A Outra
Ela saiu do trabalho e passou na banca de revistas para ver as novidades. Comprou duas revistas de sua preferência. Ela lia as notícias dos famosos, mas o que gostava mesmo era das fotonovelas. Ela se deliciava com aqueles romances muitas vezes água com açúcar, outras vezes mais picantes. Criava fantasias e chegava a viver a personagem que sempre tinha seus desencontros e dramas, mas no final se acertava com o seu amado e era feliz para sempre. Se a personagem sofria ela sofria também, chegava a chorar, se beijava o seu amado ela se sentia beijando o seu amado, quando era feliz ela se sentia feliz.
Gostava também de ler muitos romances e sempre vivia a estória.
Lúcia morava com sua mãe. Já beirando os quarenta anos, era solteira. Viu sua irmã e seus dois irmãos se casarem e ela ficou pra tia. Depois que seu pai faleceu ela e a mãe ficaram sozinhas. Era uma mulher bonita, inteligente. Era independente, coisa rara naquela época. De tanto escolher acabou ficando sozinha.
Quando bem jovem, após concluir seus estudos no colégio, fez curso de datilografia e um curso de secretariado.
Foi então trabalhar numa das poucas indústrias da pequena cidade onde nasceu e viveu toda a sua vida. Era secretária do dono e presidente da empresa. Há cinco anos quando mudou o presidente, ela se encantou com o patrão e quando lia as fotonovelas e os romances e imaginava que ela era a mocinha e ele o galã. Mas ele nunca percebia o interesse dela. Era casado. Sua esposa era elegante e fina. Eles frequentavam as altas rodas da sociedade. Ela sentia inveja da madame e se imaginava usando aquelas roupas lindas, finas e elegantes que ela usava e vivendo um romance com Doutor Elias, seu patrão.
Dr. Elias era um cinquentão, substituiu seu pai na direção da empresa. Era um homem charmoso e simpático. E Lúcia suspirando por ele e esperando que ele a enxergasse. Ela se esmerava ao se arrumar para o trabalho.
Aos poucos Dr. Elias começou a se interessar por Lúcia que fazia tudo por ele e ainda se insinuava sutilmente, como quem não quer nada.
Lúcia sempre teve uma vida vazia e se contentou em sonhar durante toda a sua vida. Nunca conseguiu tomar uma atitude. Agora sonhava muito mais. A cada romance, a cada fotonovela que lia sonhava em viver a sua própria história com Elias. Sonhava em ter o seu amado só pra si. Pensava que era mais jovem e mais bonita que a esposa dele e que um dia ele iria deixá-la pra ficar com ela.
Eles foram se envolvendo e quando viram já estavam nos braços um do outro. Ali mesmo no sofá que ficava na sala do chefe ela se entregou a ele, realizando seus sonhos, devaneios que tinha em suas noites solitárias.
O tempo foi passando e ela esperava que ele assumisse o romance com ela, mas sabia que era muito remota esta possibilidade na sociedade conservadora daquele lugar em meados dos anos 1960.
Mesmo assim ela se sentia feliz e esperava por um milagre.
Quando precisava viajar a negócios ele a levava e ela vivia noites e dias de prazer e luxúria e se sentia uma rainha em hotéis de luxo se passando por esposa dele.
Nos braços dele depois de plenamente saciados ela disse:
-Bem que podia ser verdade. Bem que eu podia ser mesmo a sua esposa.
-Estamos bem assim. Você sabe que eu me sinto feliz e realizado em seus braços, mas não sonhe muito alto. Saiba que eu jamais vou me separar da minha esposa. E você sabe que é só questão de formalidade e por razões familiares e sociais. Eu estou amando você. Mas eu gosto e respeito muito a minha esposa. Ela é aquela santa que me espera em casa e com quem eu preciso me apresentar em sociedade. Você é a minha mulher, a que me satisfaz, que me enlouquece. Pode ter certeza que ser a outra é muito melhor.
-Eu sou uma mulher digna, respeitada. Nunca quis ser a “outra”. Eu amo você e não quero ter que me esconder. Quero mostrar ao mundo que estou amando e sendo amada.
-Pra quê? Basta nós dois sabermos que nos amamos.
-Não basta. É difícil eu ter que esconder que estamos juntos.
-E o que você quer fazer? Eu já disse que não vou me separar de minha esposa por sua causa. Se assim não serve para você a gente pode se afastar.
Ela chorou, mas ele não se comoveu.
E seguiram a vida.
Os funcionários da empresa e as pessoas mais próximas falavam à boca pequena sobre a proximidade dos dois, mas ninguém tinha certeza se os dois tinham um caso ou não. Eles sabiam se preservar.
