Autor desconhecido

“Aquele a quem o amor toca não anda na escuridão” - Platão. Talvez fosse por isso que não conseguia enxergar uma saída. Naquele momento sentia que seus seus caminhos haviam se tornando um enorme breu, porque seu coração assim estava, e como um bom sentimentalista sempre costumou se deixar ser direcionado por ele. Agora conseguia perceber o quão estúpido e no mínimo ingênuo era agir dessa forma, não era atoa que seu amigos sempre o provocavam por isso, o rotulavam como alguém idealista que vivia em mundo de fantasia, e que talvez precisasse de traumas para acordar para o mundo real e enfim enxergar o lado obscuro das pessoas. Mas nunca se importou com o que eles diziam, sempre teve orgulho daquilo que sentia pelas pessoas, de crer no melhor delas, de fazê-las se sentirem especiais, únicas. Pensava, o que havia de mais puro e real do que aquilo que nós sentimos? Do que aquilo que vinha do coração de forma espontânea sem podermos controlar, ou até mesmo moldar da forma que queremos? Achava incrível ser capaz de entregar sua sinceridade para o outro, mas esse era o problema, nem todos estavam dispostos a serem sinceros e só poderia ser responsável por aquilo que ele mesmo sentia. Compreendia o quão perigoso era ser movido por sentimentos que a qualquer momento poderiam mudar, porque era isso, sentimentos são instáveis e quando aqueles guardados dentro de si são indesejados, se tornam seu pior inimigo, uma arma capaz de causar dor inexplicável, na mesma medida que se forem correspondidos podem te fazer atingir o ápice da felicidade. O amor nunca mais o tocaria, ele não permitiria, não sabia nem ao menos se ele realmente existia, pelo menos não para todos. Na verdade era um jogo, aqueles que tivessem a melhor estratégia sairiam menos machucados, ao mesmo tempo era atirar no escuro, entregar seu coração confiando em algo que era sentido por terceiros parecia loucura não? Confiar que iriam preservar e cuidar do seus sentimentos era enxergar o ser humano como alguém provido de empatia e esquecer de sua verdadeira natureza individualista. Finalmente conseguia entender o que dizia Nietzsche “ Todo amor é amor próprio. Pense naqueles que você ama: cave profundamente e verá que não ama à eles; ama as sensações agradáveis que esse amor produz em você, você ama o desejo não o desejado” Porque é isso, no final de tudo é o pensamento egocêntrico que permanece sendo alimentado, os próprios interesses são colocados como prioridade e isso dói em cada um daqueles que se doam e verdadeiramente se permitem experimentar daquilo que imaginam ser o tal amor.

- Querido você precisa reagir - uma voz preocupada quebrou o silêncio - Já faz mais de 1 hora que está aí parado - a prova de que o tempo é relativo, para ele era como se houvesse se passado apenas alguns minutos - Eles precisam que saia para fazerem a limpeza e tirarem os arranjos - vendo o silêncio suspirou - Não precisa ir para o seu apartamento senão quiser. Você pode ficar comigo e seu pai o tempo que precisar, até se sentir preparado para voltar.

Se sentia culpado por não responder e deixar a mulher que parecia aflita por seu estado, no mais profundo silêncio. Mas tudo em sua volta parecia desconexo, não conseguia formular uma frase qualquer, nem que fossem apenas murmúrios amargos. Diversas pessoas haviam falado com ele durante toda a confusão, mas permaneceu calado, estático diante de seu mundo desabando e sua cabeça colapsando. Não conseguia ver em sentido em nada dito, tudo chegava em seus ouvidos como zumbidos.

E minutos depois encontrava-se na mesma situação, a mesma sensação de vazio e solidão, o mesmo embrulho no estômago, as pernas inquietas sendo a única parte de seu corpo que parecia estar viva, esboçando algum tipo de reação mesmo que significasse que estava em meio a uma crise de ansiedade.

