Deslizes
Luísa e eu morávamos no mesmo bairro e desde a juventude eu era apaixonado por ela. Era linda e sensual. Atraía os olhares dos homens. Isso me deixava enciumado. Ela me esnobava, mas muitas vezes aceitava sair comigo. A gente ia ao cinema, a um barzinho ou saia pra dançar. Quando eu falava de namoro, como toda mulher ladina, ela se fazia de desentendida. Aos poucos nosso envolvimento foi ficando mais sério e quando transamos pela primeira vez eu senti que não podia viver sem ela.
Eu estava cada vez mais apaixonado. Forçava a barra pra ela assumir um namoro sério.
A falta de compromisso dela me incomodava. Pensava que talvez só estivesse querendo se fazer de difícil. Eu queria me casar com ela. E ela zombava de mim, dizia que jamais casaria com um pobre como eu. Queria mudar de vida e só se casaria com um rico.
Eu ficava decepcionado, mas pensava que ela só estava brincando comigo.
O tempo foi passando e a gente vivia e se amava intensamente como se cada dia fosse o último e eu pensava que ela seria pra sempre a minha mulher.
Até que numa tarde eu estava chegando do trabalho e vi Luísa em um carro beijando um outro cara. Eu fiquei louco de ciúme e me aproximei:
-O que significa isto? Sai já daí, Luisa.
-O que é isso, Giovani, você está louco?
-Sai já desse carro.
-Não me aborreça. Vá embora.
O cara disse:
-Quem é ele, Luísa?
-É um vizinho nosso.
-Eu que pergunto, quem é você, cara?
-Sou o namorado de Luísa. É melhor você ir andando. Deixe-nos em paz.
Eu fiquei sem chão. Saí andando e não cabia em mim de tanta decepção e tristeza.
No dia seguinte ela me procurou:
-O que você pretende, Giovani? Atrapalhar meu namoro?
-Namoro, Luísa? Seu namorado sou eu.
-Não, você nunca foi meu namorado e eu nunca lhe dei nenhuma esperança. Eu sempre disse que só namoraria um homem rico.
-Eu amo você.
-Eu quero que você e seu amor vão pro diabo que os carregue.
-Você pensa que algum desses riquinhos vão lhe querer? Eles querem brincar com você.
-E você? Pensa que eu vou lhe querer? Eu jamais vou namorar com você, jamais me casaria com você. Pensa que eu quero ficar nesta vida pra sempre? Eu quero alguém que possa me tirar deste lixo de vida. Esqueça que eu existo, não quero mais ver sua cara na minha frente.
Ela saiu e eu fiquei ali parado.
Nos próximos dias eu estava desolado e num baixo astral de causar pena. Minha chefe, que muitas vezes flertava comigo, percebeu e no fim do expediente veio conversar.
Nós saímos do trabalho juntos e eu me abri com ela. Muitas outras vezes nós conversamos e Helô demonstrava interesse por mim, mas eu não conseguia deixar de pensar em Luísa. E ela não desistia.
Um dia ela foi me levar em casa. Quando chegamos eu vi Luísa e fiquei perturbado. Ela desconfiou e perguntou o que estava acontecendo. Eu disse que Luísa estava do outro lado e ela, ousada, me beijou dizendo que era pra fazer ciúme nela.
Quando Helô foi embora, Luísa veio falar comigo. Jogou seu charme e começou a me provocar. Eu cedi e saí dali com ela. E tivemos uma noite espetacular. Pouco me importava o namorado dela.
Muitas outras vezes tive uma recaída e saí com Luísa.
Mas sentia que não estava sendo leal com Helô com quem estava me envolvendo.
Finalmente Luísa marcou seu casamento. Eu senti que realmente eu a tinha perdido.
No dia do casamento dela, eu fiquei um pouco afastado assistindo. Ela chegou. Uma linda noiva, toda sorridente esbanjando a sua felicidade e eu morrendo por dentro.
Tentava não pensar nela, mas era inútil.
Mas Helô era uma mulher incrível, especial. Não desistia de mim. Estava sempre tentando e a gente começou a sair junto, no entanto eu não estava muito entusiasmado e tinha medo de me envolver e ela estar só de brincadeira, afinal ela era uma mulher de uma classe social bem diferente da minha. E era minha chefe.
