Anabela em busca do saber
Sophia era extremamente inteligente e sempre se destacou no colégio. Porém, havia um defeito na jovem: ser feia. Sua fisionomia era estranha o suficiente para entristecer sua mãe por ter gerado alguém com uma aparência tão terrível.
Seu consolo eram seus saberes imensos compensarem o visual, mal abria a boca e não havia mais quem se importasse com esse. Como sempre proferia sábias palavras, todos amavam escutá-la e esqueciam sua figura.
Sua inteligência já tinha rendido uma pequena fama e alguns estudiosos da região visitavam a casa onde vivia para debater ideias com a jovem prodígio. Devido a isso, os outros moradores aos poucos acostumaram-se com um lar movimentado.
Sophia tinha uma irmã caçula chamada Anabela e elas não podiam ser mais diferentes. A mais nova também era um destaque, mas por ter uma beleza estonteante, já que sua capacidade mental era deprimente. Inclusive, já tinha repetido alguns anos na escola.
Apesar de ser a menina mais bonita da cidade, Anabela era também a mais solitária e infeliz. Vivia presa dentro de casa, não porque não queria sair, mas porque não tinha com quem sair. Mesmo sua aparência atraindo todos ao seu redor, sua burrice irritava as pessoas, que logo se afastavam.
A única coisa a qual sua falta de inteligência permitia perceber era sua solidão e a popularidade de Sophia. Conseguia notar que sua beleza não atrairia amigos, diferentemente do conhecimento da irmã. Se pudesse, trocaria seu lindíssimo visual por um tiquinho de inteligência. Infelizmente, não podia.
Em todas as vezes que receberam visitas de grandes pensadores, Anabela empolgou-se para conhecê-los. Afinal, era uma chance nova de fazer um amigo! Era terrível a vida imposta por sua mente limitada e ela não aguentava mais.
O filme constantemente se repetia. No início todos encantaram-se com sua aparência, contudo nenhum deles conseguiu manter uma conversa longa e afastavam-se irritados com a ignorância da moça.
Quando chegou a formatura de Sophia, a mãe delas decidiu dar uma festa incrível para comemorar e foram convidados alguns colegas de classe. Ela tinha muitos amigos lá, pois todos gostavam de sua companhia enriquecedora.
Já Anabela, não conhecia ninguém. Entretanto, como o tempo lhe fez bem, esperava atrair as pessoas e fazer amigos na festa. Mesmo tendo consciência do nível de intelecto dos companheiros da irmã.
Foi como em todas as outras vezes: as pessoas se animaram para falar com a bela irmã da famosa sábia e tão logo viram sua burrice, afastaram-se dela. A tola ficou tão decepcionada consigo mesma que começou a chorar. Por não querer acabar com a alegria da festa, afastou-se discretamente até uma parte deserta.
Riquete, um dos presentes, já tinha ouvido falar tanto da inteligência de Sophia quanto da beleza de Anabela e estava muito curioso para conhecer tais obras-primas da natureza. Por isso, ficou muito contente em ser chamado por um amigo para a festa.
Ao encontrá-lo, a irmã inteligente ficou muito animada. Afinal, ele também era muito conhecido por sua sabedoria. Sem perderem tempo, os dois começaram a trocar ideias.
Ao separarem-se, Riquete notou a existência de uma jovem tentando fugir da multidão. Ao ver o quanto era linda, percebeu que só podia ser uma pessoa: Anabela. Sua beleza era ainda maior do que lhe contaram, tão grande que se apaixonou na hora. Rapidamente, foi atrás dela.
Assim que o viu, ela começou a fugir em prantos e ele correu o máximo que pôde para tentar alcançá-la. Para sua sorte, houve um momento em que a garota desistiu da fuga, sentou-se na grama e se afundou em lágrimas. Finalmente, o rapaz se aproximou dela.
A jovem olhou para ele e viu um rapaz terrivelmente feio, tanto quanto sua irmã. Ao pensar que ele devia também ser tão inteligente quanto Sophia, suas lágrimas aumentaram. Desejava estar no lugar dele...
— Por que está tão triste, Anabela? Nunca vi alguém tão linda quanto você. — Ele disse com firmeza.
— E você pensa que acredito nisso? — disse em um sussurro.
— Juro que é verdade. Além disso, não vejo como alguém tão bela possa estar tão triste. Qualquer outra dor parece pequena diante desse atributo. — Tentou transparecer sinceridade.
— Pois eu abriria mão de toda a minha beleza para ser inteligente como você. — respondeu revoltada.
— Então tenho a solução para o seu problema! — disse ele alegremente.
— E qual seria? — perguntou um pouco menos desanimada.
— Quando nasci, uma fada apareceu e disse que eu poderia tornar inteligente a pessoa que amasse. Como amo você, posso transformá-la na mais inteligente das donzelas. Mas em troca, quero namorar-lhe. Aliás, meu nome é Riquete. — falou tímido.
Anabela nunca tinha visto uma fada antes, mas sabia que elas existiam. Pelo menos sempre apareciam nas histórias contadas por sua mãe, isso a jovem conseguiu aprender.
— Parece que minha proposta não é agradável, compreendo. — disse tristonho ao perceber a demora na resposta.