Sua cabeça zonza e olhar fixo ao puro vazio mostravam que não conseguiria reagir tão cedo, para isso precisaria primeiramente entender o que havia acontecido, entender como o dia que era para ser o mais feliz de sua vida havia se tornado um desastre em milésimos.

- Por que ela fez isso? - falou pela primeira vez, explanando aquilo que não parava de perguntar a si mesmo, a voz baixa demonstrava seu cansaço mental - Ela parecia tão decidida, eufórica - lembrou-se de quão entusiasmada se mostrava ao lhe contar todos os detalhes que compunham seu vestido, de como o véu longo a deixaria elegante, de sua preocupação em fazer com que tudo estivesse perfeito.

- Talvez isso só estava mascarando suas verdadeiras emoções - a mulher tentou se aproximar e logo recuou, seu coração doía ao ver seu único filho naquele estado, após passar pela maior decepção de sua vida - Não devemos confiar em sentimentos momentâneos como euforia ou paixão - engoliu em seco, tentando falar da forma mais cautelosa que conseguia.

- Eu preciso de um tempo sozinho - disse evitando a todo custo os olhos penosos, da mulher que tanto lhe assemelhava fisicamente.

- Nick…- tentou convencê-lo com tom de voz quase suplicante. Seus ombros então encolheram e os olhos marejaram. Seu menino estava tão quebrado que não tinha forças ao menos para reagir, nem que fosse através da fúria, pelo menos assim estaria se libertando daqueles sentimentos, ao invés de estar envolvido em um casulo de tristeza e dor. Desejou em seu íntimo que pudessem trocar de lugar, que fosse possível transferir a dor que ele sentia para si, seria mais fácil lidar com sua própria dor do que vê-lo sofrendo sem poder ajudar.

- Eu só preciso de meia hora - tentou parecer firme, mas sua linguagem corporal o traia demonstrando o quão derrotado se encontrava.

- Ok - ela suspirou, beijando-lhe a bochecha marcada por lágrimas secas. Foi em direção à saída, hesitante se deixá-lo sozinho era a melhor decisão.

Afrouxou a gravata, que antes alinhada perfeitamente sobre o pescoço demonstrava sua preocupação em estar perfeito no dia em que enfim firmaria sua aliança com a mulher que tanto amava. Agora essa era segurada com força, buscando uma forma de aliviar a fúria do seu interior confuso e certamente exausto. Sua mente o torturava trazendo em sua memória a mesma cena repetidamente, corroendo-o por dentro ao escutar as mesmas palavras que afiadas como adaga sentiu que rasgaram todo seu interior. Relembrava o olhar nervoso e esbugalhado da jovem ao ouvir a tão conhecida pergunta do padre, os lábios trêmulos que hesitavam em respondê-la, em como isso deixou seu coração ansioso ao ponto de parecer que sairia para fora de seu peito. Lembrou-se então de pegar nas mãos dela e perguntar suavemente qual era o problema tendo como resposta um choroso e sôfrego "Não posso fazer isso” enquanto retirava dramaticamente o véu longo jogando-o no chão. Então, naquele momento tudo havia paralisado, porém paradoxalmente sentiu como se as coisas em sua volta estivessem em câmera lenta.

Virou-se para trás e com isso teve em em sua mente cravada a cena dramática e quase cinematográfica dela saindo apressadamente segurando as laterais do vestido branco e bufante, sendo acompanhada pelos olhares chocados e escandalizados dos convidados, alguns intercalando os olhares entre ela e o noivo que paralisado não conseguia esboçar reação. Depois sentiu-se totalmente desconectado da sua realidade, não conseguia reagir ao caos que havia se formado no local perfeitamente decorado. As pessoas alvoroçadas tentavam entender o que havia acontecido, os olhares de pena junto a cochichos direcionados á ele, seus amigos e pais preocupados tentando o consolar, mas em sua mente a mesma e assombrosa imagem passava como uma produção em tela cheia. Dela fugindo de seu amor, quando ali decidiu sozinha que a relação que tinham não poderia continuar, deixando bem claro que o jovem era algo tão descartável para ela que não merecia nem ao menos uma explicação, sua opinião não contava e muito menos seus sentimentos.

