Um Sonho A Mais
A década de 1950 terminava e em poucas horas se iniciaria do ano de de 1961.
Pela cidade todos festejavam nas casas ou nos clubes o tradicional baile de Reveillon.
Vítor estava em casa. Tinha acabado de colocar seus filhos pra dormir.
Sua fisionomia era de cansaço e desalento.
Sua esposa havia saído do hospital há dois dias depois de quase quatro meses de internação. Estava em estado vegetativo após coma em decorrência de eclâmpsia pós parto.
Ela tinha apenas trinta e quatro anos e ele trinta e nove. Pensava que não mereciam aquela situação. Sabia que sua vida daqui pra frente não seria fácil. Os médicos alertaram que ela podia viver algumas semanas, meses ou até anos.
Era um próspero empresário, mas não era um milionário e estava tendo muitos gastos desde que a esposa foi internada.
Tinha quatro filhos. O mais velho de doze anos e o mais novo, o bebê de quatro meses.
A esposa ali naquela cama sem nenhuma reação dependia de cuidados especiais. Precisaria de enfermeira vinte e quatro horas por dia. Ele olhava para ela e chorava de tristeza de ver a mulher que tanto amava daquela maneira.
Nesta véspera de Ano Novo estava sozinho pra cuidar dela e sabia que nem iria dormir direito.
Ele nunca tinha passado um Reveillon tão triste. Se preparava para tempos difíceis.
Do outro lado da cidade, Idalina se preparava para o baile. Estava entusiasmada como nunca. Sabia que o próximo ano lhe traria novas responsabilidades, mas estava feliz pois com apenas trinta e dois anos ela assumiria o cargo de diretora da escola onde trabalhava, uma escola de ensino primário. Sabia que não seria fácil e enfrentaria muita resistência. Era mais nova que muitas professoras ali e elas não viam com bons olhos o fato de ter uma diretora tão nova. Mas ela sabia que enfrentaria de cabeça erguida todas as dificuldades e estava assumindo o cargo por merecimento e ia trabalhar da melhor forma possível.
Era solteira e nunca teve um namoro duradouro. Nunca teve sorte de encontrar alguém que valesse a pena. Mas ela não se importava com isso. Era uma mulher muito bonita com cabelos longos, pretos e sedosos, olhos muito escuros e de uma vivacidade incrível. Ela se vestia com elegância e bom gosto e sempre estava muito bem arrumada, o batom destacava sua boca. Era uma mulher séria e compenetrada. Sempre dizia pra si mesma que o que fosse pra ser seu iria lhe encontrar um dia. As pessoas diziam que ela já ficara pra tia, mas ela não se incomodava com o que falavam.
O ano seguia seu curso. Como era previsto, a vida de Vítor se tornou difícil. Teve que assumir sozinho a criação e educação dos filhos. Trabalhava muito e ainda tinha muitas responsabilidades em casa.
Seus filhos começaram a dar problemas na escola. Pela primeira vez ele foi chamado pela direção da escola. Sempre a esposa resolvia qualquer problema relativo aos filhos.
E lá foi ele ver o que os pequenos tinham aprontado.
Chegando lá foi recebido pela diretora, Idalina.
Ele a olhou com admiração tanto por sua beleza como por encontrar uma diretora tão jovem.
Ela ficou encabulada com o olhar dele, mas logo se recompôs. Começou a falar que as crianças de um tempo pra cá estavam rebeldes, não se concentravam na aula e estavam brigando com os colegas.
Ele contou a ela a situação que vivia em casa e que provavelmente o fato de verem a mãe no estado em que estava os perturbava.
Ela se comoveu com a situação e se comprometeu a tentar ajudar as crianças.
O olhar dele e aquela conversa a deixou perturbada.
Alguns dias depois uma das crianças brigou com um coleguinha e se machucaram.
