O Filho de Emília

Emília sempre se sentiu atraída pela ideia de ter filhos. Ela nunca entendeu muito bem a razão disso, já que todas as pessoas ao seu redor não queriam e apontavam ótimos motivos para tal. Será que ela era mais suscetível a instintos primitivos e selvagens como o da procriação para a perpetuação da espécie?

 

Quando mais velha, ela descobriu que não. Apesar de gostar muito da ideia de ter uma criança, não gostava nem um pouco do processo tradicional para alcançar tal objetivo. Todas as poucas vezes que tentou namorar alguém foram desconfortáveis e logo a mulher tratou de terminar. Até que, enfim, desistiu de tentar. Afinal, ela não precisava de um relacionamento para ter seu bebê.

 

Por mais que as mães solteiras sofressem certo preconceito da sociedade, Emília não tinha porque se prender a alguém só para ter um filho. Depois o relacionamento poderia desandar e ela precisaria, além de aturar uma pessoa com quem nem queria ficar, dividir seu pequeno com ela. A mulher poderia facilmente realizar uma inseminação artificial, ou adotar. Nenhuma convenção ridícula a impediria de conquistar seu sonho ou a uniria forçadamente com ninguém.

 

Infelizmente, o processo adotivo praticamente exigia um casamento. A burocracia era necessária para garantir as melhores condições possíveis para a criança, mas esse detalhe era muito exagerado, na opinião dela. Emília até cogitou desistir, mas precisava pelo menos tentar. O não ela já tinha, certo? O pior que poderia acontecer era conseguir.

 

Entretanto, essa não foi a resposta que ouviu de seus parentes. Nenhum deles parecia achar que seria fácil, ou mesmo executável, a adoção por solteiros. Mesmo sabendo das dificuldades, essa era a opção que mais a agradava e não teve coragem de riscar da lista. Com o apoio dos outros ou vários “conselhos” sobre o quão melhor seria a inseminação, ela tentaria entrar na fila de adoção de igual maneira.

 

Para sua surpresa, aquela história de prioridade para casais parecia ser apenas senso comum. Legalmente, não havia mais essa preferência e os solteiros possuíam o mesmo direito que os outros. Ela só esperava que fosse mais do que palavras, visto o péssimo histórico de desrespeito aos direitos iguais que parecia haver naquele lugar.

 

A verdade é que ela jamais saberia a resposta. Foi mais de um ano de espera, porém, felizmente, menos de dois. Será que a espera seria menor caso fosse casada? Impossível saber. A única coisa que importava era a presença de seu maravilhoso filho Moacir, o qual trouxe muita alegria a ela.

 

Ele tinha quatro anos e Emília logo disse ser uma gracinha. Afinal, era o que a boa educação exigia. Entretanto, algo que em princípio era meramente burocrático virou algo muito forte quando encarou a criança. Seus olhos ficaram vidrados e tudo o mais parecia borrado, era como se só tivessem eles dois no recinto. Ela sentiu seu coração bater mais forte e uma conexão muito poderosa estabelecer-se.

 

Percebeu que o menino também parecia ter se afeiçoado a ela assim, à primeira vista. Sem pedir permissão ao responsável do abrigo, que também não fez esforço para se opor, pegou a criança em seus braços e deu-lhe um longo abraço. Nesse período sentiu cada pedacinho dela de uma forma tão familiar que ela chegou a ficar assustada. A mulher estava em êxtase.

 

O evento era tão grandioso a ponto de querer comemorar com uma viagem maravilhosa. Sem pensar duas vezes, perguntou que lugar o menino sempre sonhou em conhecer. Ele respondeu imediatamente, contando o quão encantado ficava com Tibete.

 

Havia uma burocracia enorme para conseguir visitar lá devido à sua política instável e a mãe estava um pouco hesitante quanto a levar seu filho, porém não tiveram muita escolha já que ele estava admirado pelo lugar. Todavia, não foi a política instável tibetana que trouxe a má sorte para perto desses desafortunados.

