Último Desejo
Aos 82 anos Jurandir se sentia solitário e desiludido do amor, mas queria abraçar alguém, mesmo que em fantasia. Em seus devaneios viajou aos seios de Aurélia, então uma jovem de 17 anos, sua primeira namorada.
De cabelos longos, ainda estava guardada em sua mente a noite em que cheia de desejos, abrira vagarosamente os botões da blusa ofertando-lhe os pequenos e entumecidos seios, estava nervosa e tinha a face vermelha como uma brasa. Estes seios foram seus por anos.
Um dia, 40 anos depois, encontrou Aurélia e nada mais lhe restara da linda menina, tivera uma vida dura que somado ao envelhecimento normal lhe deformara cruelmente. Agora levava uma cabeleira curtinha e mal pintada com cores esdrúxulas, faltavam-lhe alguns dentes da frente, o lábio inferior esquerdo houvera caído, como beijar uma pessoa deste jeito.
Assim, morreu o desejo de abraçar e beijar Aurélia.
Continuando a viagem mental para satisfazer sua fantasia de abraçar um corpo feminino, desfilaram outras figuras de seu passado amoroso.
Núbia! Como estaria? Será que voltou a ter relações sexuais com o marido? Saudade de Núbia, amor pecaminoso, mas muito gostoso, tinha dois filhos, teria uns 30 anos quando tudo começou, foram 10 anos de muito amor, mas ela deveria ficar com o marido, mas seguro, assim o fez.
Encontrara Núbia meses atrás num shopping. Gorda feito uma porca, seus braços não conseguiriam abraçá-la, sua cara gorda não lhe seduzia ao beijo, ancas descomunais. Quanta transformação meu Deus!
Sentado em sua cadeira de balanço contemplava o mar, quando de repente, eis que lhe vem à mente a bela Leila, sua musa inspiradora e portadora de doces lembranças.
Quando a conheceu ela deveria ter uns 27 anos, morena de lábios finos e delicado sorriso, era caixa de um banco onde Jurandir era cliente, todos a queriam ardorosamente, todos a louvavam, todos tinham tesão na Leila. Um dia Jurandir a brindou com um cartão de natal onde dizia ser ela: bonita, inteligente, sensível e simpática.
Ela adorou e no dia seguinte, ao Jurandir chegar no seu caixa, soletrou para ele: te amo. Foi um momento de grande emoção, mas ele estava casado e com um filho de 2 anos. Melhor não. Logo ela desapareceu do banco, dizem que se casou, nunca mais foi vista por Jurandir.
Lhe foi bom lembrar da Leila, a beleza que fugiu, não se modificou em sua mente, continuava bela como nos anos 80, a sua doce visão não fora maculada e a ela Jurandir se apegou.
Serviu-se de um cálice de vinho tinto e com ela brindou o reencontro, abraçou-a ternamente e beijou-a nos lábios finos, viajaram felizes, passaram fantásticos dias na Itália, sempre fora seu desejo visitar a Toscana junto com a mulher amada.
Serviu-se de mais um cálice de vinho tinto italiano e começou a dançar com Leila, ela colocou uma das mãos a acariciar seu pescoço e sua sensualidade dominou esses últimos minutos.
Logo o cálice caiu-lhe das mãos e quebrou-se, o corpo de Jurandir ficou pendente na cadeira de balanço, anunciando a sua última fantasia.
Luís Bacelar Vidal