nosso destino
droga. mais uma vez atrasada para um compromisso. pelo menos dessa vez estou atrasada para uma festa, que não é o meu evento favorito. mas não podia faltar, pois minha amiga ficaria bastante brava (de novo!). melhor atrasada que ausente. coloquei um vestido verde esmeralda e o all star branco cano médio. passei um pouco de batom vermelho e ajeitei as ondas do meu cabelo castanho, fazendo um penteado semi preso. estava tolerável e satisfeita com a imagem no espelho.
peguei o casaco e saí do apartamento deixando meu gato felício confortavelmente cuidando de tudo. ainda bem que a festa era na área social do condomínio em que moro, assim não precisava sair de carro. pelo caminho, fui observando o entardecer, respirando um pouco o silêncio, criando coragem para ser um pouco sociável.
chegando no local da festa, eu me distraí com o toque do celular e esbarrei em alguém que também estava chegando. quando eu olhei para cima, levei um susto. o rapaz moreno com seu terno azul que estava tão surpreso quanto eu, me encarando curioso e atônito. eu não imaginava que precisava te reencontrar, depois de uma década, para entender o significado da palavra “destino”. porque só pode ser isso, né? como explicar esse encontro fantástico depois de anos de anos de ausência se não fosse o destino? eu jamais imaginaria te rever e ainda mais que isso aconteceria numa festa no meu condomínio.
levamos segundos até conseguimos raciocinar e dizer algo. quando te reconheci, eu imaginei que estava tendo uma vertigem - não ria de mim, é sério. foi o que senti. me dei conta de como esse mundo tão grande é na verdade um mundinho que cabe na palma da minha mão.
você me viu quando eu te vi. você me reconheceu, mesmo eu estando diferente. éramos jovens naquela época,mas o toque e olhar nos entregaram. seus olhos pousaram nos meus e eu senti um arrepio sutil. ninguém precisou dizer seu nome, pois eu já sabia. eu me arrepiei inteira. é como se voltasse no tempo. foi estranho, mas bom.
finalmente, depois do susto inicial, nós nos cumprimentamos e cada um entrou na festa. falamos com as pessoas, pegamos uma bebida e nossos olhares se procuravam em meio a multidão.
depois de um tempo, em que fomos nos aproximando, como se um campo gravitacional nos puxasse para perto, decidimos sentar para conversar em um canto mais afastado. inicialmente nervosos, eu fui soltando o ar devagar e você sorriu constrangido. era tão natural e espontâneo. estranho e hesitante estarmos tão próximos novamente. parecia que o tempo não havia passado. ainda havia conexão e reconhecimento entre nós. sua voz, a mesma. seu jeito de sorrir, também. o seu toque, ao segurar a minha mão, ainda manda eletricidade ao meu corpo. você estava tão feliz de me ver. seu corpo expressava isso. eu estava feliz em te ver. a estranheza no ar começou a se dissipar.
eu tive a impressão que a gente queria que o tempo parasse, não como antes. agora somos versões diferentes de nós mesmo. o tempo fez isso com maestria. somos melhores hoje. dois adultos que seguiram suas vidas, viveram aventuras e construíram carreiras, que se esbarram no momento certo, sem mágoa e ressentimento. só alegria por se ver de novo. sabe, foi como te conhecer outra vez. e poder te apresentar essa versão mais madura de mim. até nisso, o universo foi perfeito. nos encontramos de novo na hora certa. relembramos as coisas boas que vivemos quando éramos mais jovens e livres. e sim, eu me lembro daquele dia, do anel de compromisso, que te custou um mês de trabalho. até hoje, o chocolate que me deu naquele dia é o meu preferido. quem bom que entendeu porque dei aquela resposta. foi a decisão certa para nós dois.
eu reparei em todos os seus detalhes. queria te gravar como está agora para colocar ao lado da lembrança que tenho de você de anos atrás.
ficamos tão absortos em nosso reencontro, que não percebemos que a festa estava acabando. no nosso cantinho, criamos uma bolha em que o passado e o presente se misturaram. a pista de dança estava praticamente vazia e as pessoas já tinham quase todas ido embora. o dj tocava uma música suave. você disse que não poderia deixar passar a oportunidade de uma última dança comigo. me estendeu a mão e eu fiquei alguns segundos sem reação, até que coloquei a minha mão sobre a sua. achei graça você me tirar para dançar. ficar tão próxima de você, nos seus braços, me deixando conduzir, foi tão bom.
dançamos sem sair do lugar, como se os pés pudessem flutuar. a música acabou e continuamos nos movendo. por um segundo foi como se todo o tempo do mundo parasse para nós.
eu sei que ninguém percebeu o que aconteceu entre nós naquele instante.
foi só você e eu.
que bom que pusemos a nossa verdade na mesa. nunca foi tão encantador conhecer alguém novamente.
a festa acabou e não estávamos prontos para dizer adeus. não parecia justo que após tantos anos, tudo o que vivemos, o que sentimos na pista de dança acabasse com cada um indo para o seu canto.
mas a vida não é justa.
contudo, o universo está torcendo por nós, pois a chuva que começou a cair nos lembrou do dia que nos conhecemos. olhamos um para o outro, rindo de como o destino decidiu brincar com a gente. eu te abracei e me senti em casa. você me segurou como se pudesse evitar que eu desaparecesse.
que a gente possa seguir com uma nova memória, mais feliz e madura do que a que tínhamos.
espero que você durma tão aliviado quanto eu, sabendo que vivemos o amor mais lindo de todos.
ou era isso que desejava, até vê a sua mensagem ao chegar ao meu apartamento: “topa me conhecer de novo e se apaixonar por mim”? e eu sorri.