Alícia
Alícia nasceu e sempre viveu naquela ilha. Via os turistas chegarem e partirem e ficava sonhando em conhecer outros lugares.
Estava com vinte anos e desde os dezesseis trabalhava em um restaurante. Estudou pouco pois ali tinha poucas oportunidades e precisava ajudar a família cujo pai era pescador e a mãe cozinheira no mesmo restaurante onde ela trabalhava. Como filha mais velha sempre ajudava a mãe com as tarefas da casa e com a criação dos cinco irmãos.
Ela vivia sua vida sacrificada e sonhava um dia conhecer um turista que a levasse embora e lhe desse uma vida digna e confortável e a levasse pra conhecer muitos lugares.
Era uma linda garota de olhos castanhos muito vivos, lindos cabelos, corpo escultural, pele sempre bronzeada pelo sol que ali brilhava o ano todo.
Chamava a atenção de muitos turistas mas ela não dava mole pra nenhum. Esperava por aquele que encantaria seu coração.
Até que um dia chegou à ilha um ornitólogo. Estava ali a trabalho. Era meio desastrado e tímido. Era sério e se mostrava muito inteligente e interessado no que fazia.
Chegou e foi almoçar no restaurante em que Alícia trabalhava.
Ela foi atendê-lo e ele a olhou de cima a baixo sem nenhuma discrição. Ela não gostou, olhou de volta com desaprovação e disse:
-Eu não estou no cardápio, olhe o cardápio e faça sua escolha.
Ele ficou corado e ela achou aquilo engraçado. Estava acostumada com os olhares de cobiça, mas não estava acostumada com homens tímidos e muito menos com um homem que ficava vermelho por tão pouco.
Ele se refez e perguntou:
-Você pode me dizer onde fica esta pousada? (mostrou pra ela o papel com o nome.)
-Posso, mas não prefere almoçar primeiro?
-Sim. Vou escolher.
Ela voltou pouco depois e notou que ele continuava a olhar pra ela com cobiça.
-Você veio sozinho? Não está com nenhuma turma?
-Estou sozinho. Sou um ornitólogo e vim a trabalho.
-E o que é um ornitólogo?
-Eu estudo e pesquiso aves. Vim fazer um estudo das aves desta ilha.
-Ah! E isto é muito importante? O que muda para elas este estudo? E o que muda para nós e para você?
Ele riu:
-Bem, é um assunto complexo. Eu já fiz minha escolha. Qual é o seu nome?
-Alícia e o seu?
-Daniel.
Ele almoçou e depois ela disse pra ele onde ficava a pousada e ele se foi.
Mas ela ficou com a sensação que aquele homem, que aparentava ter uns trinta anos, era o que lhe encantaria o coração.
Mais tarde quando ela voltava pra casa caminhando pela praia ela o encontrou caminhando também. Estava de bermuda e chinelos e caminhava absorto e nem a viu.
No dia seguinte lá estava ele para almoçar e devorava Alícia com os olhos.
-Que bom que voltou, gostou da nossa comida?
-Sim, gostei.
-Já começou seu trabalho com as aves?
-Ainda não. Estou esperando chegar alguns equipamentos que não deu pra eu trazer.
-Vai ficar muito tempo por aqui?
-Um mês ou pouco mais. Talvez uns quarenta e cinco dias.
-Dá tanto trabalho assim estudar as aves?
-Depende. Depois que começar vou saber. Você é daqui?
-Sim.
-Conhece tudo por aqui?
-Sim, conheço a ilha toda.
-Poderia me ajudar, me dar algumas dicas?
-Posso.
Ele almoçou e foi embora. Mas marcaram de encontrar mais tarde. Ladina ela sabia que ele queria muito mais que algumas dicas. E ela também queria.
Encontraram na praia. Ela estava em um biquíni minúsculo e ele tenso olhava aquele corpo que o deixava ainda mais atrapalhado do que já era.
-Vamos entrar na água? Estas águas mornas são uma delícia. Nem só de aves vive um ornitólogo, não é?
Ele a acompanhou. Entraram na água e ficaram conversando.
Eles se encontravam todos os dias no restaurante, na praia, nos barzinhos.
-Amanhã eu começo uma incursão para acompanhar algumas aves de hábitos noturnos.
-Começa o quê?
-Uma incursão. Vou andar por aí durante a noite para ver as aves.
-Ah! Sim. Posso ir com você? Fico curiosa com este seu trabalho, mas durante o dia eu trabalho ou ajudo minha mãe.
-E seus pais deixam você andar por aí à noite?
