A menina do bus

Todos os dias era a mesma rotina: pegar o busão que me levava à universidade. Quase não dava tempo nem de escovar os dentes. Era de costume ler um pouco a caminho ou ouvir as minhas cinco músicas de sempre. Mas não era todo dia que isso me acontecia! Vestida de preto dos pés à cabeça, carregando uma mochila e um violão, sentou ao meu lado e sorriu discretamente sem abrir os lábios.

- Quem é ela? Devo perguntar algo? Não! --- _ - Claro que não!

Continuei a ler meu livro, mas diminui o volume da música. Caso ela falasse ou até mesmo sussurrasse alguma palavra eu seria capaz de ouvir. Tirei o fone de ouvidos, para que captasse que não havia mais som naquele momento, a não ser a voz dos meus pensamentos gritando sem parar:

- Quem é você?

Por um instante me perdi no capítulo. Onde estava? Não sabia! Apenas me deixava levar pelo ar da menina do bus, que respirava ofegante, agora de olhos fechados tentando dormir. Parece estar cansada ou com certeza não é dessas que acorda cedo.

- Hum! Te entendo. Também não curto sair da cama a essa hora, mas em nome de um sonho perdemos o sono!

Tremi quando sua cabeça caiu em meu ombro direito. Ela estava dormindo.... Não me movi um só segundo, para não perder a incrível sensação de tê-la ao meu lado, embora soubesse que a qualquer momento podia acordar assustada e pedir desculpas. Seus ruivos cabelos exalavam um cheiro tão bom que me hipnotizara, me levando a crer que já nos conhecíamos há muito tempo e, por um instante cheguei a afirmar que era a minha namorada. Suava frio!

Em seus pés estava o violão, protegido por uma capa que combinava fielmente com o Luke daquela manhã. Estava maquiada e seus cílios eram nitidamente postiços. Que se danem os cílios postiços, seus olhos eram belos por natureza e tinha a boca avermelhada , como se fosse uma tintura feita a lápis. Bochechas tão rosadas, seu corpo era uma escultura renascentista. Uma ampulheta segura de si, ciente do seu próprio tempo. Mas muito além de curvas ela era alma, seu olhar era a janela do seu misterioso ser.

Já era hora de dizer adeus, o bus logo chegaria a minha estação de todos os dias. Mas o que fazer nesses momentos que a gente quer que nunca acabe? Não queria que partisse, sem pelo menos dizer seu nome. Não poderia!

Minutos antes da minha parada ela acordou, envergonhada não disse nada, e depressa desceu. Corri até a janela do bus, mas ela já tinha pegado o próximo. Que bobo fui, por que não disse nada.... Lá se foi a menina do bus. A última vez que a vi estava cantando em um barzinho tentando ganhar a vida como cantora. Trocamos telefone, mas não deu em nada. Ela não estava a fim e descobri que éramos excessivamente diferentes. Foi quando me dei conta que essa velha teoria de que os opostos se atraem nem sempre dá certo, talvez só na física funcione. Então simplesmente toquei a viagem. Nesse percurso conheci Clara, a menina do refeitório de sorriso radiante, com ela o amor veio divagar!

Tempos depois, soube que a menina do bus estava comprometida e havia formado uma banda , tinha até um bus com sua foto gigantesca. Sua voz inconfundível agora tocava em todo o país.