Nova Manhã
“Nova esperança
Bate coração
Renascer cada dia
Com a luz da manhã
Despertar sem medo
Enganar a dor
Disfarçar essa mágoa
Que anda solta no ar…”
(Trecho da música “Nova Estação” de Luiz Guedes e Thomas Roth, interpretada por Elis Regina)
Quando tudo parece perdido a vida nos brinda com novas manhãs, novos sonhos, nova esperança.
Emília estava parada na estrada de terra com o pneu furado. Por mais que tentasse, não conseguia fazer a troca. Não conseguia soltar os parafusos do pneu. Era a primeira vez que isto lhe acontecia. Sempre trocou pneus sem dificuldade. Já estava suja e se sentia mal com a situação. Há mais de uma hora não passava ninguém por ali.
Estava encostada no carro e pensando no que fazer. Decidiu caminhar até algum sítio ali perto e pedir ajuda.
Exatamente quando começou a caminhar surgiu lá longe um carro. Ela aguardou pra ver se tinha ali uma alma boa para ajudá-la.
Amauri parou o carro:
-Bom dia! Algum problema aí?
-Bom dia! Estou com um pneu furado. Não consigo soltar os parafusos. Se puder me ajudar a soltá-los eu vou ficar grata. O resto eu faço.
-Talvez isto não seja serviço pra mulher. Ainda mais uma mulher delicada como você.
-Não sou tão delicada assim. Já troquei pneu várias vezes. Justamente aqui neste lugar deserto os parafusos resolveram emperrar.
Ele desceu e soltou o pneu na maior facilidade, trocou o pneu, ela agradeceu, ele despediu e foi embora.
Ela ficou agradecida e seguiu seu caminho pensando que ele era um machista que pensava que mulher é sempre dependente.
Ele seguiu seu caminho pensando que diabos aquela mulher estava fazendo ali por aquelas bandas tão cedo. Nunca tinha visto ela por lá. Era uma linda mulher embora estivesse um pouco suja, despenteada e atrapalhada.
Emília era uma mulher de trinta e poucos anos. Era independente e nunca recuava diante de nada. Amava a natureza e sabia lidar bem com a terra. Quando perdeu os pais e ficou sozinha, decidiu que ia comprar um sítio e cultivar flores, o que sempre sonhou fazer. Depois de tudo organizado, largou seu emprego e foi se dedicar ao que amava.
Era solteira. Sempre se apaixonou por homens que não valiam a pena. Sempre se decepcionava, mas não se abatia. Dizia a si mesma que não era tão importante ter um amor na vida. Se um dia chegasse a pessoa certa, seria bem vinda, mas não se preocupava com isso.
Amauri era um solitário. Teve uma grande decepção amorosa quando ainda era muito jovem e não confiava nas mulheres. Tinha um sítio ali perto que herdou de seus pais. Sempre morou naquele pedaço de chão. Teve infância e juventude muito sofridas e sempre teve que trabalhar para ajudar os pais. Apaixonou-se por uma garota rica e que não era pro seu bico. Mas ele ainda não sabia das diferenças sociais e pensou que aquela garota ladina que o provocava iria ser seu grande amor.
Desde aquela decepção ele jurou pra si mesmo que um dia seria alguém e que nunca mais seria machucado ou humilhado por ninguém.
Passou sua vida tentando ser rico. Conseguiu uma situação confortável. Era inteligente e trabalhou sua terra de modo a fazê-la produzir e lhe dar conforto e uma vida folgada.
Dias depois, Amauri notou a escassez de água que corria por suas terras. Não entendeu o que estava acontecendo, mas pensou que algum outro proprietário estava desviando sua água. E ele dependia dela para irrigação e outras coisas.
Resolveu ir até o seu vizinho para ver se lá estava tudo normal.
Ao chegar lá se deparou com Emília, que na verdade nem tinha ficado sabendo o nome.
-Você por aqui?
-Sim, você está em minhas terras.
-Ah! Você comprou estas terras? Sou seu vizinho.
-Que bom. Fico feliz por ter um vizinho que foi tão gentil comigo.
Ela era uma tanto atrapalhada e ao cumprimentá-lo quase caiu por cima dele.
-Desculpe. Eu me chamo Emília. Qual o seu nome?
-Amauri. Eu estou aqui pra saber se sua água está normal. Lá no meu terreno a água está escassa. Eu não estou entendendo o que está acontecendo.
-Está normal sim. Eu estou começando a cultivar flores. Como vou precisar de muita água estou fazendo um dique para represar a água.
-Você está brincando. Sabia que a água não é sua? Ela pertence também a outros proprietários por onde o ribeirão passa.
-Nossa, moço. Não precisa ficar tão bravo. Eu não sabia e ninguém me falou. As pessoas que estão trabalhando comigo não me alertaram.
-Começamos muito mal. Quero minha água de volta.
-Vamos lá eu vou mandar regularizar sua água agora mesmo.
Ao se virar ela tropeçou e caiu nos braços dele. Amauri sentiu uma sensação agradável ao segurar nos braços aquela mulher tão linda e destrambelhada. Ela por sua vez ficou muito próxima dele e sentiu seu corpo tremer.
Eles se recompuseram e foram resolver o problema.
Amauri foi embora pensando naquela adorável trapalhona. À noite, em sua solidão, ficou pensando em Emília, em seu perfume, sua beleza e encanto. Mas sabia que não era era mulher pra ele.
Emília pensava que nunca sentiu uma sensação tão boa em estar nos braços de um homem, mas tentou não pensar nisto. Por certo era casado ou comprometido. E ela não queria confusão com vizinhos.
Em outras oportunidades eles se encontraram em situações constrangedoras e pensavam que o melhor era se manter afastados.
Mas o destino estava tramando a favor deles e seus caminhos sempre se cruzando e ela sempre desastrada estava sempre caindo nos braços dele.
Um dia quando ela tropeçou e ele a segurou, ficaram muito próximos e ele a beijou. Ela se derreteu e se entregou.
Nada disseram, ficaram ali abraçados e entregues àquele momento tão sublime.
Ela se refez e disse:
-Desculpe, eu não fiz de propósito. Não quero confusão com você nem com sua mulher.
-Que mulher?
-Você não é casado?
-Não. Nunca fui. Você é casada?
-Não. Nunca fui.
Eles riram.
Ele sentiu que estava se apaixonando por aquela adorável mulher e achou que o melhor a fazer era fugir dela. Sabia que podia se decepcionar e devia evitar.
Emília se sentia completamente apaixonada por ele. Sabia que não tinham muito em comum, mas não se importava com isso.
Ela notou que ele se afastava dela e quando se encontravam ele ficava na defensiva.
Ladina ela tratava de provocá-lo pois sabia que ele estava interessado.
Entre convites para jantares e almoços e pedidos de ajuda os dois foram se envolvendo.
Sempre tinham alguma desculpa para estarem juntos e os abraços e beijos foram ficando mais envolventes e acabaram se entregando à paixão e desejo que sentiam.
Nunca se casaram, mas juntaram suas camas, suas vidas, suas terras e seus negócios e viviam a paixão que se tornou amor, respeito, companheirismo e cumplicidade.
Deixaram a solidão de lado e souberam que na hora certa o amor sempre chega.