Assim Ela Já Vai...
“Assim ela já vai
Achar o cara que lhe queira
Como você não quis fazer
Sim, eu sei que ela só vai
Achar alguém pra vida inteira
Como você não quis
Tão fácil perceber
Que a sorte escolheu você
E você cego nem nota…”
(Trecho da música “Acima do Sol” composição de Chico Amaral e Samuel Rosa, interpretada por Skank.)
Bárbara chegou para o seu primeiro dia de trabalho em um cargo no serviço público.
Ela estava com vinte e três anos, tinha concluído o curso de Direito há menos de um ano e passou logo num concurso que ela almejava.
Ela era uma mulher bonita, mas nada que chamasse atenção. Era magra e alta, cabelos longos e castanhos, olhos num tom de verde que hipnotizava. Tinha um sorriso franco, aberto e encantador.
Foi apresentada a seu chefe, Ângelo. Ele a olhou de cima a baixo com admiração.
Ela sorriu.
Ângelo era um homem de uns trinta e poucos anos. Era muito bonito e charmoso e estava acostumado a encantar as mulheres com sua beleza, seu corpo musculoso, seu sorriso e seu charme. Ele sabia que era irresistível para muitas mulheres e gostava de sua fama de conquistador.
Era solteiro e dizia a todos que nenhuma mulher o levaria ao altar.
Era um homem distinto, educado e sabia fazer um galanteio.
Logo ele jogou seu charme pra cima de Bárbara que caiu como um patinho e se apaixonou perdidamente.
Ela sentia que tinha encontrado um homem perfeito. Sentia-se nas nuvens.
Discretamente eles começaram a sair. Não queriam comentários maldosos.
Bárbara se entregou de corpo e alma a Ângelo. Nem imaginava o quanto ele era capaz de brincar e enrolar uma mulher.
Muitas vezes ele tinha desculpas pra não encontrá-la e ela cega não sentia que estava sendo preterida e desprezada.
Aceitava tudo que ele fazia e se contentava com as migalhas que ele oferecia.
Quando a chamava ela corria para os braços dele.
Em seu quarto tinha várias fotos dele que ela admirava como se fosse um deus. E chorava quando ele não aparecia e a deixava sem chão.
Quanto mais ele percebia a paixão dela, mais ele a desprezava.
E ela sem reação.
Quase dois anos se passaram e ele fazendo dela o que queria.
Até que ele foi deixando de encontrá-la. Não terminou o relacionamento, mas se afastou sem nenhuma palavra.
Ela sofria e chorava. Trabalhar ao lado dele era uma tortura pra ela. Muitas vezes nem conseguia se concentrar e quando errava alguma coisa ele a humilhava. Ainda assim ela continuava apaixonada e se arrastando aos seus pés.
Os colegas tinham pena dela e alguns tentavam abrir seus olhos.
Um dia chegou um funcionário novo para chefiar um setor. Ele era sério, ensimesmado, olhar triste e compenetrado. Era tímido e sempre estava na sua. Concentrava-se no trabalho e não ligava para o que falavam dele.
Todos comentavam sobre o novo chefe. Diziam que era mal humorado e nunca ria. Que não gostava de brincadeiras e nem de muita conversa.
Não era tão bonito como Ângelo, mas tinha seu charme e carisma.
Diziam que ele era viúvo há algum tempo. Sua esposa, seu filho e sua sogra morreram em um acidente.
Bárbara, que sempre gostava de ajudar a todos, ficou comovida com aquela história e se condoeu da dor dele.
Ela encontrava com ele no café e sempre ia conversar.
Aos poucos ela começou a sentir que ele era um homem muito especial. Sentiu que a compaixão se transformava em um outro sentimento. Nascia nela um amor sereno e verdadeiro.
Ele a convidou pra sair.
Ela soube então que ele era inteligente, interessante e culto.
Era muito diferente de Ângelo de quem ela foi esquecendo. Já não se sentia apaixonada e começou a enxergar seus defeitos. inclusive sua infantilidade e falta de compromisso.
Quando Ângelo percebeu que ela estava se aproximando de Zé Roberto tratou de voltar a jogar seu charme e trazê-la de volta para si.
Mas Bárbara se mostrou desinteressada. Não dava mais trela pra ele.
Ele se sentiu por baixo e não aceitava perder uma mulher para um homem que julgava ser pior e inferior a ele.
Começou a marcar em cima.
Zé Roberto percebeu e soube que Bárbara já fora apaixonada por Ângelo. Como ele era um perfeito cavalheiro, conversou com ela. Ele se abriu dizendo que estava se sentindo pronto pra amar novamente e que não queria ter uma decepção.
Bárbara respondeu que o tempo de Ângelo já havia passado e que ela já estava se sentindo apaixonada por ele.
Eles começaram a namorar.
Ângelo não se conformava e tentava a todo custo reconquistar Bárbara.
Não largava do pé dela. E ela se esquivando.
Ela pediu para ser transferida de setor.
Ângelo não se conformava e tentou não permitir a transferência.
Bárbara então teve uma conversa séria com ele.
-Ângelo, precisamos conversar. Eu não quero mais trabalhar com você. Por favor, não tente impedir minha transferência de setor.
-Você trabalha comigo há mais de três anos. Eu gosto do seu trabalho e preciso de você em minha equipe.
-Precisa por quê? Quantas vezes você já me humilhou e desfez de meu trabalho?
-Você sabe que é brincadeira. Você é uma profissional competente.
-Uma brincadeira de muito mau gosto.
-Algumas vezes eu sou atrapalhado, falo e ajo como não devia. Mas você sabe o quanto eu lhe gosto. Tivemos uma história e não podemos fingir que nada existiu.
-Eu nunca fingi que nada existiu. Mesmo porque você foi muito importante pra mim. O mais importante de todos até então. Mas passou, acabou.
-Uma história como a nossa não se acaba assim. Não acabou. Eu não acredito que você esqueceu de mim e de tudo que vivemos.
-Uma história acaba quando não há reciprocidade de sentimentos e de consideração.
-Você não sabe dos meus sentimentos.
-Mas sei dos meus.
-Eu ainda gosto de você. Eu quero ficar com você. Podemos ser felizes.
-Você nunca vai ser feliz e nunca vai fazer uma mulher feliz pois não sabe amar uma mulher e nem merece ser amado.
-Mas eu posso aprender a amar e ser amado. Se você me ensinar…
-Eu quis muito ouvir isto de você. E você foi muito amado, mas não soube merecer.
-Dá uma chance pra mim, pra nós.
-Não dá mais porque não há mais amor. Você matou todo o amor que eu senti. Aliás, não sei se foi você que matou o amor que eu sentia ou se foi o Zé Roberto que soube conquistar o meu amor. Desejo que um dia você consiga merecer ser amado por uma mulher e que consiga também amar. De hoje em diante nosso relacionamento se restringe à convivência formal de trabalho. Adeus Ângelo!
Ela se virou e foi embora.
Ele ficou parado, sozinho, com cara de paisagem, com cara de quem não acreditava em tudo que ouviu de Bárbara.
Ela foi trabalhar em outro setor.
Tempos depois Bárbara e Zé Roberto se casaram com promessas de amor eterno. Mas ambos sabiam que eterno é um tempo longo demais e que o amor duraria o tempo que fosse cultivado e cativado no dia a dia.