- Mãe eu disse meia hora - pronunciou impaciente ao escutar passos vindos em sua direção.

- Droga eu sabia que esse vestido me envelheceria - ao não reconhecer a voz rapidamente levantou sua cabeça - Mas também não o suficiente pra ser sua mãe né - a mulher de cabelos azuis intenso, inclinou a cabeça e sorriu divertida. Nick vincou suas sobrancelhas injuriado, pessoas alegres era a última coisa que gostaria de ver naquele momento. Então não respondeu e isso fez a estranha se aproximar à medida que analisava com atenção, a carranca do jovem sentado com posição desleixada, transbordando melancolia enquanto encarnava a mais pura derrota sem nem se preocupar em escondê-la.

- Você não acha que ficar aqui só vai te deprimir ainda mais? - a moça perguntou e mais uma vez não obtendo resposta, suspirou sentando-se ao lado dele - Parece que jogaram você no fundo de um poço e esqueceram de mandar a corda pra subir de volta - o homem revirou os olhos pela insistência da desconhecida em continuar falando com ele.

- Se eu tivesse uma corda agora certamente me enforcaria com ela - disse pela primeira vez com apatia - Aliás, quem é você? Alguma amiga da Julia? - perguntou não achando familiaridade em suas feições.

- Não, graças aos céus - levantou as mãos exageradamente - Não ia nem conseguir olhar para sua cara - ele a encarou sério - Na verdade eu estou com muita pena dos amigos dela, já pensou ter que apagar esse incêndio que ela causou.

- Quem convidou você então? Pelo o que eu sei você não é minha parente - exclamou, já um tanto impaciente.

- Casamentos são tão bonitos que deveriam ser abertos a todos, não acha? - disse simplista - Não é justo que sejam presos a um convite.

- Não? - disse óbvio - Como entrou aqui? - questionou irritado.

- Não foi muito difícil - zombou - Uma cerimônia de casamento não é o tipo de lugar que costuma ser rodeado de seguranças, além do que a casa de Deus é pública - o sorriso presunçoso o causava arrepios e ao mesmo tempo fazia sentir que já o conhecia.

- Você entrou de penetra então - a encarou com olhar julgador.

- Você falando desse jeito parece algo muito ruim.

- É por que é! - ditou mais alto demonstrando toda sua indignação - Você invadiu algo íntimo e privado, que deveria ser celebrado apenas entre as pessoas que eu amo, ou que achava que amava, sei lá - riu amargurado.

- Acho que alguém está precisando desabafar. Vamos eu deixo -caçoou - Eu disponibilizo voluntariamente meus ouvidos para os seus lamentos - ele bufou, não gostava de como tudo dito por ela parecia ter uma enorme dose de deboche.

- Eu nem conheço você - não sabia porque insistia em conversar com aquela estranha invasora, ao invés de ir embora daquele local tenebroso, que Deus o perdoasse por tal adjetivo.

- Garanto que assim é muito melhor e apresenta múltiplos benefícios - piscou - Não irei te julgar - começou a pontuar com os dedos - Ok, talvez só um pouco mas apenas em pensamento. E confesso que minha memória é péssima então provavelmente vou me esquecer de tudo muito rápido, sem contar o melhor deles - fez uma pausa atraindo os olhos castanhos esverdeados e abatidos - Nunca mais nos veremos - ela disse confiante - Então é como lançar suas frustrações ao mar e deixar que as ondas as levem ao desconhecido. Confia em mim, vai se sentir mais leve - ela sorriu e por algum motivo sentiu-se seguro, mas ao mesmo relutante com a ideia de desabafar com uma pessoa que nunca tinha visto antes.

