Copo de Helena

A sede ensina o valor da Água,

a solidão ensina o valor do Amor.

Quando a água já não curava minha sede,

você surgiu para o fazer.

Obrigado, Helena.

A sede é uma sensação interessante. Tem-se ela e, mesmo depois de satisfeita ela voltará. Pensando nisso, matar a sede é uma expressão um tanto quanto errada, pois uma coisa morta não volta a aparecer (não até onde eu conheço). Essa sensação é dá natureza, acostumamo-nos com ela. É um incômodo que quase não incomoda. Acho mesmo justo, dada a importância da água.

Ela é tão importante que se pode mesmo morrer de sede, em média de 4 a 7 dias a depender do clima do local onde se está. É uma morte triste, pois a carestia cobra toda a dignidade, mesmo a carestia de água. São 7 dias de procura incessante por água, a água toma-lhe todo espaço no pensar, não se pode fazer mais nada nesses casos; pensar e procurar, só.

Mas nessa história não há morte, mas o suposto caso de alguém que conseguiu venceu a sede, se é que isso é possível. Saiba que eu não garanto a veracidade dessa história, duvido e invejo do personagem por motivos óbvios. De qualquer maneira, tenha em mente que, se isso for mesmo verdade, é um caso excepcional e quase ninguém vai conseguir repetir o feito.

Antes de contar o feito propriamente, devo contar todo o percurso que levou o vencedor – chamarei aqui de vencedor, pois o nome já não me lembro, e a história pareceu querer o esconder de propósito para evitar qualquer mais investigações incômodas atrás de sua sorte.

Como todos, pois, ele nasceu com a sede e, mesmo incomodado, nunca se entristeceu com ela. Sempre foi mais uma parte do dia, pequenos copos d’água supriam-no o necessário, uma grande dose diária deixava-o satisfeito. O incômodo sempre esteve lá, vive-se com ele, mas pequenas doses são o suficiente para acalmar a necessidade.

Um dia, contudo, a sede passou a incomodar ele de verdade. Toda vez que sentia qualquer indício de secura tinha que ir correndo beber algo. Ficou quase insuportável. De incômodo, passou-se a uma tortura. Passou a tomar alguns cuidados próprios. Andava sempre com uma garrafinha, que adquiriu mais valor do que qualquer outra coisa, mesmo essa nunca curando-o do seu incômodo. Ele também desenvolveu um estranho gosto por diferentes bebidas, que pareciam suprir sua falta quase irritante.

Mas os novos hábitos não eram de longe o mais triste. A diferença agora era que a fatal secura o incomodava mais que o normal, para ser bem brando. O caminho à sequidão o atormentava, pensar que sempre teria que tomar um copo d’água, sempre a todo momento e que sem não viveria o deixava terrivelmente apavorado. Tudo que ele queria era que algo curasse sua sede para nunca mais precisar beber. Eliminar essa preocupação da cabeça e poder seguir sua vida.

Note, leitor, que não estou escrevendo uma ficção. Provavelmente ele tinha mesmo uma neurose, algum distúrbio que deixava o incômodo que é natural de todo ser humano quase insuportável. Quem sabe a ajuda de alguém, uma boa conversa o curaria, uma pessoa que colocasse sua cabeça no lugar. Talvez ele não tivesse isso, mas, como disse, a história não conservou o nome do indivíduo, e também poupo algum detalhes.

De qualquer maneira, ele queria sair dessa obsessão, esse mal que já tomava uma parte considerável de sua vida porque passava todo o tempo livre pesquisando maneiras de não sentir mais sede. E não é um exagero, pois seu hobby passou a ser tentar formas de sentir menos sede, quase como um maluco. Nada dava certo e me parece que essas tentativas só agravavam o quadro.

De qualquer maneira, ele queria, sair dessa obsessão, esse mal que já tomava uma parte considerável de sua vida porque passava todo o tempo livre pesquisando maneiras de não sentir mais sede. E não é um exagero, pois seu hobby passou a ser tentar formas de sentir menos sede, quase como um maluco. Nada dava certo e me parece que essas tentativas só agravavam o quadro.

Posso dizer que, embora pense que seu incômodo era um disparate, já que todos estão sujeitos a mesma condição, acho que não seria justo, pelo bem da história, e pelo seu esforço, que a sede continuasse a persegui-lo. A sequidão perturbava demais alguém que não a queria como todos os outros, e já havia clientes demais para ela. No fim, você verá, a história foi justa.

Certo dia, então (e agora talvez o leitor comum comece a duvidar da veracidade do caso) ele, em suas tentativas de sanar sua sede, ele encontrou algo especial. Foi então que ele tomou o primeiro Copo de Helena em um antigo teatro. Havia, em conversas, ganhado apreço por essas bebida especiais que já havia encontrado outras vezes, mas nunca houvera oportunidade de conhecer propriamente.

Era, de fato, uma bebida especial. Dizem que tão boa que, a sorte de tê-la experimentado uma vez virava o azar de deixar todas as outras bebidas sem qualquer graça depois. Esse nosso vitorioso foi tão afetado por essa bebida que, seu incômodo parou, simplesmente parou. Mas não só isso, sua sede acabou também. Simplesmente, não há mais o que se falar. Ele se apegou então, pela mais justa razão a esse bebida. Encontrou algo que, como dizem, acabou com a sede. Uma bebida, que substituiu até a água.

Dizem que depois do teatro ele não foi, nem quis ser mais visto separado da bebida. Pareciam mesmo que havia feito um para o outro. Havia uma relação entre eles, não de um homem para algo que ele gostava de consumir, mas de duas existências que completavam um ao outro: a bebida que dava dignidade ao sedento e o sedento que tentava dava a bebida sua própria vida.

Eu digo agora: essa é uma história feliz, parece mesmo de amor. Mas, para pormos o pé no chão, quero fazer uma contribuição para deixar a história verídica. Não há bebida que tire a sede de ninguém, todos sabem. A neurose desse nosso amigo, também não o fez especial. A diferença sempre esteve na bebida. O Copo de Helena é tão magnífico, e nisso creio, que o personagem, quando bebeu, esqueceu do seu incômodo com a sede enquanto seu amor passou a ser beber do mesmo Copo para alimentar a sede que já não era uma tortura, mas doçura.

Nota do autor: dedico esse texto a minha amada Helena F., grande amiga e companheira que me incentiva a escrever.