Histórias que gosto de contar – À espera de uma carta
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 7 de março 2023
Gildete, dentro de seus frágeis 15 anos de idade, moradora de um lugarejo onde o carteiro só passava uma vez por semana, recebera a visita de um primo, rapaz educado, encantador aos olhos da menina. Trabalhava na roça do pai, ajudando no sustento da família. Morava um pouco distante do lugarejo daquelas paragens. Foi só uma tarde de conversa, que deixou a debutante encantada pelo garoto, sendo ela quatro anos mais jovem. No final da tarde, antes do retorno à fazenda, o visitante, filho da irmã de sua mãe, prometera escrever todas as semanas para a prima, o encantamento foi recíproco. Ela não se importava pelo espaçamento combinado pelo primo para o envio das cartas. Tinha ciência que o carteiro da localidade só passaria às segundas-feiras. Essa troca de mensagens seria um segredo entre eles.
A alegria da menina era explícita, todos notaram a mudança repentina da moradora solitária, que nunca tivera contato tão íntimo com qualquer mancebo, morador de outros redutos. As amigas, as duas que cultivava, ficaram alegres, mas desconfiavam de tal mudança, já que desconheciam a repentina e curta passagem do parente de Gildete por aquelas bandas.
Na primeira segunda-feira da passagem do carteiro pelo lugarejo, nenhuma das cartas por ele trazidas era endereçada à ansiosa garota. A justificativa foi que não tivera tempo para escrever, trabalhava muito. Daí em diante, a mocinha ficava esperando pelo mensageiro, até vê-lo aparecer, corria ao seu encontro, sempre sorrindo. O carteiro, jovem e bem afeiçoado, a recebia com alegria, tentando retribuir o carinho que achava receber de tão formosura criatura.
Outras negativas, nenhuma carta, a tristeza a apanhava no dia que esperava ser de alegria. O jovem carteiro tentava animá-la, dizendo palavras carinhosas, cheias de esperança, que na outra semana a carta tão esperada, chegaria. Não era o bastante, quanto mais ele falava, mais sua autoestima decaia. Já não sabia mais o que fazer. O seu colocutor esforçava-se, em dado momento segurou, carinhosamente a mão da menina-moça, prometendo para a próxima semana uma carta para ela.
Na segunda-feira o carteiro não apareceu, nem na outra. A menina definhava, os pais, desesperados procuraram uma curandeira, por aquelas bandas não havia médico, o estado da filha era delicado. Era uma segunda-feira, às 7 horas, a curandeira apareceu, fez o seu trabalho e foi embora, “dizendo que aquela omode1 iria ficar boa já, já”. É caso de Ifé2, suncê3 sabe. Não deu duas horas, o carteiro chegou, gritou na porta da menina “carta para a senhorita Gildete!” De um pulo só a garota ficou de pé, correu para a porta. Sorridente, o carteiro entregou a carta, que no envelope dizia: para Gildete, Rua das Rosas, 47. Ela leu o envelope, trêmula, cheirou-o e chorou, agradeceu e entrou. O carteiro afastou-se frustrado, esperava algumas perguntas e sorrisos.
A carta começava assim: nosso relacionamento começou meio conturbado. Era a primeira vez que nos encontrávamos, eu sabia de sua existência, mas não sabia que era tão bonita. Aos poucos nos aproximamos, conversamos e tive a certeza de que iria me apaixonar por você. Temos que ter paciência, a distância nos separa, teremos contato por meio dos correios. Ela não ficou muito satisfeita, mas disse para si mesma que iria ver onde isso levaria. As cartas não pararam de chegar, e sempre esperava ansiosa, vinham cheias de belas palavras, pareciam tiradas de livros de romance. Um pássaro contou aos seus ouvidos que aquelas cartas não vinham do primo.
Os meses passavam, as cartas chegavam, mais apaixonadas do que nunca. O carteiro era sempre o mesmo, sorridente e amável, agora conversavam bastante. Ela ia se apegando a ele, a cada carta que recebia, era sempre um momento agradável na vida daquela que sofrera por um homem que agora desconhecia sua existência, já nem se lembrava do nome. Parecia que o funcionário dos correios estava substituindo aquela figura que despertara os primeiros impulsos para o amor.
Na última carta, tomado de coragem, o carteiro se declarava à sua amiga das segundas-feiras, expressando o amor que sentia por ela. Algumas das frases escritas em cartas anteriores, já deixavam pistas que havia alguém passando-se pelo homem que lhe prometera escrever todas as semanas.
A frágil adolescente, esperou ansiosa a segunda-feira próxima, com um brilho nos olhos, que demostrava todo o amor que sentia pelo carteiro. Quando os dois se encontraram, abraçaram-se, houve beijo, sim, e a conversa entre eles foi a mais agradável do mundo.
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1 Omode - Criança, em iorubá – povo negro da África.
2 Ifé - Amor, em ioruba.
3 Suncê - Você, maneira informal de tratamento entre os negros na época da escravidão (Brasil)