Suas noites sempre eram solitárias e ela se sentia mal sabendo que ele estava com a esposa. Ficava enciumada e triste.
Seus finais de semana, Natal, Réveillon, aniversários, todas as datas especiais ela passava sozinha e imaginava ele festejando com a esposa e família. Mas foi se conformando.
Nas noites de solidão, lia seus romances e fotonovelas e imaginava um final feliz para si mesma como todas as heroínas das estórias que lia. Mas o seu final feliz não chegava.
E seguiram por anos a fio se amando no escritório e nas viagens em que ele a levava.
Mesmo após a morte da mãe de Lúcia, ele nunca frequentou a casa dela para não dar margem a falatórios.
Ele a presenteava com jóias e outros mimos caros. Fez um bom pé de meia para ela. Dizia que não queria que nada lhe faltasse quando ele se fosse.
Mas o que ela queria, que ele lhe assumisse, nunca aconteceu.
Quase vinte anos depois Elias teve um mal súbito e veio a falecer. Foi num domingo. Quando a notícia correu e ela ficou sabendo, pensou que fosse morrer de tanta tristeza. Ela nem sequer pôde despedir dele.
Ela chegou ao velório e as pessoas que especulavam sobre o caso deles olharam com espanto e desaprovação. A viúva e os filhos ficaram impassíveis. Ela não se importou. Precisava de despedir dele. Chegou perto do caixão e conversava com ele em pensamento:
-Você foi o único homem que amei na vida. Sei que você também me amou. Não importa se eu não posso velar e prantear sua morte como queria. Não importa que eu tenha sido a outra durante todos esses anos. Eu sei que pra você eu fui mais importante que aquela que está me olhando como seu eu fosse uma intrusa. Peço a Deus que acolha você em Seus braços e que me dê forças. Eu nunca poderia imaginar que você ia me deixar assim. Eu vou lhe amar por toda a vida. Adeus meu querido amor.
Ela saiu. Foi embora e em casa chorou toda a sua dor. Estava devastada de tristeza.
No dia em que voltou a trabalhar já estava decidida a se aposentar. Sabia que não ia conseguir continuar ali sem a presença dele e que seus filhos e esposa não iam querer sua presença lá.
Chegou e se sentiu emocionada e sem ação.
Logo depois o filho dele chegou e a chamou para conversar.
-Dona Lúcia, precisamos conversar. Por enquanto eu vou assumir aqui no lugar de meu pai. Sei que a senhora sabe de tudo aqui e gostaria de pedir que me passasse as informações. Mas não vou lhe enganar, eu não quero que a senhora continue a trabalhar aqui. Vou contratar outra secretária e espero que tenha a dignidade e a gentileza de ensinar a ela todo o trabalho.
-Eu não gostaria de trabalhar aqui nem mais um dia, mas sou uma profissional séria e jamais deixaria vocês sem passar tudo o que sei. Eu já decidi me aposentar. Trabalho aqui há mais de quarenta anos. Trabalhei com seu avô e com seu pai. Acho que já está na hora de um merecido descanso. Vou lhe passar tudo o que sei e espero que contrate logo a minha substituta. Já estou preparando minha documentação para pedir a aposentadoria.
-É bom que não haja nenhum conflito ou contenda.
-Podemos começar quando quiser.
Um tempo depois ela sai pela última vez da empresa. Ainda está perdida. Anda sem destino. Senta-se num banco da praça. Pensa em sua vida. Está completamente sozinha. O que iria fazer agora?
Passa na banca e compra um romance. Já há algum tempo não lia um romance.
Vai pra casa, toma um banho demorado, prepara seu jantar calmamente. Não tem mais pressa pra nada. Sua vida está mais vazia e sem sentido que nunca.
Deita e pega o livro. Mas resolve pegar suas revistas antigas e procurar uma fotonovela que a distraísse.
Ela lê e chora. Pensa que nem consegue mais se sentir dentro da estória.
Viveu sua própria história e agora só consegue pensar em Elias. Ela foi a mais feliz das mulheres ao lado dele. Não importa se era um amor clandestino e oculto. Importa as emoções, alegrias e prazeres que viveu.
Seus dias se tornaram insuportavelmente sem sentido.
Um tempo depois resolveu fazer uma longa viagem. Queria conhecer os lugares sobre os quais ele lhe contava tantas histórias. Queria conhecer aqueles lugares que em imaginação ela já conhecia.
Na volta de sua viagem ela já se sentia melhor. Procurava ocupar seus dias com coisas que lhe davam prazer. Começou a fazer trabalhos voluntários e seguiu sua vida.
Sonhava com Elias. Era como se estivesse tendo um encontro real. Sentia-se confortada.
Sentia que um dia iria encontrar Elias em outra dimensão e imaginava que lá ele seria só dela.