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AMAR  ALGUÉM

 

 

Lúcia olhou de novo o dorso nu de Carlos, depois seus dedos acariciaram-lhe os ombros, muito devagar, com cuidado para não o acordar. Sim, amava-o, amava-o muito, cada vez mais.
Desde que se tinham conhecido, nunca houvera uma discussão, mostrara-se sempre amável  com ela e fazendo-lhe sempre as vontades. As surpresas eram frequentes, com gestos de grande doçura. Não podia lamentar-se da vida, comparando este com os seus relacionamentos anteriores, homens que inicialmente a atraíram, mas depois se revelaram boçais e egoístas. Um inclusive quase a agrediu, mas ela sempre foi de fibra e mostrou-lhe que não tinha medo. Depois ficou vacinada, passou a ter redobrados cuidados com quem lhe era apresentado.

Carlos era diferente, conhecia-o de vista há três anos, morava na mesma rua, dois prédios ao lado, e ao fim de algum tempo estranhou que alguém assim tão atraente vivesse sozinho. Até pensou besteira, mas depois soube que a razão do seu recolhimento nada tinha de sexual, era devido a um relacionamento malsucedido e que o mergulhara em profunda tristeza. 
Enternecia-se sempre que meditava sobre estas circunstâncias, ela que sempre pensara serem as mulheres os únicos seres a sofrer por amor…
Um acontecimento fortuito aproximara-os, a idosa vizinha do andar de cima adoecera gravemente e sem família e sem recursos para além de uma magra aposentadoria, restava-lhe a solidariedade das pessoas que a conheciam.
Carlos foi uma dessas pessoas, soube por vizinhos que ele se tinha oferecido para comprar os medicamentos, caros e essenciais para seu tratamento. Outros, tal como ela, também se solidarizaram, ajudando como podiam, mas apesar de tudo a doença acabou por a levar. Quotizaram-se para lhe pagar o funeral e foi no velório que ela falou com Carlos pela primeira vez. Após o funeral, esteve algum tempo sem o ver. Sabia que ele era empregado bancário e vivia sem família por perto. Gostava de independência.
Ela trabalhava no ramo dos seguros e também não tinha problemas económicos. Há algum tempo que vivia sem companhia, as frustrações afinaram-lhe a conduta, deixara de ser presa fácil para aventureiros.
Um dia, encontraram-se na bilheteira de um cinema, foram ver o mesmo filme e ele, timidamente, convidou-a para depois tomarem um café. Ela vacilou um pouco, mas o seu ar de cachorro abandonado tocou-a e aceitou. Conversaram, perdendo-se no tempo. Quando deram por isso, já tinha passado das vinte e uma horas. Jantaram ali perto, frugalmente. 
Cortesmente, acompanhou-a até casa, despedindo-se com um aperto de mão. Ela teria pedido um beijo na face, seu coração bateu forte quando subiu as escadas até ao seu patamar.
A partir daí, ansiou sempre pelo telefonema dele e era um dia feliz sempre que se encontravam.
Algumas semanas depois ela recebeu-o em casa, cozinhou peixe assado no forno para ele e embora correndo o risco de mais uma desilusão, entregou-se-lhe de forma apaixonada. Ele suplantou as expetativas. Ambos conhecendo-se progressivamente, concluiu que desta vez se sentia a amar apaixonadamente. Ele também a amava, dava-lhe provas disso.

Agora, nesse final de tarde de sábado, na sua cama e quando o olhava dormindo após terem feito amor, agradecia a Deus por o ter conhecido. Amava profundamente alguém, e esse alguém a merecia. E por isso se sentia feliz. Finalmente.

 

 


 

Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 13/05/2023
Código do texto: T7787266
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