Café Souffrance
Magali é uma mulher estranha. Ela trabalha no café Souffrance. Ela tem vinte e nove anos. Eu tenho vinte e nove anos, mas na época tínhamos vinte e três.
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Na primeira vez em que entrei no café Souffrance, comecei a lacrimejar terrivelmente. Uma vareta preta em brasa, próxima ao balcão, exalava alguma espécie de toxina irritante, um tipo específico e destrutivo de fumaça malcheirosa.
Cinco mesas no total, uma em cada canto e a quinta no centro, um tapete empoeirado na entrada e pessoas andando de um lado para o outro. Em meio a bagunça: Magali, que na ocasião espanava. Depois de seis minutos, um atendimento razoável. Pedi apenas um café. Nos dias seguintes, voltamos a nos encontrar.
Foi um mês de encontros contínuos no café Souffrance. Começamos a conversar no décimo terceiro dia; o primeiro encontro formal, isto é, longe das nuvens tóxicas, irritantes e gordurosas, foi no vigésimo quarto. Depois desses trinta e um dias, ela foi demitida. A gerência argumentou que não se poderia dar muita atenção aos clientes, não atenções de uma hora. Pois bem, as atenções de uma hora lhe renderam uma demissão, então deveriam me render algo também, algum tipo de sacrifício.
Convidei Magali para morar comigo. Seu aluguel estaria vencido em poucos dias, e certamente não arrumaria trabalho em tão curto período. Ela aceitou, mas nunca deixei de notar medo em seu olhar.
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Magali possuía crenças peculiares. Ela acreditava que, de algum modo, o próprio universo a perseguia como um demônio, acreditava que estava ali para impedir a sua felicidade. Aos poucos, lhe apresentei meu método cético para analisar e compreender, mas fracassei; Magali não parecia convencível, era incapaz de abandonar o abismo em que havia se lançado. Entristeci genuinamente; chorei por ela, e chorei por mim.
Após um mês, Magali ainda buscava trabalho, talvez como garçonete, porém em outro estabelecimento; era o que a sua formação defeituosa e adolescência difícil lhe permitiam adquirir. Tentei consolá-la, falei de sua incrível inteligência e beleza, e do quanto esse mundo a desvalorizava. De fato, Magali era, e ainda é, uma mulher belíssima e inteligente, busquei toda a sinceridade do meu ser para pronunciar tais palavras naquela ocasião, pois sabia que os princípios das vidas sempre são difíceis.
Infelizmente, não demorou para que uma nova surpresa puxasse o seu tapete: uma visita ao hospital, a uma senhora que já definhava, sendo consumida por uma doença infame e ardilosa. Faleceu em poucos dias após a visita. E, assim, com a morte da mãe, Magali também abandonou as possibilidades de emprego, pois se trancafiou por três dias num quarto escuro e pouco ventilado. Mal se alimentava.
Como se não bastasse o sofrimento contínuo e natural de uma perda como essa, Magali sentia culpa, sentia que era a responsável por todos os pecados da humanidade, por todas as tragédias, por todo flagelo destruidor, sentia-se má, sentia-se odiável. Argumentei que toda culpa não passava de ficção, que todos os eventos já haviam sido definidos, que não se poderia mover um único fio de cabelo sem que fosse estritamente necessário. No entanto, piorei o seu estado, a coloquei em um dilema atroz: se há liberdade, sou responsável por meus atos e, quiçá, pelos atos de toda a humanidade; se não há liberdade, sou prisioneiro de um ciclo bizarro em que nada pode ser alterado; onde, se há sofrimento, não me configuro como ser autônomo capaz de eliminá-lo.
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Finalmente nos casamos, dois anos após os encontros no café Souffrance, Magali sentia-se melhor, sentia-se uma mulher produtiva e, portanto, alegre. Sempre tive prazer em lhe dizer: “Sua alegria é a minha alegria”, porque era a verdade, e sempre tive prazer em declarar a verdade.
Sendo assim, decidimos viajar, seria a primeira vez desde que nos conhecemos. Arrumamos as malas e partimos. Uma hora e meia de carro, um pouco de chuva, mas logo um sol que retornava esplandecente; estradas de diferentes tipos, boas e ruins, até que alcançamos o destino.
Foi uma boa viagem, Magali continuava alegre e fazia planos para o futuro, significava que tinha vontade de viver, que dava valor a nossa união. Chegou a falar em filhos, então tive que detê-la nesse ponto.
