DOS AMORES INIMAGINADOS
Há sentimentos que não precisam ser vividos, diz ela divagando na hora do almoço, na mesa frente a minha no restaurante. Uma confissão que seria grave, se não fosse o clima chuvoso e bucólico, num início de tarde coberto pelas incertezas do tempo cinzento. Seu tom de voz, embora baixo e calmo, revelara algo até então só dela, trancado no fundo de uma caixa esquecida. Estava acompanhada. Mas, de uma figura aparentemente tão distante quanto eu. Ele só se deu conta quando ela suspirou, revelando que nem tudo é tácito e palpável, a ponto de se tornar realidade e mudar a vida de repente. Para quê, se tudo está tão normal?
Eles se entreolham e riem das coincidências de suas vidas. E eu, platônica, percebo quão inimagináveis são os pensamentos de quem apenas ama, sem nada exigir em troca. Nem mesmo ser amado de volta. Porque não é para ser, é tão somente para sentir, imaginar como seria se. Nada impediria, todos os caminhos estariam abertos e a gente correria livre, numa única direção, sem precisar dar explicações, sem viver atormentado pela culpa de ter escolhido algo ou alguém tão irreal. As fantasias são boas, mas assustam.
É perigoso ser descoberto num dia assim, em que a chuva e o frio seduzem, e há passado ainda presente cobrando respostas, mas ainda não é o tempo de arriscar perder a vida que escolhemos. Agora eles apenas almoçam, num pacto silencioso de quem sabe um do outro e por isso mesmo se entendem tão bem.