PASSOS PARA A ESCURIDÃO.
Depois de um dia exaustivo na fábrica, Marcos caminha a passos largos, ligeiramente feliz. Diferente de outros finais de tarde, onde até o caminhar era um fardo, qual um moleque, chuta as pedrinhas da calçada, e com a mão direita puxa algumas folhas das árvores sob as quais vai passando.
A expectativa é tanta. Afinal, conseguira de Roberto, o novo companheiro de fábrica, que viera transferido de Mato Grosso do Sul, o número do celular de Elizabeth.
De repente, ao colocar a mão no bolso, Marcos lembra que precisa passar na farmácia para comprar mais uma caixa de Fluoxetina. Dobra a esquina, e ao entrar na farmácia já encontra o senhor Lindolfo, farmacêutico antigo que, depois de um largo sorriso, pergunta:
- Olá, meu amigo Marcos! Como é que você está?
- Hoje eu estou melhor seu Lindolfo, graças a Deus!
Então, Marcos, retira a receita do bolso, e pede uma caixa de fluoxetina.
O farmacêutico Lindolfo, enquanto retorna com o medicamento, comenta:
-Olha, meu amigo, estou percebendo nos teus olhos um brilho mais do que especial neste dia.
Marcos sorri e, enquanto passa o cartão de débito na maquineta, comenta com Seu Lindolfo:
- Pois é, Seu Lindolfo! Hoje, estou numa expectativa enorme. Reza por mim, Seu Lindolfo, para que este dia acabe realmente muito bem!
Lindolfo preferiu nada comentar. Para ele bastava a felicidade do amigo.
Marcos despede-se do farmacêutico e retoma sua caminhada. Enquanto caminha, recorda os momentos, e os anos felizes, nos quais viveu com Elizabeth. Recorda quão maravilhosa era Elizabeth. Olhos verdes, cabelos levemente encaracolados, um sorriso angelical, uma voz doce e um verdadeiro anjo em pessoa.
Traz em sua consciência o peso da culpa, e o seu coração a isenta totalmente pela separação. Sabe, o quão difícil foi para Elizabeth tomar aquela decisão, pois ela também o amava.
Cinco anos já se passaram desde a separação, sem que ele a visse uma única vez. Nesse tempo, escreveu para Elizabeth mais ou menos oito cartas, e de nenhuma delas obteve resposta. E a última carta já faz quase dois anos que escreveu.
De Elizabeth, ele apenas sabia que estava em Mato Grosso do Sul. E, pelo tempo que faz que ele escreveu a última carta, talvez ela tenha mudado de endereço.
Mas, agora com a chegada de Roberto, primo de Elizabeth, ele tem nas mãos o número do seu telefone. E, se Roberto passou-lhe o telefone de Elizabeth, é bem provável que ela não o tenha esquecido. Pois, se assim o fosse, Roberto não o teria passado...Murmura o coração de Marcos.
Na mente de Marcos passa um filme, que faz acelerar o coração, sem contar que a caminhada já estava deixando-o ofegante
Nos últimos meses, Marcos teve a saúde debilitada. Passou por uma Pneumonia, e agora faz tratamento de uma depressão, causada pelo peso da culpa, pela solidão, pelas cartas sem respostas, e pelo amor que ainda sente por Elizabeth.
Agora está eufórico. Abre a porta da casa, entra, e ligeiramente senta-se no sofá. Abre a carteira e pega o papel onde Roberto anotou o número do telefone de Elizabeth.
A sala está escura. A lâmpada queimada ontem, ainda não fora trocada, e a lâmpada nova, ainda dentro da caixa, estava sobre a mesa.
Mas, Marcos, tinha algo muito especial a fazer, antes de trocar aquela lâmpada. Com o número do telefone na mão esquerda, com a direita desbloqueia o celular e insere o número do telefone de Elizabeth em novos contatos.
Tudo inserido e atualizado, Marcos, as 19:43 hs, abre o WhatsApp e escreve:
-Querida, eu jamais deixei de te amar. Estou ciente do quanto errei contigo ao trair-te. Já pedi perdão, já escrevi oito cartas, e de nenhuma delas obtive resposta. Elizabeth, eu te amo! Você é o amor da minha vida. Acho que eu mereço uma chance. Juro, pelo que há de mais sagrado, que tudo será diferente. Só te peço uma coisa: Responda-me! E, te prometo: Se a resposta for "Não", ou se assim como as cartas eu não tiver resposta... Nunca mais vou incomodar-te! Um beijo, meu eterno amor!
Depois de enviar a mensagem, Marcos senta-se no sofá e, forçando um pé contra o outro, retira seus sapatos. Puxando uma das almofadas, solta seu corpo para um rápido descanso, enquanto aguarda ansiosamente por uma possível resposta de Elizabeth.
Os minutos passam, e Marcos acaba por adormecer, e trinta minutos depois acorda assustado, naquela sala ainda mais escura.
Ligeiramente, pega o celular, e percebe que sua mensagem foi lida por Elizabeth. Mas, nenhuma resposta lhe fora enviada.
Marcos percebe o coração acelerar, e por um instante sente vontade arremessar o celular contra a parede. Chega a levantar a mão para o ato. Mas, segura o impulso. Afinal, esperaria pela mensagem de Elizabeth.
Então, ainda ofegante e ligeiramente alterado, coloca o celular sobre a mesa que havia no canto da sala. Abre a porta, e percorre o corredor ao lado da casa, em direção a velho barracão de madeira que havia no fundo do quintal, em busca de uma escada para poder trocar a lâmpada queimada.
Ainda transtornado pela falta de resposta de Elizabeth, entra no barracão procurando a escada. Tropeça numa das latas de tinta ainda lacrada, que comprara para pintar a casa. Pintura esta adiada por várias vezes, durante os seis últimos meses. Sentindo dores na perna pela batida balbucia alguns xingamentos, e avista a escada que traz um de seus caibros envolvidos por várias voltas de uma corda.
Enquanto desvencilha a escada daquela corda, o celular de Marcos vibra lá na sala, pela chegada da mensagem de Elizabeth, que assim dizia:
-Meu querido, único e eterno amor, amanhã, em torno das 14:30 hs, nos encontraremos. Nós merecemos uma nova e eterna chance, que nem a morte irá desfazer. Saio de Mato Grosso do Sul as 5:30 hs da manhã. Envio uma mensagem quando estiver na cidade mais próxima. Até lá, meu amor. Um beijo de sua Elisabeth. Boa Noite!
Mas, já é tarde. No barracão, pendurado numa das vigas pela corda, o corpo de Marcos sente os últimos espasmos. A escuridão já se faz total.
No dia seguinte, às 15 hs, Elizabeth acompanhou, junto a algumas dezenas de pessoas, o cortejo e o funeral de Marcos, seu querido, seu único e eterno amor.