Meu desejo era não entristecê-la, não tocar em suas feridas, mas senti-me obrigado a argumentar. Filhos? Ter filhos significa dar origem a uma vida, gerar um ser, iniciar uma consciência; eu realmente poderia fazer isso? Quando paramos para pensar, para analisar minuciosamente, observamos que ter filhos é algo estranho, algo que não seria permitido a todos, em sua livre e espontânea vontade, caso realmente nos detivéssemos em julgar a questão. Digo isso, pois ter filhos soa-me como condenar seres a um sofrimento terrível e prolongado, ou submetê-los a uma dúvida corrosiva. E essa é a questão, somente um ódio profundo deveria atuar como força motriz para a paternidade. Somente um obstinado sentimento de fúria deveria ser capaz de mover alguém nessa direção, pois o pior estado para uma substância é o estado de vida, sobretudo quando falamos de vida humana, de perspectiva humana.
Magali não tocou mais no assunto, então continuamos aproveitando a experiência.
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Ah, os demônios de Magali. Como eu disse, ela os via, assistia-os frequentemente. Convidei-a a buscar auxílio profissional, a instruir-se sobre tão singular condição. Magali recusava-se; estava certa de que o problema não se encontrava neste plano mundano. Estaria em outra dimensão? Metafisica não era o seu forte, mas confiava que a própria estrutura da realidade estava contra ela.
Sua vida é assim, composta por altos e baixos. Os baixos são terrivelmente desagradáveis, e os altos estupidamente prazerosos.
Decidi aliviá-la com um presente. Busquei um belo vaso e lírios frescos. Disse-me que se apaixonou pela segunda vez ao vê-los. Isso deve significar que gostou.
Talvez tenha gostado de fato, mas não a ajudou efetivamente. Continuei insistindo no auxílio profissional.
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Sentíamos como se aquela densa nuvem retornasse de seu covil, carregando consigo uma escuridão amedrontadora. Era realmente curioso, considerando que compartilhávamos a mesma sensação. E, como previsto, não demorou até que Magali e, devo confessar, eu também, começássemos a ter novos problemas. Uma espécie de incômodo inexplicável, irritações sem justificativa, desentendimentos frequentes, etc.
Certa vez, próximo às dezessete horas, Magali e eu começamos a discutir. Certamente por conta de alguma trivialidade. De qualquer modo, seu grau de indignação foi tamanho que me ofendeu da pior maneira que pôde: desintegrou o amoroso presente na minha cabeça, sim, o pegou firmemente e o arremessou contra mim. No momento, senti apenas uma leve tontura, seguida do som da porta batendo. Magali havia partido.
Não desmaiei, mas logo tive um sono nunca experimentado. Cerca de quinze minutos após o incidente, adormeci. Dormi um sono de sonhos, recheado de desejos e revelações.
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Pude ver um segundo eu, ajoelhado perante um altar, adestrado e esperando, como se alguém viesse buscá-lo. Faltou apenas a coleira, para se assemelhar perfeitamente a um cão, aguardando a decisão de seu dono.
Não suportei a visão, então decidi socorrê-lo. Com uma aproximação lenta e delicada. Toquei o seu ombro (ou o meu ombro?), fazendo com que se virasse abruptamente, num susto. Encarou-me e fugiu, sem pronunciar uma única palavra.
Fiquei em seu lugar, curioso com o destino. De fato, aguardava para que alguém viesse lhe buscar, estava esperando um presente, alguma espécie de agrado. Esse alguém era um homem estranho, levemente intimidador, carregando o mundo nas mãos. Sequer olhou antes de começar a falar:
— Trouxe mais uma daquelas que você adora. Mais uma dose de perspectiva humana.
Perspectiva humana? Ah, sim; a experiência pura.
— Mas, ora – continuou – para onde foi toda aquela submissão? Já cansou dos presentes? Bom, não se preocupe, esta nova fórmula garantirá que seja tão humano quanto possa imaginar. Sim, o mais humano entre os humanos.
Quero eu ser o mais humano entre os humanos? Magali era humana, e eu fui humano ao seu lado, compartilhando as mesmas experiências dessa realidade selvagem.
Aproveitei o ensejo para lhe oferecer outra perspectiva, de uma natureza distinta.
— Não quero – respondi. Tenho outros objetivos, portanto quero outro modelo.
— Quer outro modelo? Pois bem, sinto em lhe dizer, mas não será possível; jamais deixará de ser quem é.
Seria necessário um esforço maior, teria que obrigá-lo a engolir minhas ideias. Foi exatamente o que senti, como se empurrasse algo diretamente para dentro de sua garganta, com uma força que não pude reconhecer.
E, o derrotando, aquele universo ruiu. O chão partiu-se e o céu colapsou.
[...]
O que o sonho representa? O que esse sonho representou? Tais intempéries o provocaram, com certeza. Hoje, sinto como se fosse fruto da mais insólita vontade: uma vontade de não ser humano.
Enfim, Magali não retornou, mas recentemente descobri que foi readmitida no café Souffrance. Irônico?
De fato, nossa miséria é nossa estaticidade, nossa aceitação.