Quente
Naquele fim de tarde morno, brindamos com café, que aumentava o calor das minhas faces. Eu ardia por dentro, trêmula, ensaiando uma forma de olhar que parecesse vazia de desejo. Acabava evitando seus olhos, tentando me concentrar em algum pensamento longe da sua voz. De repente, acabava sorrindo, sensível às suas brincadeiras infantis. E como eu adorava isso: a sua capacidade de me fazer rir nos momentos mais improváveis. Então eu falava, explicava, argumentava, ouvia e de repente calava, porque seus olhos, aquelas duas forças escuras que me tragavam, estavam sempre pousados em mim. Eles diziam tanta coisa, num misto de meiguice e malícia irresistível...Eu observava seu corpo, sentia o calor que emanava, as suas pupilas dilatadas, a dificuldade em parar de gesticular e relaxar os músculos, tensos, atentos a qualquer movimento meu. Percebi a atenção nos meus cabelos, nos ombros e na pele que a blusa discretamente deixava transparecer. Percebi o seu coração batendo descompassado, as muitas palavras que, sem cessar, começava a falar para me distrair. Tudo isso me levava a um precipício do qual eu sabia que não teria volta. Um passo e eu estaria perdida, irremediavelmente envolvida na sua teia de sedução. Por isso eu parei, para me defender de nós dois, para tentar outro caminho, para esquecer seu cheiro, para seguir em frente. A emoção foi disfarçada, a calma voltou a mim e eu pude raciocinar por nós. Não houve despedida, somente um até logo. Talvez até daqui a uns meses, anos ou algum tempo distante na eternidade. Eu confiava no nosso reencontro, o que me deu forças para partir.