O CÂNTICO DAS CRIATURAS.

Antonino olhou pra trás.

-"Adeus, Perugia. Cidade maledeta e ingrata." Chutou uma pedra com força.

A pedra caiu no rio Tibre. O jovem tinha fugido de casa, revoltado com sua vida pobre, sem aventuras.

-"Melhor ir pra Borgonha, Dijon, os franceses sabem viver. Aqui trabalhamos como animais."

Três jovens vieram ao seu encontro.

-"Vai pra onde, infeliz? Não sabes que tens que cuidar de seu pai enfermo e três irmãozinhos?"

Antonino riu.

-"Já não são meus. Deixei tudo. Cuidem deles, se quiser, Luis."

Ele seguiu.

-"Precisa de Deus, Antonino. Vai ter com os franciscanos, em Assis."

Gritou Luis, amigo de infância de Antonino.

-"Perda de tempo. Não creio neles. Pobres farrapos como nós."

Luis ficou triste.

-"Como o filho pródigo, ele vai voltar."

Ano de 1224.

Antonino estava cansado de andar.

-"Não posso voltar. Tenho que seguir em frente.. . maldito sol ardente, a noite escura e sinistra, o vento, os bichos que dão medo. Melhor a morte que viver essa vida miserável."

Uma gruta lhe garantiu descanso na terceira noite fora de casa.

Extenuado, adormeceu. O dia amanheceu. Antonino comeu alguns frutos verdes. Seguiu o curso de um riacho.

-"Quem é aquele alí?"

Sobre um monte, ele viu um rapaz jovem, com hábito de monge. O rapaz começou a enrolar:

- "Altíssimo, onipotente, bom senhor. Teus são os louvores, a glória e a honra e todas as bençãos.

A Ti somente, Altíssimo, elas se ajustam, e nenhum homem seria digno de te nomear. Louvado seja, meu senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o irmão sol.

O qual brilha, e alumia pra elas.

E ele é belo e radiante com grande esplendor, de ti, Altíssimo, deriva a sua significação. Louvado seja, meu senhor, pela irmã lua e as estrelas, no céu as

formaste claras e preciosas e belas.

Louvado seja, meu senhor, pelo irmão vento, e pelo ar e nuvens e sereno e todos os tempos, com os quais sustentas as tuas criaturas.

Louvado seja, meu senhor, pela irmã água, a qual é muito útil, e humilde e preciosa e casta.

Louvado seja, meu senhor, pelo irmão fogo, com o qual iluminas a noite,

e ele é belo e jucundo e robusto e forte. Louvado seja, meu senhor,

pela irmã nossa mãe terra, a qual nós sustenta e governa e produz

frutos diversos, com flores coloridas e ervas. Louvado seja, meu senhor,

pelos que perdoam, pelo teu amor, e sofrem enfermidades e tribulações,

bem aventurados os que vivem em paz, que por Ti, altíssimo,

serão coroados.

Louvado seja, meu senhor, pela irmã nossa morte corporal, da qual nenhum homem vivente pode escapar.

Ai daqueles que morreram em pecados mortais, bem aventurados os que atenderem a tua santíssima vontade,

que a segunda morte não lhes fará mal. Louvai e abençoai o meu senhor, rendendo-lhe graças e servindo-o com grande humildade."

Antonino estava imóvel, sem reação.

Por um instante, viu dois anjos ao lado do monge.

-"Olá, amigo. Precisa de alguma coisa?" Antonino não respondeu.

Caminhou até o monte, onde agora só via o monge.

"Eu? Eu preciso segui-lo, apenas."

O monge o abraçou.

-"Vamos até Assis."

Antonino e o monge tomaram o caminho de Assis.

Ele notou os estigmas nas mãos do monge.

-"Após ouvir seu cântico, quero me tornar franciscano e cuidar dos doentes de Perugia." Disse Antonino,

com o coração cheio de fé e ardor.

-"Ouvistes o cântico das criaturas, filho. Ainda não o escrevi."

Antonino foi recebido com alegria,

na ordem franciscana.

-"Esteve com Francisco?

É mesmo verdade que ouviu o servo de Cristo entoando o canto das criaturas?"

Os demais irmãos da ordem diziam ser um privilégio o que Antonino

tinha presenciado.

-"Havia anjos com ele no monte."

Ele, dias depois, voltou pra casa,

como monge franciscano, pra surpresa de seu pai e de seus amigos.

Luis também quis seguir o exemplo de Antonino e se tornou franciscano.

Antonino e Luis voltaram a Assis,

dois anos depois,

ao saberem da morte de São Francisco.

FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 30/01/2023
Reeditado em 04/10/2024
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