Martim

- Já ouviu o cantar dos pássaros hoje?

- Ainda não, por quê?

- Escute, aproveite e sinta o vento bater em sua pele, enrolar em seus cabelos, levando ar a seu pulmão. Está maravilhoso!

Então Elizabeth olhou para o lado, sem entender bem o que estava acontecendo, mas tentou fazer o que seu irmão falou. Martim então suavemente virou-se e olhou para sua irmã, havia algo diferente nele, estava leve, calmo, uma paz contagiante, diferente das ultimas vezes que o viu, onde ele estava sempre aflito, angustiado, transcendendo ansiedade e confusão, então ele pegou a mão de sua irmã e acariciando falou:

- Você veio antes da hora, meu amor, porque chegastes tão cedo?

-Martim, estava com saudades, só visitá-lo por breves momentos não aliviava mais minh´alma, então, decidi ficar aqui, para sempre. Enfim, após sua partida algumas coisas mudaram, pessoas se foram, não queria mais ficar sozinha. Sabe os dias perderam a cor, ando, mas não vejo uma direção.

-Beth, minha querida, o que de fato mudou? Além do seu cabelo, que está grande e com mexas rosa. Gostei, combinou com você!

-Martim depois do que você fez, não esperava que tudo ficasse como antes, né? Papai se foi, nossos amigos se foram, alguns dizem que é difícil olhar para mim, pois sempre se lembram de você. Posso te perguntar algo?

- Sinto muito pela bagunça, minha querida, achei que seria a melhor escolha! Mas pergunte.

-Porque você se foi? Daquela maneira, sabia que veríamos aquilo, era uma forma de nós punirmos? Não entendo, mamãe te ama tanto!

-Não queria puni-los, queria libertar-me, nunca achei um lugar que me coubesse ali, era sempre um estranho no meio de pessoas hipócritas.

-Mas, e você veio antes da hora, por quê?

- Estava com saudades, já falei!

A caminhada seria grande ao encontro da verdadeira paz, havia tanto para aprender até poder ficar com seu irmão. Martim conhecia bem a trajetória, era árdua, aos que tiram sua vida ao de encontrar conforto, mas antes, encontrar-se é prioridade ali.

Martim levantou-se, logo em seguida pegou a mão de sua irmã e a puxou, então foram andando e conversando, estavam indo rumo a portões enormes, havia muitas pessoas ali, algumas acompanhadas, outras sozinhas, cada uma com marcas diferentes, mostrando suas verdadeiras dores.

-Te deixo aqui Beth, em breve nos encontraremos.

-Porque estou aqui? E que tantas pessoas são essas?

-São pessoas como você e eu. Pessoas que adiantaram sua partida, cada uma com uma historia única, você não está só, meu amor. Assim que estiver pronta nos encontraremos e faremos algumas aventuras.

Então Elizabeth seguiu até os portões, adentrou, escolheu uma cadeira e sentou, ao seu lado havia uma garota de longos cabelos escuros, calça jeans rasgado, um velho all star e blusa jeans clara, tinha algo nela que a chamou atenção, que a encantou.

Sem delongas começou uma palestra, tinha um ar de dúvidas, não fazia muito sentido aquilo, porque assistir uma palestra depois que já havia morrido. Mas decidiu presta atenção, logo entendeu o motivo daquilo tudo e as falas de seu irmão, entendeu que deveria se perdoar e encontrar-se antes se sair dali, mas não sabia como fazer aquilo.

...

Semanas iam e vinham e Elizabeth a sempre fazia algo de diferente, conversava com diversas pessoas, algumas tinham historias parecidas com a dela, outras eram o oposto, mas nada fazia sentido, ela não gostava de nada ali e não sentia nenhuma afinidade com os outros, muita das vezes nem se quer escutava o que falavam para ela.

Contudo, todas as manhãs ela ia ao lugar onde algumas pessoas se reunião para desenhar ou pintar, e ficava horas sentada em um banco, tomando seu chá, prestando atenção minuciosamente em uma única pessoa, apesar de fazer isso todos os dias, nunca teve coragem de falar um oi, tão pouco de chegar perto, até pensou em fazer isso algumas vezes, mas sempre tinha a sensação que iria vomitar ou desmaiar, então deixava para lá e continuava a observar de longe, parecia mais seguro. Entretanto, em uma dessas manhãs, pegou dois chás e chegou perto, sem falar nada entregou a Ana, logo virou e foi sentar em seu banco, como de costume.

Ana era a moça dos jeans rasgado e o all star velho, Elizabeth não percebeu que estava gostando dela, mesmo sem nunca terem conversado.

Alguns dias depois, Ana chegou por trás de Elizabeth a tocou nas costas e quando Beth virou, Ana se apresentou. Beth ficou nervosa, não estava entendendo, mesmo assim, Ana ficou ali conversando com ela. Ana sempre ia até Beth no banco e ficava ali, algumas vezes sem trocarem uma palavra. Então dias passaram e Ana já sabia muito da vida de Beth, mas ela nunca falava dela mesmo, nem mesmo quando Beth perguntava algo, tão pouco falava o que significava as cicatrizes em seus pulsos.

Em uma dessas conversas, algumas coisas foram “colocadas na mesa”. E Elizabeth perguntou:

-Ana, você sabe que gosto de você? Certo?

-Certo, Beth.

-Me diz, porque está aqui, e dessa vez diga de verdade sem desculpas, por favor.

-Ok. Estou aqui pelo mesmo motivo que você, não literalmente, mas digo, pela mesma atitude que a sua, você sempre me questiona o que significa essas cicatrizes em meus braços, enfim, foi assim que vim parar aqui, por descuido, um dos cortes saiu mais fundo do que eu esperava.

Por um breve momento, houve um silencio ensurdecedor. Então Elizabeth fez outra pergunta:

- Entendi, posso te pedir algo?

-Claro

-Posso te beijar?

Ana não respondeu, apenas chegou perto de Beth acariciou seu rosto e a beijou, por pouco tempo, sentiu o real significado de amor e uma paz transcender sua alma, quando abriu os olhos, alguma coisa havia mudado, já não estavam no mesmo lugar, Martim estava ali, e o pai de Ana também estava.

Logo os quatro partiram em uma aventura, como Martim havia prometido a sua irmã.

Elizabeth encontrou-se quando percebeu que amava Ana.

Victória Reginna Soares
Enviado por Victória Reginna Soares em 10/01/2023
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