- Não tenho nada pra falar - os ombros subiram e logo desceram esmorecidos - Na verdade eu sou o que mais gostaria de ouvir, escutar explicações mesmo que fossem as mais incoerentes possíveis, só para eu não me sentir tão perdido como agora - abaixou a cabeça sentindo sua garganta tensionar pelo nó.

- Acho que talvez não deva ter caído sua ficha ainda. Isso foi inesperado e são muitas emoções de uma vez só, seu cérebro deve ter entrado em pane.

- O que não faz o menor sentido - gesticulou - Ele é conhecido como o órgão da razão, devia ser responsável por manter as coisas sob controle e deixar a instabilidade para o coração - passou a mão pelos cabelos, que agora se encontravam desgrenhados contribuindo perfeitamente para sua imagem caótica.

- Até o mais são as vezes perde o controle - ele bufou com o tom sereno que sua voz emitia.

- Estou me sentindo totalmente vazio, na verdade cheio, só que de sentimentos ruins - olhou para o vazio - Eu nunca me senti inseguro como estou agora. Sabe quando você questiona tudo relacionado a sua pessoa, como se não nada sobre você valesse a pena - ela o encarou com compaixão - Minha cabeça está um caos, como eu estivesse mergulhando em um lago de interrogações, tentando entender o que eu fiz de errado - sua voz embargou.

- Isso são as consequências de não sermos sinceros com as pessoas sobre o que sentimos- disse com olhar vago - Fazemos o outro se sentir culpado pelos nossos erros, nossa covardia e consequentemente acabam procurando erros que na real só existem em nós mesmos. sofrem com as consequências de estarmos uma completa bagunça - viu sinceridade em suas palavras e estranhamente sentiu-se acolhido.

- Eu acho que que na verdade isso é consequência de querer se meter com o tal do amor, ele te machuca como resposta - sorriu triste

- Hum…Eu acho que agora vou ter que discordar - fez uma careta - Quem machuca são as pessoas dizendo ser em nome dele, mas o amor em seu sentido puro e genuíno é o que mantém parte da sociedade valendo a pena - era estranho para ele olhar nos olhos dela e encontrar tanta esperança, talvez por agora os seus estarem opacos, anunciando á quem o encarasse sua morte e desistência.

- Fala isso até levar um pé na bunda - fez uma cara emburrada.

- Talvez - ela riu - Mas não posso mudar minha opinião sobre algo por causa de uma atitude errada de uma pessoa, ou até de uma minoria - deu de ombros - Generalizar não é algo saudável e muitos menos justo, as pessoas não podem ter tanta influência assim em nossas crenças.

- Mas a questão é, o quão perigoso é decidir se relacionar com outro alguém? - os olhos da moça o encarava com atenção - É carregar uma responsabilidade e um fardo pesado demais - vincou as sobrancelhas com raiva - Sartre já dizia sobre isso, sobre estar condenado a sua condição de ser capaz de tomar decisões e paradoxalmente estar preso a sua liberdade de poder fazer escolhas. E com as cobranças externas e internas do nosso dia - a - dia somada às expectativas alheias e a pressão de sempre fazer a coisa certa, por saber que qualquer escolha equivocada pode impactar negativamente na vida de outras pessoas, é angustiante demais - respirou ofegante, evidenciando estar guardando aquilo há um tempo em seu peito - É uma pressão que não sei vale a pena sentir - sentiu seus olhos opacos lacrimejarem.

- Mas você não acha que viver temendo cometer erros se torna outra condenação. Estar preso ao medo mesmo que seja este o de machucar o outro, também sufoca, também paralisa e sinceramente acredito que só acaba aumentando as chances de você falhar.

- Talvez - estava mesmo no fundo do poço, recebendo conselhos sensatos de uma estranha invasora de casamentos, era a prova de sua ruína.

- Eu nunca me relacionei, mas acho que o segredo, se é que existe uma fórmula certa para tudo que envolva sentimentos, é sempre ser sincero e transparente com o que está sentindo e pensando, só assim vai conseguir transmitir segurança para quem ama e assim juntos vão descobrir uma forma de lidar com todos os traumas e os conflitos existenciais.

