UMA LINDA MULHER
Toques repetidos, de macias mãos, fizeram-me abrir aquela porta. É verdade que hesitei um pouco antes de abri-la. Afinal, podia ser apenas alucinação de um coração envolto, há anos, numa utópica espera.
Olhei para o velho relógio de madeira, cujos ponteiros marcavam cinco e dez. Mas, em sã consciência, quem estaria batendo em minha porta naquela hora da manhã?
Deslizei levemente, sobre a mesa, a minha velha máquina de escrever. Apanhei meus óculos, que estáticos ao lado da velha máquina, pareciam verdadeiros críticos daquele conto que eu estava tentando escrever. Dei dois leves sopros em suas lentes e fixei-os ante meus olhos... Olhos que, há vários anos, perderam o brilho.
Os toques se repetiram,desta vez mais fortes, o que parecia demonstrar certa impaciência. A possível impaciência daqueles toques, de certa forma, deixou-me irritado. Gritei: - Já vou!
Empurrei a cadeira, na qual sentava, sob a mesa.
Caminhei rapidamente, fazendo soar meus passos sobre o piso de assoalho. Chequei até a porta, dei duas voltas na chave, e puxando a maçaneta, o rangido da porta fez-se ouvir, enquanto esta se arrastava pelo piso já sem brilho, mais parecido com chão batido, tão tomado estava pela poeira.
E, então, um misto de anjo e mulher, envolto num brilho divino, sorriu para mim, num sorriso tão doce como uma noite de luar, junto a um brilho angelical em seus lindos olhos verdes, meio mata e meio mar.
Com o canto dos olhos, percebi meus fantasmas indo embora.
Ainda emudecido, permiti que aquele anjo e a felicidade entrassem de mãos dadas... Inteiras.
Enquanto ouvia o leve toque de seus passos sobre o assoalho, rapidamente eu tentava dar um fim na poeira. Juntei as caídas cadeiras. Espantei os fantasmas de vidro que ainda restavam, verdadeiros beberrões de minh’alma, os repetidos copos vazios, que faziam companhia ás repetidas garrafas, na outra metade da pesada mesa. Mesa, onde eu deixava-me invadir pelas madrugadas, junto à velha máquina de escrever, escrevendo, ou tentando rescrever a minha história,
Desesperadamente, abri as janelas. Janelas, que ha tempo eu não mais abria. O meu coração sorria. E, percebi que lá fora, naquela manhã, o mundo também sorria.
Ao tentar virar-me para aquele anjo mulher, percebi o toque de suas mãos sobre meus ombros. E, ao virar-me, senti o toque de suas macias mãos no meu rosto. Deixei-me inebriar pelos olhos verdes, meio mata e meio mar, pelos lábios feitos de pétalas de rosas vermelhas. E, o beijo apaixonado, mais doce, mais esperado, finalmente acontecia.
E, desde aquela manhã, acabou por acontecer todas as manhãs, todas as tardes, todas as noites... Todos os dias.
E, desde então, meu coração, choupana antes fechada, fez-se aberto e liberto, sem os fantasmas de vidro por perto;
Raios de sol entram pela janela. E, a porta escancarada, agora revela: Uma linda mulher invadiu o meu coração, a minh’alma... A minha vida.
E, uma pergunta, certamente, ecoa pelos arredores: “Uma linda mulher... Mas, quem será ela?”.