Despedida

Cheguei naquele lugar depois de tanto tempo…

Entrei na casa…

Pensava que nada mais restava em mim…

Nenhuma emoção, nenhuma dor, nenhuma saudade, nenhum sentimento, nenhum sofrimento.

No entanto uma lágrima rolou em meus olhos. Não sabia se de tristeza, de arrependimento ou de puro vazio. Um vazio que nunca dei atenção até aquele momento. Mas logo me refiz.

Olhava tudo e tudo estava como eu deixei, como se a minha presença estivesse em cada detalhe.

Há quase quinze anos deixei esta casa. Quando cheguei, pensei que ficaria pra sempre.

Eu me casei com Horácio aos vinte e cinco anos. Ele tinha trinta e dois. Eu estava tão apaixonada que pensava que nada ia destruir o nosso amor ou nos separar, mas onze anos depois eu saí desta casa e da vida dele.

Muitas incompatibilidades, muito sofrimento, muito desamor. E ficou insustentável a nossa união.

Voltei pra minha cidade e refiz minha vida. Sofri por um tempo com nossa separação, mas consegui deixar tudo muito bem resolvido em mim e nem pensava mais nele.

Agora, quase quinze anos depois eu recebo a notícia de sua morte tão prematura. E soube que ele deixou um testamento legando a mim tudo o que tinha.

Mais uma vez ele tentou demonstrar algum amor com bens materiais, mesmo sabendo que isto nunca foi importante pra mim.

Eu estava ali e nem sabia por onde começar. Sabia que por certo estava tudo muito bem organizado pois ele sempre foi metódico e perfeccionista.

Entrei no escritório para pegar alguns documentos. Olhei para tudo e é como se eu estivesse vendo ele ali em sua mesa, sempre concentrado em tudo, menos em mim.

Abri o armário onde eu sabia que guardava todos os papéis importantes.

Sobre todos o documentos deixados por ele estava um envelope endereçado a mim.

Com as mãos trêmulas eu abri.

Era uma carta manuscrita:

“Minha querida e amada Belinha,

Quando você ler esta carta eu não estarei mais entre os vivos.

Tenho consciência do quanto eu lhe fiz sofrer e isto corrói minha alma dia a dia.

Logo eu que só lhe quis bem, só quis a sua felicidade.

Logo você que foi a única mulher que eu amei na vida.

Sei que você também me amou muito e eu não soube cativar e cultivar esse amor que eu tanto quis.

Muitas vezes eu senti vontade de lhe pedir perdão, mas nunca consegui.

Não por orgulho ou por falta de oportunidade pois as oportunidades a gente cria.

Nunca consegui demonstrar o grande amor que senti por você desde que a conheci. Eu fui criado para não demonstrar sentimentos, para não chorar e nem ser fraco e aprendi que amar uma mulher mais que a si mesmo é uma fraqueza.

E eu não percebi que a maior fraqueza de minha vida foi perder você.

Eu só fui feliz enquanto desfrutei a vida ao seu lado, mas nunca deixei que você soubesse disso.

Lembra de todas as vezes que rimos e fizemos de nossos dias uma brincadeira divertida? Porque você sabia fazer de nossa vida dias de leveza, de sonho e carinho.

Lembra que a gente se tratava por apelidos tão cheios de carinho?

Lembra das viagens maravilhosas que fizemos quando eu baixava a guarda e lhe deixava perceber o amor que sentia?

Lembro quando você me fazia surpresas. Seus olhos brilhavam ao sentir que eu estava feliz.

Lembro que a cada vez que lhe fiz chorar você tentou novamente e queria me fazer ver que eu podia mudar se quisesse, que não precisava ser tão frio e arrogante. Que você queria muito mais que uma vida de luxo e presentes caros. Que você queria ser amada como sempre mereceu. E eu nunca tive coragem de abrir meu coração e dizer o quanto eu lhe amava.

Você muitas vezes tentou me convencer a tratar meus traumas pra que a gente pudesse ser mais feliz e eu nunca aceitei. Sempre dizia que não acreditava em psicólogos.

Lembra do dia em que você desistiu de mim e se foi? Naquele dia eu chorei sozinho. Mas nem assim tive coragem de me ajoelhar aos seus pés chorando como estava, lhe pedir perdão e declarar o meu grande amor.

Vivi todos esses anos pensando em você. A cada dia eu tentava ter coragem pra pedir pra você voltar e dizer que tudo seria diferente e que você seria a mulher mais amada do mundo.

A coragem me faltou não só por ser este homem aparentemente frio, mas porque você me disse no dia que partiu que eu tinha matado todo o amor que sentiu por mim. E você demonstrava que não sentia mais nada por mim. Vivia sua vida como se eu nunca tivesse existido.

Sabe, durante todos estes anos eu soube de sua vida e de seus passos. E mesmo sabendo que estava sozinha eu não fui capaz de tentar novamente.

Muito tarde percebi que eu devia ter procurado mudar desde o dia em que lhe conheci.

Quando adoeci me lembrei que você sempre tentou me fazer largar o tabaco. Dizia que era pro meu bem, que o fumo sempre faz mal. E agora eu soube que você sempre teve razão.

Em meus delírios chamo por você. O cuidador que me acompanha em minha doença sempre me diz que lhe chamei e pergunta se quer que peça pra você vir. E eu digo que não. Não quero ter a decepção de receber uma recusa e nem quero que você me veja tão debilitado. Se algum dia você se lembrar de mim quero que seja como você me conheceu.

Eu sou um solitário. Sabe que não tenho família e nem muitos amigos. Sabe como eu sou fechado em mim mesmo. Alguns vizinhos me auxiliam por caridade e os cuidadores estão sempre comigo. Já providenciei tudo. Sei que meu fim está próximo.

Você saberá como resolver tudo que precisar e alguma coisa que eu tenha deixado pendente.

Você pode imaginar o quanto me custa abrir meu coração nestas palavras que escrevo? Sei que frente a frente com você eu não conseguiria falar nada. Eu não posso deixar este mundo sem confessar o que sempre trouxe preso em meu peito.

Perdão, minha Belinha por tudo que lhe fiz de mal, pelas lágrimas que derramou por mim, pelas dores que lhe causei.

Eu te amo pela eternidade…

Horácio”

Eu não me contive e chorei. Eu que havia jurado pra mim mesma que ele nunca mais me faria chorar, estava ali derramando lágrimas tão sentidas. Nem quando recebi a notícia de sua morte eu chorei. E agora eu estou aqui diante desta carta que me fez desabar.

Quantas vezes eu quis ouvir essas palavras. Quantas vezes eu quis que ele me amasse como eu o amei. E eu nunca soube que na verdade ele me amava, mas não sabia demonstrar ou declarar.

Quanta vida deixamos de viver, quanta felicidade jogada fora.

Muito tarde ele me fala as coisas que precisavam ter sido ditas há mais de vinte anos.

Toda uma vida mal vivida por traumas que ele carregou sem nunca tentar se libertar.

Agora por certo ele está em paz…

(Obra de ficção. Qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência.)

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 07/12/2022
Código do texto: T7666958
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