- Na teoria parece fácil, mas na prática as nossas inseguranças falam muito mais alto e acabam tomando conta das nossas ações. O medo do que sentimos e de parecermos frágeis ao compartilharmos eles, faz com que fechemos a sete chaves nossos corações, que mantenhamos em cárcere nossos pensamentos, bloqueando qualquer tentativa de entrada. Criamos uma barreira de emoções reprimidas e que com o tempo não só nos autodestroem, mas também machuca quem está ao nosso redor - o homem escutando o silêncio como resposta, começou a refletir, divagando sobre diferentes possíveis cenários de seu futuro, do que ele poderia ter se tornado. Sua cabeça fazendo uma retrospectiva de seu relacionamento, do que poderia ter dado errado, quando mais especificamente. Imaginou-se ao lado dela, construindo uma família e envelhecendo juntos, até chegar ao seguinte questionamento:

- Eu fico pensando - a mulher que se manteve o tempo todo em silêncio respeitando o espaço do recém abandonado, agora dedicava sua total atenção à ele - Será que ela não conseguiria pelo menos fingir? - o sorriso acompanhado de lágrimas sofridas, fizeram o coração da mulher apertar.

- Será que valeria a pena? - lançou lhe um olhar empático - Viver um amor superficial só para fugir da dor, me parece apenas adiar o inevitável.

- Eu sou patético não é - limpou os olhos rapidamente.

- Bom, eu disse que não te julgaria - seus lábios curvaram em um meio sorriso.

- Seus pensamentos devem estar me massacrando então - os dois riram

- Ela foi o seu primeiro amor? - se aproximou ainda mais, ao sentir que ele havia baixado a guarda.

- Na vida adulta, sim - ela estranhou - Talvez você vá me achar um idiota - suspirou - Mas na minha adolescência eu me apaixonei por uma menina que conheci em uma viagem de família. Ela tinha o sorriso mais atraente e encantador que eu conheci até hoje - seus olhos brilharam.

- Onde a conheceu? - achou adorável o entusiasmo que ele demonstrou ao relembrar uma memória afetiva.

- Meus pais tinham a tradição de ir para a praia todo final de ano. E em uma dessas idas eu acabei me perdendo e ela me ajudou a encontrar o hotel que eu estava hospedado, e ainda me deu um poema pra que eu me sentisse melhor, guardo ele até hoje - sentiu seu coração se aquecer pelas lembranças nostálgicas - Mas como nunca mais a vi, acho que não conta muito como uma paixão válida - a mulher o encarava como se algo dito por ele lhe parecesse familiar - Então sim, ela foi - seu rosto nublou-se - Mas quando nos apaixonamos ela era muito diferente, talvez o erro foi meu por ter permanecido o mesmo.

- Olha eu te garanto uma coisa, não tem nada pior do que olhar para o espelho e não reconhecer o que é refletido, se sinta abençoado por não ter se perdido no meio do caminho.

Então ela se levantou e se pôs em sua frente, andando dramaticamente enquanto encarava o teto com arquitetura renascentista.

“ A vida é imprevisível e as pessoas confusas, fogem quando se sentem expostas e acuadas, então não se doe ao ponto de quando ficar em elas, perceber que está vazio de si mesmo” - recitou os versos como se em sua cabeça as palavras estivessem tomando forma, como se ali estivessem contando uma história.

- Qual autor escreveu isso? - ele perguntou admirado, sentindo-se estranhamente conectado à ela, talvez por ser um amante da poesia, deduziu.

- Autor desconhecido - ela sorriu de forma sapeca - Ele também diz “ Não se culpe pelo negligência sentimental alheia, não permita que outras pessoas mudem o que carrega dentro de si, amores são passageiros nossa essência é eterna” Por que é isso, se você respeitar a si mesmo e se mantiver fiel a sua essência, sempre terá alguém e nunca se sentirá vazio - aproximou seu rosto ao dele, que com o ato sentiu sua alma sendo totalmente exposta e analisada meticulosamente pelos olhos verdes e misteriosos que pareciam ter tanto a decifrar.

