Perdoar

- Perdoar? – Disse Maura. – De jeito nenhum! O que ele fez é imperdoável. E se depender de mim, nunca mais ele pisa aqui.

- Não diga isso, pois vai se arrepender. – Falou uma moça de cabelos negros e compridos, de vestido com detalhes em renda e um batom vermelho lhe pintando os lábios.

- Esther. Se fosse você, com certeza faria o mesmo que eu fiz. – Falou Maura.

- Mas é seu pai, poxa! Você não pode fazer isso com ele.

Maura se levantou, foi na direção a amiga e de dedo em riste disse:

- Como eu não posso? Qual a sua justificativa, me fala Esther?

- Ele te deu a vida.

- Mas que palhaçada, Esther. Ele fudeu com a minha vida! Ele destruiu tudo de mais importante que eu tinha construído.

Maura voltou a sentar, mas agora no chão, encolhida, recolhida, envergonhada. Esther levantou-se e foi tentar abraçar a amiga, mas Maura não permitiu, pois queria, naquele momento ficar sozinha.

- Vou ir embora. – Disse Esther. Mas eu te peço só uma coisa. Repense em tudo o que você acabou de dizer. Isso nunca aconteceu comigo devido a boa relação que tenho com meus pais e...

- Cala essa boca e some daqui, Esther. Você não entende de nada, não sabe de nada. – Disse Maura, numa mistura de choro contido e grito descontrolado.

Esther saiu batendo a porta com tudo. Maura não se importou e permaneceu sentada. No decimo andar do prédio a porta da varanda aberta, o vento forte balançando a cortina cor de creme, tocando levemente a poltrona. A respiração cansada. Com uma tonelada nas costas Maura se ergueu, o cabelo loiro todo bagunçado, a maquiagem escorrida nos olhos devido as lágrimas derramadas, as chances desperdiçadas, a uma vida maldita.

Foi para a sacada de grades baixas. Piso cinza no chão, textura riscada na parede, vasos de plantas pendurados, enquanto Maura se pendurava no parapeito. Quando as duas pernas estavam do lado de fora e o equilíbrio parecia incerto, a certeza era se atirar lá de cima e espatifar o corpo.

- Não faça isso! – Gritou Esther, que havia sim, ido embora, mas que por capricho do destino voltara para buscar as chaves do carro deixadas em cima da mesa da cozinha.

Maura paralisada no parapeito. Esther se aproximando pé com pé para resgatar a amiga.

- Não se mexa. – Pediu Esther a amiga.

Maura não se mexeu, não porque a melhor amiga pediu, mas sim, por não conseguir sair do lugar. Esther foi se chegando bem perto de Maura e quando estava do lado da amiga a abraçou e a puxou para trás fazendo as duas caírem juntas no chão em um abraço de proteção.

- Não faça mais isso, nunca mais faça isso. – Disse Esther a Maura que chorava com o rosto debruçado sobre o ombro da melhor amiga, que a consolava acariciando seus cabelos e enxugando seu rosto.

- Me perdoa? – Disse Maura com voz lamentosa.

- Você sabe muito bem quem você precisa perdoar. Agora venha, pegue esse telefone e ligue para o seu pai e converse com ele.

- Eu não posso!

- Pode sim, e vai fazer isso agora. – Falou Esther estendendo o telefone para Maura que pegou o aparelho sem querer segurá-lo.

Maura foi digitando o número de seu pai na tela do celular. Um ruído longo seguido de uma pausa, assim como pausava seu coração cada vez que a chamada não era atendida.

- Não adianta, é perda de tempo. Ele não vai me atender. – Disse Maura entregando os pontos.

- Pois você vai tentar até conseguir. E eu estarei do seu lado até isso acontecer. – Disse Esther dando um beijo e um abraço na amiga.

E elas tentaram, uma, duas, dez, vinte vezes, até alguém do outro lado atender dizendo um rouco e quase inaudível:

- Alô? – Do outro lado Maura não conseguiu dizer nada além de ter lágrimas lhe descendo dos olhos e encharcando o rosto de bochechas rosadas. – Alô? – Insistiu a voz mais uma vez. – É você Maura? – Questionou a voz do outro lado da linha.

- Sim, sou eu, pai.

O pai de Maura estava na rua, e precisou sentar quando ouviu a confirmação dada pela filha.

- Me perdoa minha filha. – Ele disse.

- Sou eu que te peço perdão. – Falou Maura do outro lado da linha.

Os dois conversaram por horas; riram, choraram, e se perdoaram. A conversa só foi interrompida quando a filha disse que a bateria do celular estava acabando, mas antes de desligar, Maura disse:

- Pai. Eu quero que o senhor venha me visitar aqui no meu apartamento. O senhor não precisa se preocupar, eu mando um carro buscar o senhor.

Telefones desligados. Esther ouviu toda a conversa ao lado da amiga, o tempo todo segurando na mão dela.

- Bem, já é tarde. – Disse Esther. – Parabéns pela atitude.

Maura abraçou a amiga mais uma vez, dessa vez e não para chorar, mas sim, para agradecer.

Semanas se passaram até pai e filha se reencontrarem depois de muitos anos de afastamento. O pai de Maura vestia uma roupa simples, usava calça social azul, uma camisa branca sem gravata, tinha barba feita e os cabelos cortados e penteados de lado. Maura usava saias, e utilizava uma blusa que deixava os ombros a mostra.

E os dois então se abraçaram. Maura permitiu que o pai tocasse em seu rosto com os dedos enrugados, e ela fez o mesmo; tocou no rosto do pai e beijou as mãos dele. De longe, Esther, apenas observava pai e filha se perdoando, rindo, chorando, mais uma vez.

Um ano se passou após isso. Maura trouxe o pai para morar junto com ela; o escritório improvisado foi transformado em um quarto pequeno, porém, aconchegante.

Mesa posta. Maura sentada em uma ponta da mesa, o pai na outra e Esther entre eles. Pratos na mesa, panelas fumegando, mãos dadas e uma breve oração feita pelo pai.

- Agradeço ao nosso senhor pela saúde da minha família, da amiga dela, e agradeço também pelo alimento.

Os três brindaram e comemoraram mais um dia...FIM...

Fernando F Camargo
Enviado por Fernando F Camargo em 22/11/2022
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