernando fechou os olhos. -"Hum. Estão iguaizinhos, Ju. Uma delícia." Fernando levou alguns bolinhos para o trabalho. Ele se despediu e subiu na moto. -"Muito obrigado, minha irmã. Dia das mães foi domingo passado mas pra mim foi hoje. Até senti a mãe pertinho de nós." Juliana se emocionou. -"Eu também. Depois de muitas tentativas frustadas, consegui fazer um bolinho meio parecido com o que ela fazia." Fernando acelerou a moto e sentiu um abraço, mesmo sem ter ninguém na garupa. -"Mãe. Você tinha razão quando dizia que, o que aquece no frio é carinho e amor." FIM