- Então o segredo é ser auto suficiente e nunca mais me relacionar com ninguém - se afastou

- Não é bem assim - estreitou os olhos - Sabe talvez esse seja o seu problema, ser extremo demais em relação a tudo, as coisas não precisam ser 8 ou 8, pode haver um meio termo “ Confie na sua força e capacidade em ser resiliente, ame a si mesmo e aprecie a sua presença, nascemos sozinhos e assim morreremos mas não desista de procurar por alguém que irá te acompanhar até o fim da sua vida”.

- Deixa eu adivinhar, o tal autor desconhecido - esbarrou em seu ombro, pela primeira vez parecendo mais descontraído

- O próprio - ela sorriu novamente e ele se perguntou por que algo naquele sorriso lhe parecia tão familiar e irritantemente interessante.

- E eu devo dar ouvidos a você, sendo que aparentemente suas únicas experiências com o amor e rejeição são baseadas em versos de desconhecidos - provocou

- Eu disse que nunca me relacionei não que nunca fui rejeitada - se defendeu

- E como se é rejeitado sem estar num relacionamento - cruzou os braços a refutando

- Ninguém nunca se apaixonou ou demonstrou interesse por mim, isso fere tanto quanto ser abandonado por alguém, então não é preciso estar em um relacionamento para sofrer com isso - agora foi a vez dele sentir seu coração apertar por ela - Tudo bem que no seu caso foi mais caro e humilhante a experiência - ele abriu os lábios indignado - Mas te fez questionar suas qualidades e valor na mesma medida. Você amou e foi rejeitado, eu nunca amei mas também me sinto assim, talvez só seja a sina do ser humano, se sentir desconexo e não pertencente - a melancolia misturada com compreensão encontrada no tom da mulher o deixavam confuso, como parecia que nada a abalava, por que tudo no final era transformado em uma filosofia de vida.

- E aí você invade casamentos para se sentir preenchida emocionalmente? - tentou resgatar o clima descontraído de antes.

- Que ofensivo - colocou a mão sobre o peito demonstrando uma falsa chateação - Eu entrei aqui por acaso - desviou o olhar.

- Não acredito em acaso.

- Não é porque não acredita que deixa de ser real - se levantou - Mas acho que também não acredito - olhou para o loiro pela última vez - Mas se tem uma coisa que acredito e garanto a você, é que não existe dor insuperável, não se esqueça - sorriu e foi em direção a saída deixando-o pensativo.

- Eu já ouvi isso em algum lugar - franziu as sobrancelhas. Sentindo-se com o coração mais leve e ao mesmo tempo confuso por uma conversa com uma estranha ter sido responsável por isso.

Passaram-se 3 meses desde o dia mais desesperador e confuso de sua vida, ser abandonado no altar e logo depois desabafar sobre os seus sentimentos e ter conversas profundas sobre a vida e o amor, com uma estranha que estranhamente havia gostado de conversar, não parecia nada convencional.

Sua rotina havia sofrido algumas mudanças, uma delas era seu encontro semanal com sua terapeuta, que o ajudava a lidar com sua mente caótica e um tanto nebulosa. Por ser relativamente perto de sua casa optava por ir caminhando, sentia que essa prática ajudava a colocar sua mente no lugar, além dos benefícios à sua saúde.

Naquela tarde ensolarada voltando de mais uma consulta, avistou o banco de madeira que se localizava próximo a banca e sentindo-se cansado resolveu se sentar e assim curtir de sua própria companhia, algo que estava se tornando frequente e mesmo sendo desconfortável de início por estar fora de sua zona de conforto, agora finalmente parecia estar gostando. Sem pressa de voltar para sua casa solitária e repleta de fantasmas conhecido por lembranças, decide comprar um jornal e assim distrair sua mente tempestuosa que contrastava perfeitamente com o céu aberto em tons de azul bebê. Foi direito para sua seção favorita de poemas amadores ou de autores pouco conhecidos, que tinham ali uma oportunidade de divulgarem seus trabalhos. Os melhores textos eram escolhidos e expostos junto a uma foto de seu criador.

