Do Amor E Da Liberdade

-Para a mais linda mulher do lugar, com olhos de cristal.

Sílvia olhou e se deparou com um homem que aparentava uns quarenta anos. Era bonito sem exageros. Mais para um tipo comum. Ela sorriu ao ver nas mãos dele um retrato dela desenhado a lápis. Os traços eram perfeitos.

-Que lindo! É você que desenha?

-Sim. Estava ali observando você e fiz o desenho.

Ela observou que ele trazia consigo materiais de desenho e percebeu que ele fazia desenhos e vendia. Provavelmente era um artesão que vivia daquilo.

-Ficou muito bom. Quanto é? Vou ficar com ele.

-Não estou vendendo, estou lhe dando de presente.

-Não é justo. É o seu trabalho, não é?

Ele riu.

-Não vou morrer de fome se lhe der um retrato.

Ela olhou o retrato e viu a assinatura.

-Quer se sentar um pouco, Caíque?

-Posso? Você está com uma turma grande.

-São todos colegas de trabalho. Seu nome é Caíque mesmo ou…

-Carlos Henrique. Mas todos me chamam de Caíque.

Ele sentou e conversaram banalidades. Ele disse que precisava trabalhar e se foi.

Sílvia estava morando naquela cidade turística há pouco tempo. Veio por uma transferência e trabalhava ali em um órgão público. Escolheu o lugar por suas lindas praias e pelas comodidades que oferecia.

Dias depois ela se encontrou com Caíque em outro barzinho. Ele veio falar com ela.

Ficaram conversando e ele contou que era advogado e que trabalhou por muitos anos, fez sua independência financeira e que se cansou se ser um escravo do sistema e do trabalho. E então jogou tudo pro alto e chegou ali sem nenhum compromisso de ficar ou de partir. Que gostava de desenhar e por isto começou aquela atividade.

Muitas outras vezes conversaram e começaram a se envolver

Um dia caminhando pela praia ela perguntou se não deixara ninguém pra trás.

-Não. Sou um solitário há alguns anos.

-É solteiro?

-Isto é importante pra você?

-Não. Não é.

-Eu sou divorciado. Fiquei casado muito pouco tempo. Aprendi que não é suficiente amar pra se estar casado.

-É preciso o quê?

-Liberdade.

-Mas amor e casamento pressupõe estar preso a um compromisso.

-E quem disse que compromisso acorrenta?

-Acho que não estou conseguindo captar o seu modo de enxergar o amor. O amor não acorrenta o coração? Não nos faz ter vontade de compartilhar a vida com a outra pessoa?

-O amor não acorrenta. O amor liberta. Amor que quer colocar grilhões não é amor. É posse, propriedade. Se eu amo eu respeito, considero, me entrego e sou fiel. Não preciso ser cobrado a todo momento. Ciúme e cobrança constante acorrenta e mata o amor.

-Você não sente ciúme quando ama?

-Não. Não preciso ter ciúme de quem me ama.

-Você vive realmente o que diz?

-Sim. Sem dúvida. E eu me casei de teimoso que sou pois já sabia que ela era assim. Mas não imaginava que depois do casamento ela iria me sufocar. Eu jamais tive a intenção de traí-la porque eu a amava e ela me bastava. Mas eu não queria me sentir preso.

-Queria liberdade pra quê? Pra sair sozinho ou com os amigos? Viver a mesma vida de solteiro?

-Não. Queria liberdade pra querer estar com ela sem que ela precisasse me ligar a todo momento, me perguntar o que fiz, onde fui, com quem conversei, porque me atrasei cinco minutos. Eu não sou uma criança que precisa ser vigiada pra não fazer travessura.

-Talvez para uma mulher seja difícil amar assim.

-Basta amar, saber que é amada e confiar.

-Espero que um dia você encontre uma mulher que compreenda seu jeito de amar.

-Isto pra mim não é mais fundamental. Já foi, não é mais.

-Entendo.

Ela se sentiu um pouco ofendida, magoada e triste pois nos últimos dias só pensava em Caíque e até forçava a barra para encontrá-lo.

-E você? É sozinha? Ou tem alguém que lhe espera.

-Sou sozinha. Amei muito um homem que nunca pensou como você ou que na verdade não me amou como eu pensava.

-Tanto o amor como o desamor emitem muitos sinais. Muitas vezes nós é que não sabemos perceber, enxergar e sentir.

-Pode ser.

-Quer falar a respeito?

-Não há muito o que falar. Namoramos por mais de três anos. Eu pensava que tínhamos um compromisso, respeito e no entanto no final ele me deixou porque tinha uma outra esperando um filho dele.

-Ele se relacionou com outra, a engravidou e você nunca percebeu nada estranho?

-Eu não soube perceber, enxergar e sentir os sinais.

-Isto é mais comum do que se imagina. A paixão cega.

-Mas já passou.

Ele se aproximou dela e a abraçou e foi beijá-la. Ela se afastou.

-Por que se afastar? Pensei que queria tanto quanto eu.

-Será que você quer? Não é fundamental pra você.

Ele a puxou e roubou um beijo e ela se entregou.

E começava ali um tórrido caso de amor, uma paixão que ia além dos sentidos e da razão.

Ele nunca prometeu que ficaria e nunca disse que a amava. Ela tentava não se entregar tanto, mas estava totalmente apaixonada e procurava não cobrar, mas muitas vezes se sentia insegura e tinha medo que ele a deixasse a qualquer momento.

E ele ia ficando.

O tempo passava e ele não dizia nem que ficaria para sempre ao lado dela e nem que partiria no dia seguinte.

Ela aprendeu a viver sem cobranças e sem ciúme.

Ela aprendeu a perceber, enxergar e sentir os sinais e soube que ele a amava tanto quanto ela o amava.

Aprendeu a perceber que ele não precisava de mais ninguém além dela e ela só queria estar ao lado dele.

E que aquilo era amor.

O tempo passou e ele ali ao lado dela.

E finalmente ela se aposentou e resolveram que não teriam parada que seguiriam juntos mundo afora.

Chegando e ficando enquanto tivessem vontade e partindo quando quisessem.

E ela aprendeu com ele o verdadeiro sentido do amor.

Aprendeu que o amor liberta.

Que o amor e a liberdade andam de braços dados.

Nunca pensou em viver um amor tão verdadeiro e livre como aquele.

E seguiriam juntos enquanto houvesse amor e liberdade.

O que poderia significar a vida toda…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 19/04/2023
Reeditado em 30/09/2024
Código do texto: T7768108
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.