Como ela estava desesperada para ficar inteligente, ao ver a grande oportunidade de adquirir conhecimento escorrer entre seus dedos, aceitou sem pensar. Apesar de que pensar não ajudaria muito, visto sua burrice.
— Obrigado por aceitar, Anabela. Posso começar com suas aulas amanhã mesmo. — Riquete do Topete estava muito feliz. — Para a magia funcionar, você deve usar esse anel. Jamais tire-o do dedo. — disse-lhe enquanto entregava a joia.
Anabela passou a encontrar-se com o novo professor todos os dias com a missão de acabar com sua burrice. Ele criou um ambiente aconchegante e a moça realmente sentia que aprendia alguma coisa. Finalmente, acendeu-se uma chama de esperança no coração da pobre tola a qual recebeu tanta alegria daquele homem tão esperto.
A aluna avançava rapidamente e Riquete ficou feliz em ver sua amada não sofrer mais com sua burrice. Ela poderia conversar com as pessoas e fazer amigos como sempre quis! Ver sua alegria ao perceber que já não era tão idiota era o melhor momento do dia dele.
Ao fim dos encontros, a pupila sentia cada vez menos sua cabeça confusa e conseguia se expressar mais facilmente. Com frequência, dizia algo que soava tão claro, elegante e natural que Riquete pensava ter ensinado mais à jovem do que ele mesmo sabia.
Sua família também ficou impressionada com tão drástica mudança. Bobeiras de repente eram pensamentos filosóficos muito interessantes e complexos! Essa metamorfose agradou a todos e rodeou Anabela de companhia. Graças ao rapaz feioso, seus dias não eram mais cinzentos.
Apenas Sophia não se agradou. Afinal, tinha perdido a única vantagem em relação à irmã. Sendo a outra inteligente e bonita, Anabela começou juntar pequenos grupos de pessoas que queriam ouvir sua sabedoria ao seu redor.
Porém, a outrora tola estava acostumada a ficar sempre sozinha. Com todas essas pessoas ao seu redor, sentia-se meio desconfortável e nervosa. Assim, descobriu-se uma pessoa tímida.
Um dia, caminhava pela cidade e aproveitava a paz da solidão, quando viu uma casa que estava sendo toda decorada. Parecia que haveria uma pequena festa por lá. Curiosa, ela foi perguntar o que haveria ali e recebeu a seguinte resposta:
— O senhor Riquete quer arrumar a casa para o encontro com uma amiga, ele espera pedi-la em namoro.
Ao ouvir isso, Anabela ficou horrorizada. Ela nem se lembrava mais de sua promessa em troca da sabedoria. Porém, existia um motivo para seu esquecimento: assim que ficou inteligente, esquecera-se de todas as tolices que havia dito.
— Anabela, que bom que veio! Já ia chamá-la. — Riquete falou ao avistá-la.
— Oh! Riquete, não posso aceitar namorar você. — disse desesperada, afinal temia magoar àquele a quem devia tanto.
— Isso me surpreende! — Foi sincero.
— Eu sei que se você fosse grosseiro e bruto cobraria minha palavra irado. Mas sei que é bom, inteligente e pode me compreender. Aceitei desesperada por conhecimento, hoje vejo tudo mais claramente.
— Mas Anabela, fazendo isso me torna a pessoa mais infeliz do planeta! — disse magoado. — Diga-me, além de minha feiura, o que em mim lhe desagrada? Não gosta do meu jeito de ser ou da minha família?
— Não, gosto de tudo isso em você.
— Então, fico aliviado. Pois a mesma fada que me deu o poder de tornar inteligente alguém que eu amasse deu a você o poder de tornar belo alguém que você amasse. — disse esperançoso. — Basta dar-me o anel que sua mãe sempre a obrigou a usar.
Anabela sabia que fadas não existiam, eram obras da ficção. Sabia também que Riquete inventara aquilo só para que tivesse esperança de alcançar a inteligência, na época era burra e acreditava nessas coisas.
Mesmo assim, surpresa por ele conhecer o anel da sua mãe, pegou-o. Afinal, realmente sempre o trazia consigo. Nunca soube o porquê do pedido materno e, com o tempo, desinteressou-se. Descobrindo uma possível verdade, olhava-os diferente.
O homem, que estava apaixonado e desesperado demais para esperar uma resposta, tomou a joia da mão dela e colocou-a em seu dedo anelar, rezando para que funcionasse. Quando Anabela parou de encarar sua mão e levantou a cabeça, pronta para reclamar do roubo do anel, já não via o feioso Riquete, e sim o mais belo jovem em que já pusera os olhos.
Há quem diga que essa transformação não foi pela magia da fada. Já que ele roubara o anel de Anabela e, para funcionar, ela deveria dar-lhe livremente. Talvez nunca saibamos se houve mesmo uma fada.
Dizem que só o amor seria capaz de uma metamorfose dessas e, ao pensar nas boas qualidades do rapaz, não via mais seu rosto deformado. Pois o amor impedia-a de ver defeitos em seu querido.
Ela disse que começariam a namorar assim que falasse com sua mãe, o que não demorou muito. A progenitora ficou muito feliz pela filha e ambos oficializaram o relacionamento na semana seguinte. Assim como já havia sido planejado há muito tempo por Riquete.