- Espera aí! - olhou mais atentamente para o jornal - É a penetra de casamentos - disse mais animado do que conseguia entender. Os cabelos de cor vibrante inconfundíveis e o sorriso atrevido nunca o deixariam esquecer dela. Ao lado de sua foto os versos que ela havia lhe recitado. Quando não poderia estar mais confuso, escuta o sino da igreja tocar e então percebe pela movimentação que logo ali haveria uma cerimônia. Sua calmaria diante de uma situação que o colocava de frente com seus traumas era creditada à suas consultas semanais e sua busca diária pelo seu autocontrole e cura interior, essa que havia sido diretamente impulsionada pelos conselhos da estranha e sorrateira jovem de olhos expressivos cor de oliva.

Via as pessoas animadas com suas roupas elegantes e sorrisos entusiasmados para entrar no local que parecia estar bem enfeitado. Mas uma pessoa parada à porta da igreja chamou sua atenção, pensou estar maluco ou vendo coisas, então se levantou e andou em passos apressados até o local para saber se seus aparentes devaneios tinham algum fundamento.

- Você - aponta o dedo chamando atenção da mulher - Você é algum tipo de maluca, maníaca por invadir casamentos?.

- Olá - ela sorriu surpresa - Bom rever você, e vivo! - enfatizou animadamente.

- Você é o autor desconhecido - foi direto ao ponto.

- Por que acha isso ? - o mesmo sorriso atrevido apareceu em seus lábios mais uma vez

- Aqui só saem textos que nunca foram publicados anteriormente - mostra o jornal para a mulher - Você recitou os mesmos versos três meses atrás, e a não ser que tenha como prever o futuro não teria como saber. E sua foto aqui estampada teve uma importante participação na minha descoberta.

- Muito perspicaz - sorriu com sarcasmo

- Por que mentiu? - olhou para o jornal procurando pelo seu nome - Senhorita Esmeralda - nome esse que lhe caia perfeitamente, disse a si mesmo.

- Bom tecnicamente eu não menti, nós nunca tínhamos nos visto anteriormente então não deixava de ser desconhecido para você - ficava surpreso como Esmeralda tinha uma resposta para tudo e o irritava profundamente como todas elas faziam sentido. Alguém como ela nunca se sentiria encurralada - E se soubesse que eu era a autora com certeza não daria credibilidade.

- Então você realmente invade casamentos - cruzou os braços, com seus lábios arqueando-se em um sorriso zombeteiro.

- Claro que não - arrebitou o nariz com as mãos na cintura - Como eu já disse, invadir é um termo muito ofensivo - ele levantou uma sobrancelha não a levando a sério - Eu gosto de pensar que como a maior apreciadora do amor me sinto convidada a fazer parte de sua celebração - ele balançou a cabeça negativamente, rindo genuinamente por achar tudo aquilo uma loucura.

- E não é uma invasão se a maioria deles eu peço permissão.

- E as pessoas costumam autorizar? Como - indagou

- Digamos que eu tenha uma ótima cara de pau e um bom poder de persuasão. Confesso que nem todos levam numa boa, outros estranham mas quando entendem o propósito acabam cedendo, e em algumas situações, deixando claro que é a minoria, eu entro sorrateiramente.

- Por que faz isso? - a encarou atento.

- Tem algo mais inspirador para um poeta do que casamentos? Pessoas fazendo juras de amor eterno, outras sendo abandonadas à própria solidão, de qualquer forma é poético não é? - disse com fascínio.

- Então você lucra a custo dos sentimentos alheios? - tentou irritá-la.

