TEST DRIVE
Rosa andava macambúzia, sorumbática, melancólica etc. como ficam as pessoas efetivamente apaixonadas quando a relação chega ao fim. Do nada, uma palavra imprópria e o amado some no mundo para nunca mais. É possível que o amado nem fosse tão amante, porque é da natureza do amor a insistência a despeito de todos os revezes. Ou porque a eternidade para essa história de amor fosse mesmo breve, a intensidade, ao menos para um, não acompanhada da extensidade da duração dos anos, velhinhos na varanda, mãos dadas, espiando o tempo parado, motononamente unidos até que Deus levasse um ou outro. Antes que chegasse o tempo das fraldas geriátricas, o cidadão partiu, tomou rumo, foi-se sem olhar para trás, nenhum arrependimento, nada.
Tanto sofrimento pode ser privilégio, talvez, para ter narrativa, para lembrar mais tarde com graça o tempo de desperdício em lágrimas e desencanto. Enquanto durou o seu tempo, servira para fazer o coração errar o ritmo das certezas, ruptura na rotina insípida dos dias e noites. O saldo, afinal, é sempre positivo, coisa de que não se apercebe o que está em desespero de amor. Há os que pulam da ponte, é certo. Mas este não era o caso. No fundo no fundo, Rosa tinha esperanças de amor.
Para encurtar as agruras, há as amigas que vêm em socorro e Rosa tinha Eulália, que tinha um amigo. Professor universitário, com uns cinquenta e tantos anos, divorciado-solteiro-abandonado, livre. Combinou o encontro para um sábado. Seria tiro e queda: um amor sucedendo o primeiro, espantando dores. O sujeito enviou e-mail. Formalíssimo, parecia escrever ofício ou memorando. Riu e desculpou a falta de jeito com o gênero. Não eram, afinal, todos os com talento para missivas de sedução. Titubeou na resposta. Talvez devesse chamá-lo de Vossa Senhoria.
Na hora H, conforme o combinado, Rosa preferiu ficar em casa, de camisola, vendo TV, a noite toda de sábado acompanhando filme após filme, a dor distraindo-se de vez em quando para voltar novamente a doer depois. Vira todos os Rambos. Não cabia em seu repertório nenhuma comédia romântica com mocinhas saltitantes. Rosa já chegava aos cinquenta e era impaciente com mocinhos. Também não queria filmes inteligentes, desses que fizessem pensar e sofrer. Contentava-se obstinada com a ação pela ação, tiro daqui e dali, o herói sozinho voltando dos embates com a mesma cara com que foi, escapando de toda a destruição que deixara para trás, os lugares comuns, o enlatado enlatado que elege gente da América Latina, da Ásia ou da África como inimigo para o americano solitário e infeliz vencer vencer vencer.
Passaram-se os dias, o sofrimento ainda se arrastava, mas Eulália sumira. Rosa estranhou o silêncio e o sumiço, enviando repetidamente mensagens para Eulália. Eulália nada. Eulália estranhamente misteriosa, discretíssima nos tudo bem, beleza e aí. Rosa intrigava-se com o tom, insistia. A amiga, depois de um tempo, disse que deveriam conversar, que a questão era séria e punha em risco a amizade de anos. Rosa curiosa de tanta prosa aguardou o encontro.
Eulália chegou num domingo à tarde, sem graça, informando: resolvera fazer um test drive. O moço prometido, afinal, valia a pena. Contou detalhes do encontro. Rosa riu muito. Já tinha programado outra sessão de cinema. Aquele amor terrível que a fazia sofrer? Um dia acabou.