-Eu dou um jeito.
-Seria bom pois você conhece a ilha. Não tem medo de sair comigo assim?
-Não. Não tenho medo de quase nada.
Na noite seguinte ela foi com ele. Sabia que ele a estava cobiçando. Ela o provocava. Num certo momento ela caiu em um buraco e ele a socorreu apreensivo. Estavam muito próximos e ela lhe ofereceu a boca e ele a beijou com ardor, esquecendo a sua timidez.
Eles acabaram aquela noite na pousada dele e não se desgrudaram mais. Pela primeira vez ela se entregou a um homem e sentia que era por ele que esperou a vida toda.
Ela não pedia e nem cobrava nada dele pois em seu coração sabia que estava diante do amor de sua vida.
Quando por fim ele terminou seu trabalho, se despediram e ela não perguntou nada, não pediu para ele levá-la ou pra voltar. Ele disse a ela que voltaria pra buscá-la e declarou seu amor.
Ela ficou esperando por seu amor. Sabia que um dia ele voltaria.
Ele tardava e todos os dias ela ia esperar os barcos chegarem. E ele não vinha.
O tempo passou e ela foi ficando triste.
Dois anos se passaram e ela desistiu de esperar por ele. Não ia mais esperar pelos barcos e nem sonhava mais. Seu sorriso era triste, seu olhar apagado. Onde estaria seu amor? E se fosse casado? E se estivesse nos braços de outra? Ela não sabia nada dele. Ao se entregar a ele seguiu só seu coração e intuição.
E chegou na ilha um certo dia um turista alemão, Hektor.
Foi ao restaurante e olhava insistentemente para Alícia.
Quando ela saiu do trabalho Hektor esperava por ela. Ele se apresentou e eles conversaram. Ele falava português e disse que trabalhava na embaixada da Alemanha. Eles caminharam pela praia e se conheceram. Ela se encantou por seus lindos olhos azuis, por seu sorriso franco, por seu jeito espontâneo e por tratá-la com gentileza e delicadeza.
Eles foram se conhecendo e ele estendeu suas férias na ilha. Embora ela não pudesse dizer que estava apaixonada, sentia grande atração por Hektor.
Ele foi embora e ligava, mandava mensagens e declarava seu amor a todo momento.
Um mês depois ele desembarcou na ilha para um final de semana. Ela se sentiu feliz e não pode deixar de pensar no quanto queria que Daniel tivesse feito o mesmo por ela.
Hektor voltou outras vezes e finalmente pediu a mão de Alícia em casamento.
Ela, certa que fora abandonada por Daniel, encantada com o amor terno de Hektor aceitou seu pedido.
Casaram-se e finalmente ela iria conhecer outros lugares e ao lado de um homem tão amoroso e carinhoso. Ela se sentia feliz. Ele a cobria de mimos e carinho. Ela foi aprendendo a amá-lo com um amor sincero e leal.
Quase um ano depois de se casar, quase quatro anos depois de conhecer o ornitólogo, ao abrir seu e-mail ela se deparou com uma mensagem de Daniel dizendo que foi ao seu encontro na ilha e então soube que ela se casara. Explicava que por vários motivos precisou adiar sua volta, mas que nunca a esqueceu e que estava decepcionado por ela tê-lo trocado por outro mesmo sabendo de seu amor. Perguntava o quer faria com o amor que nutriu por ela durante todo esse tempo.
Uma lágrima rolou por sua face. Ela leu e releu a mensagem e por dias pensava se responderia o e-mail. Por fim decidiu que daria uma resposta. Não agiria como ele agiu.
“Daniel, o que fere de morte o amor não é a distância e sim a ausência, o descaso, o silêncio.
Quando você se tornou ausência em minha vida o sol se escondeu e a escuridão tomou conta de mim. Aí surgiu uma lua pra me iluminar. A lua que me guiou por caminhos tão ternos e sedutores. E a lua se alternou e se transformou no sol que iluminou meus dias.
E eu aprendi amar o homem que hoje é meu marido. Ele me ofereceu tudo o que você me negou. E é com ele que agora sigo e seguirei minha vida.
Se algum dia você conhecer um amor, lembre-se que o amor tem urgência, é exigente. Requer presença mesmo à distância, pede constante assistência.
Aprenda amar e seja feliz.”
Ela fechou seu e-mail e pela última vez uma lágrima rolou em seus olhos por Daniel.
Seguiu sua vida e seu casamento feliz, cheio de carinho, respeito e amor.
Daniel ficou no passado, no fundo da memória como um acontecimento feliz e nada mais.