E o tempo foi passando
Até que um dia quando estávamos saindo do trabalho e Helô disse:
-Amanhã é sexta-feira.
-É, tem algum plano para o final de semana?
-A Selma vai viajar. Queria te convidar pra ficar lá em casa comigo.
-Você tem medo de ficar sozinha?
-Giovani! Claro que não. Quer que eu seja mais explícita? Precisa?
-Desculpe, Helô.
-Quero que você vá pra lá pra gente namorar a vontade.
-Um convite tão tentador, eu não posso recusar.
-Se quiser, pode ficar até domingo.
-Gosto deste seu jeito direto de resolver as coisas.
-Mas você nunca toma uma iniciativa. Só eu.
-Tenho medo de parecer muito atirado. Mas vontade não me falta.
-Posso te esperar amanhã com um jantarzinho especial?
-Claro que pode.
-Combinado.
No dia seguinte eu cheguei no apartamento de Helô meio sem graça. Mas ela me deixou totalmente à vontade. Conversamos, jantamos e acabamos na cama dela.
Ela disse:
-Estou nas nuvens, muito feliz.
-Nem fala. Até agora não estou acreditando que esta noite está sendo real.
-Real, deliciosa e inesquecível.
E a envolvi em meus braços
-Helô, o que você está fazendo comigo? Jamais imaginei me sentir tão bem assim nos braços de uma mulher.
-Eu também não. Eu amo você Giovani, e estar aqui com você é como um sonho bom.
-Um sonho bom e como você disse, inesquecível.
-Depende de nós que este sonho nunca se acabe.
-No que depender de mim ele vai durar pra sempre.
Dias depois eu estava chegando em casa, caminhava distraído, pensava em Helô e no bem que ela estava me fazendo.
-Oi, Giovani! Você sumiu, hein?
Eu virei:
-Oi, Luisa! Estou por aí. Surpresa é lhe ver por aqui.
-Só visitando minha mãe. Soube que você está namorando sua chefe. Esqueceu de mim?
-E não devia ter esquecido? Você está casada, Luisa.
-O amor que você dizia sentir por mim não era tão verdadeiro assim?
-Acho que nem existiu. Foi só uma fantasia da minha cabeça.
-Eu não acredito. Você sempre foi apaixonado por mim, sempre me quis, me desejou e sei que jamais vai me esquecer.
Rindo ironicamente eu disse:
-Você se acha muito, Luísa. Você não é isso tudo que pensa ser.
-Será? Vamos sair comigo, vamos a um motel e você vai ver que nunca ninguém vai me substituir em sua vida.
-Está casada há tão pouco tempo e já está querendo trair seu marido? Ele não está lhe bastando? Ele não consegue lhe satisfazer como eu sempre consegui? Valeu a pena se casar por dinheiro, Luísa?
-Agora você é que está se achando muito. Eu amo meu marido. Só estou querendo matar a saudade de nossos momentos.
-Eu não faria isto com Helô. Agora, neste exato momento eu descobri que não sinto mais nada por você. Agora eu sei que estou me apaixonando por Helô, e que você na minha vida foi só um pesadelo, um atraso, um castigo. Ela é uma mulher de verdade e merece o meu amor. Vou lhe dizer o que você me disse um dia: esqueça que eu existo.
-Um dia você vai se arrepender. Você ainda vai se arrastar aos meus pés.
-Não conte com isso. Eu vou indo, Luisa. Desejo boa sorte.
Eu saí e a deixei falando sozinha. Pela primeira vez eu encontrei Luisa e não senti nada. Eu me sentia leve e feliz. Estava curado daquela paixão que tanto mal me fez, que me fez passar por tantas humilhações. Eu sorria sozinho. Fechei os olhos e vi Helô, uma mulher forte, linda, verdadeira e que merece ser amada.
(Baseado no Acróstico “Não Olhe Mais Pra Mim” autoria de Moacir Rodrigues, a quem agradeço a sugestão de criar um conto a partir de seus versos)