Devolva-me a madrugada
Me rasga a garganta. Dilacera o pomo de Adão. Reminiscências são traiçoeiras na minha cabeça esses últimos dias. Lembranças levando a um tempo que não me sabia transtornada açoitando a minha mente trazem uma vontade enorme de ter sentimentos concretos e salgados brotando das entranhas.
Entrei no mais recôndito de minhas memórias mais esquecidas para aplacar dores inauditas. Ouço vozes, sinto os cheiros, lembro a porta entreaberta e a luminária acesa para que a madrugada me recebesse. Lembro de que aplaudia o pôr do sol, como se o visse pela primeira vez.
Queria arrancar de mim tudo isso, ensandecida e esquecida dos quintais mais doces que experimentei, mas quanto mais rezo, o rosário cresce. Engano os dias em tarefas comezinhas, mas vem a noite com seu manto bordando meu "horror vacui", com imagens tão distantes, quanto nítidas. Aquiesço vencida pela mente sã, quando lhe convém, mas atada em loucuras inconfessáveis.
Hoje soaria estranho ouvir antigos apelidos, alguns desde a adolescência e outros de pouco mais de uma década. Agora seria louco passar o fim de semana nua cozinhando o jantar desde a hora do almoço, saindo de casa, para não sucumbir ao desejo mais uma vez, já exauridas as forças.
Passeios, telefonemas, leituras, escritas, tudo longe do cotidiano, mas voltando à mente a cada mera distração. Não revejo fotografias. É desnecessário, já que a mente traz cenas vívidas. Basta olhar o nada, que bailam os momentos mais queridos na minha frente, como fantasmas.
Desnecessário reler cartas e pedidos escritos tanto com esmero,quanto com os dedos ágeis e que me arrancam suspiros. Arrebatada, suspiro fundo e trato de distrair a cabeça com qualquer coisa, que não sejam sonhos arrependidos.
Devolva-me a madrugada para dormir sem sonhos?