Idalina ligou para Vítor, relatou o ocorrido e disse que tinha conversado com os dois e já havia contornado a situação. Ela passou a dar atenção às crianças e foi ganhando a simpatia e confiança deles que iam aos poucos voltando a ser bons alunos. Ela sempre conversava com Vítor e começou a se sentir apaixonada por ele, embora soubesse que não era certo. Mas pensava que ninguém manda no coração. Ele também se sentia apaixonado e se sentia culpado por se envolver com outra, estando a esposa doente.
O tempo foi passando e eles foram se envolvendo. Conversavam, foram se conhecendo.
Até que um dia Vítor declarou seu amor a Idalina.
-Você é um homem casado. Não tem direito de dizer que me ama.
-Você não sente nada por mim?
-Sinto. Mas eu sou solteira.
-Mas ama um homem casado.
-Mas nunca fiz nada que pudesse desonrar seu casamento. Eu amo em silêncio. Nunca tivemos nada além de conversas.
-Será que é justo o que está acontecendo? Minha esposa não tem vida. Que provação é esta a que Deus está me submetendo? Há mais de dois anos ela está inerte naquela cama. E eu estou vivo. Eu a amei tanto e ainda tenho o maior carinho e respeito por ela. Mas será justo eu morrer em vida junto com ela?
-E o que pretende? Agir como se ela não existisse? Eu não aceito. Ela não tem culpa de estar assim. Enquanto houver um sopro de vida, ela é sua esposa. Você é casado.
-Eu não estou mais suportando esta situação. É um fardo muito pesado pra mim.
-Eu te peço que não me ligue mais e nem me procure. Vai ser melhor pra nós dois. Eu me sinto culpada por este sentimento e pelo seu sentimento também.
-Você acha que eu não me sinto culpado?
-É melhor que não nos falemos mais.
Neste dia ele chega em casa, vai até o quarto de Marisa. Senta-se ao seu lado e chora.
-Marisa, você sabe o quanto eu lhe amei, não sabe? E como fomos felizes. Nossa família é tão linda. Você foi minha primeira e única namorada. Meu primeiro e verdadeiro amor. Não entendo porque tudo tinha que ser assim. Nós não merecemos esta situação. Às vezes penso que eu daria a minha vida pra você estar bem. Mas o destino fez tudo acontecer assim. Eu conheci outra mulher e aconteceu entre nós um amor que eu não queria que tivesse acontecido. Mas eu prometo a você que vou me afastar dela. Enquanto você tiver um fio de vida eu vou cuidar de você e vou lhe ser fiel. Eu juro.
Neste instante ele viu uma lágrima brotar de seus olhos fechados. Ele chorou e a abraçou. Ficou por muito tempo ao seu lado em silêncio.
Muitas vezes ele foi até a porta da escola para ver Idalina de longe. Mas eles se afastaram embora isto lhes causasse tristeza.
Ele passou a dar mais atenção à esposa. Todos os dias passava algum tempo com ela.
Conversava, tocava seu rosto, abraçava.
Cerca de seis meses depois e estado dela piorou e ela teve que ser internada. Alguns dias depois, faleceu.
Foi doloroso pra Vítor, mas ele achava que foi libertador para ele e para Marisa.
Agora ela descansava em paz. Ele a velou e declarou seu amor eterno. Prometeu que poderia até estar com outra, mas jamais a esqueceria.
Idalina ligou para dar as condolências.
Ele tocou sua vida e cuidava de seus filhos com amor e carinho.
Depois de passado o luto ele começou a se encontrar com Idalina.
Passeavam pela praça, conversavam, tomavam um sorvete como se fossem um casal de adolescentes românticos e apaixonados.
Começaram a namorar. Ela a cada dia cativava os filhos dele.
Depois de algum tempo se casaram. Pra ela é como se fosse um sonho. Viviam seu amor e nos braços dele ela sentia a paixão e o êxtase que nunca imaginou sentir.
Cada dia era um sonho a mais.
Finalmente o amor que era dela a encontrou…