- Não! - respondeu rápido com uma carranca - Eu apenas registro o mais genuíno que o ser humano pode produzir, os sentimentos. Sejam eles bons ou ruins, são sinceros e nada mais combina com a arte do que a sinceridade. E por que quando eu escrevo é como se conseguisse enxergar uma mesma situação por diferentes ângulos. Geralmente quando vemos por uma perspectiva diferente, por mais difícil e dolorosa que seja uma situação, sempre aprendemos algo novo - ali estava ela mais uma vez com suas profundas reflexões sobre a vida, certamente sua terapia estava em dia.

- Há quanto tempo faz isso?

- Dois anos! - ele abriu a boca surpreso - Eu estava deprimida em casa me sentindo sozinha e com minha autoestima extremamente baixa. Sendo afrontada por meus pensamentos acusadores que diziam que não era merecedora do amor - disse dramaticamente - No dia seguinte teria um casamento de uma prima para ir, e até tinha pensado em desistir, mas resolvi ir e enfrentar meus demônios. E quando cheguei lá me senti tão inspirada, renovada. Percebi que o problema era onde eu estava colocando meu coração, então resolvi parar de focar em mim e focar no sentimento em si, assim toda vez que me sinto bloqueada emocionalmente eu vou á casamentos. Mas eu realmente vou só para isso, fico em um cantinho tentando não chamar atenção, escrevo e vou embora.

- Como que nunca ninguém se interessou por você antes, poetas não são imãs para paixões?

- Inalcançáveis? Sem dúvidas! A maioria dos grandes escritores sofriam por amores idealizados e unilaterais, então não somos o melhor exemplo para falar sobre amor na prática - coçou sua nuca envergonhada.

- Na prática tudo é mais difícil

“ Facilmente falamos, prometemos.

tão somente esquecemos que por em prática

requer mais do que palavras, então nos entristecemos.

A dor vem como consequência, nos desafia em dura frequência. Até lembrarmos da efemeridade das coisas e que então assim, dores insuperáveis nunca haverão” - declamou o poema com ternura, como se estivesse lendo pela primeira vez.

- O que disse - ela paralisou com os olhos arregalados.

- Esse é o poema que minha primeira paixonite me deu - sorriu timidamente - Eu posso esquecer de muitas coisas, mas desde aquele dia traumático eu faço questão de manter vívido em minha mente, é como se me desse gás pra seguir em frente - ela o encarava com a boca entreaberta - O que ? Acha que só você pode ter um bom repertório lírico.

- Esse poema é meu - disse firme - Eu escrevi ele deitada na areia de frente à lua cheia - aquilo tinha sido estranhamente específico demais.

- O que? - se segurou para não gaguejar - mas..não é possível, isso é loucura! - tropeçou em suas palavras. não era a melhor pessoa para lidar com coisas inesperadas.

- Quando você contou sobre a garota que tinha conhecido eu fiquei surpresa por termos uma história parecida, mas eu achei que só era mais uma coincidência, muitas pessoas fazem amizade com estranhos na praia e depois nunca mais se encontram - disse um tanto eufórica.

- Então, você...você é a garota da praia - seu tom de voz suave, como se estivesse embalando o sono de um bebê - Você é o meu primeiro amor - não sabia o porquê, mas seu coração havia gostado, as batidas aceleradas mostravam isso - Por isso que você me passava a impressão de eu já ter a conhecido. O seu sorriso continua gentil, hipnotizante - se aproximou observando cuidadosamente cada detalhe de seu rosto.

- Eu estou muito confusa - pela primeira vez parecia desconcertada, os olhos antes provocadores agora se encontravam perdidos.

- Eu também! - olhou para o chão antes de encarar as orbes tão verdes como folhas de primavera - Parece que você não estava brincando quando disse que a vida é imprevisível.

- Mas parece que até mesmo aquilo que é imprevisível, tem uma hora certa para acontecer…- sua voz saindo como um sussurro.

- Autora agora não mais desconhecida…