Amar para viver
Só morava nele a saudade de ter saudades d'alguma coisa.
O coração já não sentia, e batia só a doer. O sangue bombardeava-lhe as veias, porque não era sangue, eram litros de desgraça, o que lhe despertou a vontade de estar dentro, ainda que uma única vez, daquela mulher.
A tesão era maior do que ele poderia perceber sobre fornicação. Tão colossal quanto miúda, era a intenção de sumir. Ficar para alimentar a fome de comer carne humana, desaparecer por não saber o que ainda fazia vivo.
Aquela mulher já não existia. Foi violada tantas vezes que não restou mais vagina para deliciar-se com o sexo. Morreu numa madrugada, a dar à luz um filho, cujo rosto é dum pai de quem jamais se viu rosto:
O pai que chega de mansinho com uma máscara preta, mas já não quer ser carinhoso, apenas dormir. Arranca as cuecas da mulher, rasga a blusa, beija o rosto, despe a sua inocência com os seus dedos grossos e duros. Abre as botões das calças com uma arma na mão, carregada de balas e prontas a sair pelo cano, disparadas a matar a virgindade da sua não barregã.
A vítima não poderia cantar melodias de socorro, tinha apenas que sentir o seu pénis vagabundo a penetrar o clitóride por repetidas vezes.
Ele então decidiu esquecer o seu pensar em fazer mulher quem já não o era mais. Tantas vezes imaginou-se em cima dela, como dois apaixonados, ocupados no ofício de dois animais que se sentem atraídos. E naquele dia, com o seu bastão, quis bater de frente com as terras húmidas da fêmea dos seus sonhos.
Infelizmente, tudo a história levou e a realidade sempre dura desconquistou o seu querer, mas isso lhe passara, pois a ferida antiga que carregava não conseguiu substituir.
Acreditava descobrir, afogados nos lençóis, desnudos e aquecendo um ao outro, uma bela razão para continuar a caminhada.
Só não sabia ainda que o amor não salva, é o "amar" que magica tudo. Mas quem ele poderia mais amar senão o filho que dela nasceu?