NÃO APRENDI DIZER ADEUS
Entre suspiros e choros, no Dia de Finados, relembro com amor os que já partiram, deixando um pouco de si e levando um pouco de nós. Honrar cada pessoa querida que não está mais no plano terrestre, guardando toda memória positiva em nosso coração, pois a saudade eterniza a presença de quem se foi.
Às 06 da manhã de quarta-feira, caí na estrada com meu tio Luiz, rumo ao sítio da família. Decidimos sair cedo para evitar o sol na cara, mas o tempo denunciava que fosse chover a qualquer instante. Sempre gosto de acompanhar ele em suas andanças e quando me ligou na noite interior, não poderia ser diferente. Eu sentia saudades do interior e fazia um bom tempo que meus pés não entravam em contato com o solo rural. O lugar onde vivi os anos de glória da minha vida. Eu era feliz e não sabia.
Situado na divisa entre Altos e Campo Maior, na BR 343, nosso São Jorge guarda muitas recordações. Na Semana Santa, a família se reunia pra tomar banho nas águas geladas da Curva da Raposa. Conhecido pelo curto raio de curvatura, o local é palco de registro de vários acidentes, principalmente caminhões, e que muitos moradores próximos do local gostam de pescar. Meus tios mesmos faziam questão de pescar umas piabas pra comer fritinha com arroz branco. Quando tinha jogo na faveira, eu e meus primos gostávamos de ir na carroceria da F-1000 do papai e só voltávamos depois do bingo.
Assim que chegamos, o lugar parecia deserto. Imagens saudosas vieram em minha mente. No alpendre do casarão, meu avô Chico se balançando na rede com um leve toque dos pés no chão e minha avó Carmelita catando feijão, sentada no banquinho de madeira. Na segunda casa, o lugar onde morei com meus pais até os meus 7 anos, quando precisei morar na cidade para estudar. Lembrei quando circulávamos pelas ruas de Altos, capital da manga, e eu aprontava todas, pois nunca fui uma criança fácil de lidar. Todo mundo tinha medo de mim.
Na terceira casa, era o lar da minha tia Célia. Todo dia eu corria pra sua casa e foi lá que aprendi a gostar de café. Ela me servia numa xícara rosa e me dava livros pra riscar. Às vezes brincávamos de professora e eu esquecia de voltar pra casa.
Após o momento de reminiscência, a mesma surgiu na porta e foi atender a gente. tio Luiz perguntou se alguns familiares tinham ido fazer a visita fúnebre e ela confirmou. Era comum fazer visitas cedo da manhã para não correr o risco de apagar as velas. Já na cidade, tem gente que faz é roubar mesmo. Não perdoam nem os mortos.
Partimos rumo ao cemitério do Mirador, memorial aonde nossos entes queridos descansam em paz. Chegando lá, me emocionei aos encontrar as lapides da família Gomes. Uma mistura de amor, tristeza e saudade. Só Deus sabe o vazio que carrego no peito com a ausência deles. Alguns eu não conheci, mas certamente teria amado do mesmo jeito. Minha família é minha maior riqueza e sem ela meu mundo é tão sozinho.
Amada vovó Carmelita, que me ensinou as primeiras letras e hoje sou autora de minhas próprias criações. Amado vovô Chico Gomes, que trabalhou à vida toda para criar 12 filhos e hoje são homens e mulheres de bem. Amado Tio Zé, que já me fez rir muito com suas histórias inusitadas.... amado Tio Antônio que me acompanhava nas torcidas pelo Botafogo. Amado papai que me amou como a menina dos olhos de jabuticaba. Sim, eu choro. Choro porque amo. Quem vai não volta jamais, então finjo esquecer, mas o meu coração não.
Na volta, paramos na casa do Tio Neném. Irmão da minha avó, ele era como um avô pra mim. Há tempos eu não o via e sua idade já era bem avançada. Lá é um lugar tranquilo, sem barulho de carro donde as pessoas conversam sem ficar com a cara enfiada no celular. Encontramos alguns familiares (tios, irmãos e primos da mamãe) que se admiraram com meu tamanho. Alguns tinham me visto ainda criança. Tio Valdeci, que aonde ele vai, o Zé Filho vai atrás, contava as histórias do Tio Zé, que não parava quieto em lugar nenhum. Tio Dedé parecia que não envelhecia, sempre com a mesma aparência, a Socorrinha da madrinha Rosa me relembrava das flores que costumava levar pra ela. Desta vez eu tinha levado coisa melhor; uma caixa de bombom garoto. E o tio Luiz? nem queria ir embora. Mas coitado, tinha que trabalhar à noite.
Foi uma manhã agradável, todo mundo colocando o papo em dia. Nem parecia dia de Finados, mas sim uma semana Santa como antigamente. Compramos algumas cajuínas, como nos velhos tempos. Claro, a melhor bebida do Nordeste não podia faltar, né?
Voltamos para o São Jorge e almoçamos na casa da tia Célia. Tio Chiquinho estava lá e pudemos dialogar um pouco na varanda. Aquela tarde tranquila do meio-dia, o mato verdinho, até registrei uns clicks das flores presentes. Tive a oportunidade de recitar uma das minhas produções mais queridas, “De Volta Pro Aconchego”, que retrata um pouco do meu amor pela terra.
Eu tinha retornado a meu interior, ao sítio da família, ao lugar onde vivi parte da minha infância. Era pra ser um dia triste, mas foi um dia feliz. Eu reencontrei pessoas que eu amava e outras permanecem vivas no meu coração. Antes de regressar a Teresina, tirei uma foto do lugar, pois o fotógrafo tem a mesma missão do poeta: eternizar o momento que se passa.