 

Moacir a deixou naquela viagem, o garoto não era tão forte quanto parecia.

 

O lugar e suas famosas montanhas, que tanto o atraíram, foram seus assassinos. Ele começou a demonstrar sintomas aos 3 mil metros, mas eram leves e com toda a sua energia ele ia mais adiante. Aos 5 mil, ele já estava em estágio muito avançado da doença da montanha. Edema cerebral da grande altitude, esse era o nome da doença a qual deixou seu filho em coma, a doença que jamais esqueceria o nome.

 

Emília procurou uma cura para o menino e, como era uma ocorrência razoavelmente comum, não teve tanta dificuldade. Mesmo assim, ele não parecia dar sinais de melhora e ela estava desesperada. Por fim, conseguiu encontrar um amuleto que lhe foi garantido ser mágico, junto com um livro ensinando a usá-lo. O homem do qual o comprou disse que poderia curar o rapaz com sua magia, porém seria o último recurso.

 

No final, seu uso nem foi necessário, pois Moacir começou a dar sinais de melhora. A mãe já estava voltando a abrir o sorriso e aproveitar pelo menos um pouco da viagem, quando o pequeno resolveu que queria piorar novamente.

 

Ao ver-se desperto em um lugar desconhecido, a criança saiu em disparada para explorar o local e sua bela arquitetura clássica. Foi o suficiente para que seu estado se agravasse e, misturado ao frio extremo, visto que ele não estava vestido adequadamente, não resistisse.

 

Emília jamais perdoaria a negligência que a levou a perder o querido filho. Com um olhar de socorro, ela pegou o manual de instrução do amuleto e quase infartou ao ver que estava todo codificado. Ela viu a última chance de resgatar seu querido partir.

 

Não havia tempo para decifrar códigos supostamente milenares, precisava agir rápido. A mulher, com um pouco de medo do que poderia acontecer, pegou o amuleto e colocou no pescoço, torcendo para que algo acontecesse e não tivesse caído em uma busca vazia. Um pequeno ser voador apareceu e ela recuou assustada:

 

— Olá, eu sou o espírito do amuleto encantado. Quem é você? — perguntou toda animada a criatura.

 

— Deve ser de você que me falaram, os poderes de cura para meu filho… — Ela disse completamente incrédula com aquela aparição fantástica.

 

— O seu filho? Mas o que aconteceu afinal? — O ser já mudou sua expressão de alegria.

 

Feitas as explicações, Emília ficou muito contente por haver um espírito no amuleto. Desse modo, não precisou decifrar nenhum código feito em uma língua morta. Rapidamente entendeu mais ou menos como funcionava para fazer um feitiço e tentou realizar a ressurreição do Moacir. O problema seria: a que custo?

 

Foram alguns minutos de muito esforço, testemunhas disseram que ela ficou desmaiada por um minuto inteiro. Mas finalmente, ao fim da tormenta, o menino estava ali com eles. Exatamente o mesmo de antes, mas dessa vez muito melhor agasalhado e curado. Era como se nunca tivesse sumido. A mãe ficou emocionada e abraçou seu filho com força, lágrimas escaparam.

 

Mesmo com a bonança da magia do amuleto, sua família não teve sossego. A peça era defeituosa e sua falha sugava a força vital de seu portador. Seriam isso os escritos do livro? Emília nunca mais usou-a, porém, essa única vez foi para algo tão grandioso que foi capaz de matá-la do mesmo modo.

 

Uma viagem inofensiva, com tudo para ser feliz, mas que teve um fim terrível. Nunca pensamos que aconteceria conosco, não é? Talvez porque iríamos enlouquecer e possivelmente até nos matássemos para evitar que sucedesse algo assim. Tantos perigos que rodeiam a nós e aqueles que amamos… em questão de segundos, podemos perder tudo.

 

Esta é a infeliz história de Emília e Moacir, quem sabe a magia tenha animado mais um pouco a vivência deles. Ou talvez só tenha piorado tudo.