DANCEI COM TEU FANTASMA
Naquela noite especial, dançamos. Entre os passos lentos, tudo o que desejei era que você ficasse, só mais um pouquinho, nada mais. Te apertei junto à mim, não querendo vê-lo partir novamente.
Pois, meu coração seria de novo despedaçado.
PARTE ÚNICA — Fique, por favor!
O dia tinha sido cansativo. Mas me recordei que se tratava de uma data especial. Não poderia findar apenas como um dia comum. Reuni forças, fui embora do trabalho mais cedo.
Às nove da noite estava quase tudo preparado. Ontem havia recusado o convite de sair, o que causou sermões, e sem querer desgaste desliguei o telefone, não retornei. É em vão tentar fazê-los entender as minhas mais profundas emoções. Aqueles que se dizem amigos não compreendem o que tivemos, não conseguem vislumbrar o elo cativante que havia entre a gente.
Me aprontei da maneira que você gostava, vesti aquele vestido de cetim verde que comprara para mim no nosso quinto aniversário de casamento. Ainda me lembro de seus infinitos elogios naquela ocasião… Hoje, prendi os cabelos em um penteado elegante e simples. Sim, permiti as madeixas que você vivia afagando, crescerem enfim. Estão mais longos que da última vez que te vi. A maquiagem, o mais natural possível. Lembro-me de você me dizendo que não precisava me pintar tanto, gostava mais quando eu não usava nenhum artifício.
Depois de arrumada, coloquei nosso disco favorito para tocar, a melodia seguida da melancolia tomou conta do ambiente. Sentei-me solitária. Os pratos que você apreciava estavam todos postos à mesa. E para dar aquele toque de romantismo que você sempre fazia questão, diminui as luzes do apartamento. Admirei a minha volta, era o cenário perfeito, você se orgulharia de mim… Não demorei em me servir do vinho, que desceu suavemente pela minha garganta.
Cada pequeno detalhe pareceu estar na mais plena harmonia, só faltava apenas mais uma coisa…
Assim que finalizei este entristecido pensamento meu, uma brisa diferente, quase etérea, atravessou as janelas. Por inteira, me arrepiei. Os meus olhos demoraram a se levantar, mas quando o fizeram, a minha alma finalmente encontrou a alegria que há tanto procurava. De repente, ali estava você, sentado sorridente do outro lado da mesa. Semelhante a um anjo criado somente para mim.
Ofereceu-me a mão, e segurei, encantada como uma criança perdida dentro de um mundo mágico. Nossa canção começava a tocar.
We might kiss when we are alone
(Podemos nos beijar, quando estivermos à sós)
When nobody's watching
(Quando ninguém estiver olhando)
We might take it home
(Continuaremos em casa)
A ternura de tuas mãos trouxeram de volta para mim as mais doces memórias de outrora, enquanto me guiavam pela sala. Os meus olhos se fecharam na paz da tua aura sublime, e sem pensar, descansei minha cabeça em seu peito. Fui reconfortada pelo teu perfume. Quis imergir dentro de tua imensidão, me fundir junto da tua presença.
Como uma criança assustada, te apertei contra mim. Repentinamente, o medo invadiu-me a mente. Senti o terrível temor de ter que vê-lo novamente partir. Mas você permanecia sereno, calmo, enquanto ainda dançava junto de mim, em passos delicados. Os teus afagos em minhas costas começaram a arrancar de minha garganta, soluços provindos do âmago de minha pobre alma.
Será que podias sentir meu desalento...
Por que eu tinha que voltar a reviver a dor de ver-te ir embora novamente?
Chorosa, supliquei aos anjos no céu que prolongassem aquele momento agridoce de nosso embalo. Mas eu, com grande pesar, já podia sentir tua presença se esvaindo entre meus apertos desesperados. As lágrimas desceram quentes, sem pudor algum, pelo meu rosto tomado de sofrimento. O teu perfume reconfortante estava enfraquecido.
“Fica, por favor”, pedi baixo com a voz falha de angústia.
O teu queixo se pôs a descansar no topo da minha cabeça. Pesarosa, escutei tua voz, que soou como uma triste melodia.
“Eu gostaria…”, disse “... Mas não posso, estrelinha”
Sob soluços e choros carregados da mais dolorosa amargura, afundei-me em seu peito. A tua presença celeste de repente encontrava-se tão fria, quase distante, esvaindo-se para longe.
“Por favor”, supliquei mais uma vez.
“Sinto muito, pequena estrelinha”, sussurrou quase inaudível.
Quando tentei te abraçar de novo, acabei abraçando a mim mesma. Tinhas partido... Em vão supliquei aos prantos para que você voltasse e ficasse um pouco mais. Só mais um pouquinho!
A nossa canção se repetiu por horas. Chorando, ali continuei. Não havia para onde ir.
Fariam três da manhã. As luzes já apagadas, eu dançando junto do teu fantasma e, memórias de um passado que jamais retornariam.
(15/05/21)
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Para quem se interessar pela música citada: Damien Rice - Delicate