Sobrou Amor, Faltou Atitude

Desde os tempos de colégio eu conhecia Lorena. Ela era uma linda garota que chamava a atenção dos rapazes. Lá na década de 1970, em cidades pequenas como a nossa, as garotas sérias eram recatadas e tímidas. Enrubesciam com os ousados olhares dos caras que as admiravam. Ela não era exceção. Sempre muito séria e compenetrada, era estudiosa e aplicada.

Eu era um pouco mais velho que ela, mas como sempre fui muito malandro nos estudos, estava umas duas séries atrás dela. Mas sempre a via na chegada e na saída. Eu também a devorava com os olhos e sonhava com aquela garota de rosto perfeito e corpo escultural. Tudo nela era perfeito, cabelos, sorriso, rosto, corpo, seu caminhar encantador e até o seu jeito tímido e desconcertado diante dos olhares provocativos.

Eu nunca tive coragem de me aproximar dela e ela nunca me incentivou.

O tempo passou e ela terminou os estudos no colégio e eu a perdi de vista e aquela atração ficou no passado.

Anos depois eu me formei químico e fui trabalhar em uma indústria química em uma cidade próxima à nossa. Logo no primeiro dia tive uma surpresa. A minha chefe era a engenheira química, Lorena.

A princípio não me senti muito confortável com a situação. Nem sabia como me comportar.

Ela se tornara uma bela mulher, já não tinha mais a timidez dos tempos do colégio e me recebeu com seu belo sorriso. A gente se apresentou e pela primeira vez falamos um com o outro e me senti a vontade pois ela era muito simpática.

Aos poucos fomos nos tornando amigos, mas de minha parte rolava muito mais que uma amizade. Eu fui me apaixonando por ela, mas não tinha coragem de falar de meus sentimentos.

Eu sempre fui meio acomodado e nunca tive muita atitude. Ela era uma mulher decidida, independente e sabia ir à luta pelo que queria. E ela sempre queria mais. Mais conhecimentos, mais sucesso profissional, mais sonhos, mais vida e alegria. E eu sentia que ela era muito pra mim ou que eu era muito pouco pra ela. E cada vez eu a admirava mais e a amava mais. E ficava na minha, só na amizade com a mulher que eu amava. Muitas vezes ela me convidava para sairmos pra nos divertir. Sempre saíamos em turma.

Um dia em uma festa, tocou uma música e ela me disse:

-Amo esta música. Dança comigo?

Eu fui dançar com ela. Sentir seu corpo junto ao meu só confirmou o meu sentimento por ela. E eu ousei e a beijei. Mas ficamos tão sem graça com a situação que não falamos mais nada.

O tempo passou e ela teve uma promoção e foi trabalhar em uma filial da empresa. Mas continuávamos amigos.

Então aconteceu o que eu mais temia. Ela começou a namorar um outro homem.

O namoro foi ficando sério. E eu ficava pra morrer vendo ela com aquele intruso.

Acabei conhecendo uma garota e começamos namorar também. Pensava que o ditado “um amor mata o outro” funcionava. Mas a realidade não era bem assim.

Quando ela se casou eu me senti profundamente triste e derrotado. Fui derrotado sem ao menos lutar. Ficava pensando que podia pelo menos ter tentado, podia ter declarado meu amor. O máximo que aconteceria era receber um não. Eu estava tão triste naquele dia e minha namorada, que sentia um ciúme doentio de Lorena, estava exultante, nem conseguia esconder sua alegria. E isso me deixara ainda pior e irritado.

Tempos depois eu também me casei. Eu sempre gostei da minha esposa. A gente sempre viveu bem.

Muitas vezes pela vida eu me encontrei com Lorena. Ela conversava comigo como amigo e eu disfarçava aquele amor que não morreu nunca. Muitas vezes tinha a impressão que ela sabia do meu amor.

Passados alguns anos Lorena se separou do marido. Ela que nunca aceitou menos que a plenitude em tudo que fazia e vivia, não aceitou viver com uma pessoa que se satisfazia e oferecia metades e migalhas.

Ela estava livre, sozinha e eu estava casado com uma mulher maravilhosa, companheira, carinhosa, que tentava fazer de mim um homem melhor. E eu gostava tanto dela, mas nunca pude dizer que a amava.

Eu continuava achando que era muito pouco para a exuberância de Lorena. Aquela mulher plena, inteira, bem resolvida, cheia de atitude e coragem na realidade sempre me intimidou e amedrontou.

Eu continuei pela vida sempre no mesmo emprego sem nunca evoluir, sem sonhar ou ousar voos mais altos.

Vivi meu casamento e posso dizer que minha esposa sempre foi um conforto e alento pra mim. O amor que sempre senti por Lorena nunca interferiu. Ele ficou latente dentro de mim e eu pouco a via.

Agora estou gravemente doente. Não sei se vou me recuperar. Mais de trinta anos se passaram. Eu tento rever minha vida. Como em um filme, todos esses anos passam por meus pensamentos.

Tanto tempo tem que não vejo Lorena, mas se fecho os olhos a vejo sorrindo pra mim. Algumas vezes me arrependo de não ter sido mais ousado, de não ter lutado pelo amor da minha vida.

Mas aí olho para a minha esposa e sinto que vivi exatamente o que era pra mim. Somos tão iguais, sempre nos contentamos com o que a vida nos ofereceu sem nunca sonhar alto.

Por muitos dias estive acamado. No dia em que pude sair de casa quis ver Lorena mais uma vez.

Não pensava em falar com ela. Apenas a olhar de longe. Mas ela me viu e veio com o sorrisão de sempre falar comigo. Ela se assustou ao me ver tão debilitado e eu não queria que ela me visse assim e nem que sentisse pena de mim.

Conversamos por um tempo. Falamos dela, de mim, do passado.

Por fim ela me disse que a vida poderia ter sido diferente, mas que eu nunca a vi como mulher, que sempre a tratei como amiga.

Eu não resisti e disse que eu sempre a vi como a mulher que eu amei intensamente.

Ela me abraçou e chorou. Não sei se pelo que deixamos de viver ou por me ver tão fragilizado.

Ficamos ali nos olhando como se fosse pela última vez, como se imaginando o que seria nossas vidas se tivéssemos nos declarado um ao outro.

Sempre que o silêncio impera onde deveria haver diálogo e sinceridade nas palavras a gente deixa escapar os sonhos e as oportunidades.

Entre nós sobrou amor e faltou atitude.

Ao nos despedirmos, nos abraçamos e choramos. Lamentamos o que não foi.

Eu saí caminhando devagar. Ela se foi.

Voltei para o meu mundo, para a minha casa, para a minha esposa que tanto bem me fez todos esses anos.

O meu lugar é ao lado dela.

Os sonhos, o amor por Lorena ficaram e ficarão guardados bem no fundo da alma enquanto eu viver… E quem sabe eu os levarei para a eternidade…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 10/06/2022
Reeditado em 10/06/2022
Código do texto: T7534944
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