Turbilhão de sentimentos

A notícia da morte da tia-avó Lara pegou Alena de surpresa. Não tanto pelo acontecimento em si, já que a irmã de sua avó materna passara dos 80 anos e vinha apresentando constantes problemas de saúde, mas pelo fato de que havia sido lembrada no testamento da parenta, mesmo não sendo as duas particularmente chegadas.

- E o que a velha deixou pra você, afinal? - Inquiriu Zayne, o namorado problemático com quem Alena vivia, ao saber da notícia.

- O gato dela, Twister - revelou a jovem, cabeça baixa, prevendo que a notícia não seria muito bem recebida. Zayne não gostava de animais de estimação, principalmente gatos.

- Um gato chamado Twister - Zayne arreganhou os dentes, sardonicamente. - Bom, imagino que você pensou em mim e disse "não, obrigado".

Alena ergueu a cabeça e encarou o namorado nos olhos, antes de dizer altivamente:

- Na verdade, eu disse "sim, obrigado", justamente porque não lembrei somente de você, e de mim, mas da sua mãe, da sua irmã e da filha dela.

Zayne não era a única pedra no sapato de Alena, mas todos os familiares citados, cronicamente desempregados, viviam mais ou menos às custas dela, a única na casa com um emprego regular.

- Como diabos lembrou de nós e resolveu aceitar cuidar da droga de um gato? - Zayne parecia estar começando a perder a paciência.

- Eu vou receber por isso - replicou Alena rapidamente. - Está no testamento, e o pagamento vai depender de levar o gato todo mês ao veterinário, ver se ele está sendo bem tratado.

Zayne ergueu os sobrolhos e levou a mão ao queixo, mas ainda não estava convencido.

- E quanto você vai receber por esse... favor? Porque não conte comigo para cuidar do bicho!

Alena lhe disse a cifra, e ela era bem generosa; mais do que a jovem ganhava em seu trabalho atual. A expressão de Zayne mudou, parecendo subitamente interessado.

- Por quanto tempo vão lhe pagar isso?

- Até que o gato morra. De morte natural, espera-se.

Zayne olhou para o teto, mão ainda no queixo, fazendo contas mentalmente. Finalmente, voltou a encarar Alena.

- Quanto tempo acha que esse gato pode viver? - Questionou.

* * *

- Está muito bem de saúde! - Atestou a veterinária, após avaliar os exames rotineiros a que Alena deveria submeter regularmente o gato de estimação.

- Muito bom ouvir isso - comentou Alena com um sorriso. - E não somente porque Twister está me ajudando a pagar as contas...

A veterinária a olhou com interesse.

- Sei que não está fazendo esse trabalho somente pelo dinheiro; já percebi que se apegou ao gato.

Alena ampliou o sorriso.

- Twister está me ajudando de verdade, na minha vida pessoal, quero dizer. Ele me ajudou a colocar para fora da minha casa as parentas desocupadas do meu ex-namorado, o Zayne; ele era extremamente agressivo quando elas apareciam, e só se acalmava depois que saíam.

- Ex-namorado? - A veterinária também sorriu. - O que houve com ele? Imaginei que ao menos suportasse o gato, já que você estava sendo paga para cuidar dele...

- A princípio sim - admitiu Alena. - Mas isso não durou muito. Twister também não gostava de Zayne, embora fosse menos agressivo do que com a mãe, a irmã e a sobrinha dele. Mas isso mudou depois que as três deixaram de frequentar a minha casa.

A veterinária ergueu os sobrolhos.

- Twister se acalmou?

- Pelo contrário, mordeu a mão do Zayne e chegou a derrubar a caneca de café dele de cima da mesa. Finalmente, consegui convencê-lo de que não dava mais para continuarmos morando juntos.

- E ele aceitou, de boa? - Questionou a veterinária.

- Eu disse que continuaria a ajudar ele financeiramente, até ele conseguir um emprego... algo que já venho fazendo há uns dois anos - admitiu Alena com uma careta.

A veterinária entrelaçou as mãos sobre a mesa.

- Acho que já está na hora de parar, não é mesmo?

Alena a olhou desconsolada.

- Enquanto eu estiver sozinha, ele vai ter a esperança de poder voltar um dia.

A veterinária lançou-lhe um olhar de simpatia.

- Bem, isso não está no contrato que tenho com o cartório de registros, mas se importaria se eu fosse até a sua casa, ver como Twister me recebe no ambiente familiar?

Alena permaneceu alguns segundos avaliando o que acabara de ouvir, antes de manifestar-se:

- Eu imagino que você gosta de gatos, não é?

A veterinária balançou afirmativamente a cabeça.

- O seu gato gosta de mim, creio.

- Pode ser um bom começo - admitiu finalmente Alena.

- [14-05-2023]