EU JÁ DESCULPEI TANTA COISA
O menino entra pela casa como um tufão. Joga a pasta da escola sobre o sofá e batendo a porta do quarto com violência, atira-se na cama, aos prantos.
Ele tem por volta de dez anos, é um dos melhores alunos de sua classe e de temperamento calmo, na maioria das vezes.
O pai, que ele ignorou, na sua chegada intempestiva, é um homem simples e tranquilo. Espera alguns minutos e bate, brandamente, na porta do quarto. Não obtendo resposta, torce lentamente a maçaneta e encontra o garoto de bruços sobre a cama, ainda chorando, abraçado ao travesseiro. Aproxima-se, lentamente, e diz:
- Dorival, vamos conversar?
O menino esfrega os olhos na manga da camisa, senta-se na cama e encara o pai, com doçura.
- Pode contar para mim, o que o está afligindo, filho?
- É que...é que...
E desata a chorar, novamente.
O pai o acode, emprestando-lhe o lenço.
Depois de mais alguns soluços, Dorival começa a contar o porquê do choro.
- Pai, eu estou namorando uma menina da minha sala. Ela é linda e eu pensei até em apresentar ela pra você. Faz uma semana que estamos nos encontrando e hoje, pra minha surpresa, ela apareceu toda pintada: olhos, sobrancelhas, rosto e boca. Acontece que, quando nos conhecemos, a pele dela era tão macia, que eu lhe pedi que jamais pusesse pintura nela. Ela disse que a mãe viria buscá-la depois das aulas, para uma festa em que haveria um desfile de modas infantis, do qual minha namorada iria participar. Fechei a cara e pedi que ela tirasse toda a maquilagem.Tivemos o seguinte diálogo:
Eu:- Afinal, você já é bonita com o que Deus lhe deu.
Ela:- Mais é só por um tempinho. Amanhã, quando nos encontrarmos, minha pele estará sem pintura, como você gosta. Não tive coragem de falar com a minha mãe do nosso acordo. Você me perdoa?
Eu:- Ah, não! Estou muito zangado. Você tinha de fazer o que ficou combinado entre nós. Eu já desculpei tanta coisa. Você não arranjava outra igual E, tem mais: quando eu me zango, não sei perdoar.
Ela:- Nem uma vezinha?
Eu:- Desculpe, mais eu estou de mal. De mal com você!
E Dorival voltou a chorar, consolado pelo pai.
- Vamos lá, meu rapaz. Afinal, como ela mesma disse, foi só uma vez. Na vida temos de ser mais tolerantes, mais flexíveis. Pare de chorar, vamos almoçar. Depois você tira uma soneca, vê TV, faz seus trabalhos de casa e acaba trocando de bem com a sua namorada, amanhã, na escola. Ah, como é mesmo o nome dela?
- Marina.