FLASHBACK

Ele era romântico. Sabia valorizar, dizia, fixando o olhar, um bom flashback e, pelo termo em inglês, evidenciava-se a boa formação. A pronúncia um tanto exótica podia ser explicada pela cerveja, assim como os olhos de ambos, já ganhando tons vermelhos. Estavam ali há algum tempo no barzinho, bebendo sob a luz do luar e achando assuntos ainda novos a animar o encontro, prenúncio de que em breve, estariam a sós, num quarto... Ele lhe segurava as mãos. Ela se fazia de cândida, porque são sempre cândidos os corações dos que se deixam apaixonar, mesmo quando a paixão só dure precárias horas. Noite de céu sem nuvens, nada a embaçar a luz e as exalações lunares. Principiaram a discutir política, ambos convictos como militantes de oposição ao governo. Ele cirista, por ainda encontrar no partido referência à figura do velho Brizola, devoção herdada do pai. Ela petista, jovem demais para saber quem fora Brizola, de que a escola já não falava, ainda mais agora que minguaram as aulas de história. De qualquer modo, evitavam ambos salientar as diferenças de suas adesões. Ela, precavida, não tocaria de modo algum na velha mágoa, a de que o candidato do moço fugira para Paris num momento decisivo em que a esquerda convocava união. Ele, atento, evitaria dizer que o erro foi a esquerda não ter votado massivamente em seu candidato. Se tivesse ido para o segundo turno, não estariam todos nesse buraco sem fundo. Mudaram de assunto. Em vez de flashback, concentraram-se no presente e em alguma esperança. Se houver amor, não será pela política, mas por culpa da lua.