Perder às vezes não dói
O sol brilhava tímido, prestes a sair de cena, naquele final de tarde de abril. Nem de longe seria escolhido como um mês romântico, no máximo religioso, sem receber comentários em quase nenhum livro que li. Algumas coisas são mais simples na vida do que na literatura.
Subi a rua como de costume: coração acelerado, uma mão suando no bolso e a outra ele insistia em segurar. Nunca havia conhecido alguém tão insistente quanto eu, até que ele apareceu. Há menos de duas semanas nos vimos pela primeira vez, agora estávamos na sexta. Caminhávamos juntos em silêncio, cheios de palavras pairando, mas sem nenhuma sair de nossas bocas.
Sempre fui intenso nas relações, o que liga demais, que fala demais, que pede para ficar. Todos os meus relacionamentos acabaram por esta mesma razão, quase que na mesma cena cômica de “não é você, sou eu” que termina com um homem batendo a porta ao fechar e eu sozinho encarando a parede. Decorei cada falha na pintura, cada entalhe errado da porta, enquanto processava os vários finais que não pareciam fazer sentido, como se todas as pessoas chegassem à mesma conclusão: muito de mim cansa, muito de mim faz querer se afastar. Afoguei cada um de meus ex com meu excesso de presença, assisti cada um deles se encontrarem com outros corpos com mais facilidade. Nunca me passou pela cabeça existir alguém que quisesse tanto quanto eu estar junto, até agora.
Quase me arrependi de ter escolhido o mesmo jeans e a mesma blusa de botão com regata embaixo ao vê-lo chegar tão radiante, cheio de juventude e dizer que passaríamos a tarde juntos. Sentado ao lado só conseguia pensar em como alguém tão cheio de brilho poderia estar gastando uma tarde no meu sofá antigo, assistindo as mesmas séries de sempre como se fosse a primeira vez. Nenhuma de minhas inseguranças mudava querer que ele ficasse mais, talvez sempre. Entretanto, pouco antes de o relógio marcar as seis da tarde o vi dar sinais de que iria embora, abruptamente, e como de costume acompanhei.
A despedida era na mesma esquina, em que ele pegava o caminho de casa e eu voltava para a minha, mas havia uma tensão distinta quando senti que nossas mãos não se soltaram. Chegamos no ponto de rompimento, onde ele me diz adeus com olhos tristes, mas ele não o fez. Encarava os pés, o trânsito fraco e as luzes dos postes que já se acendiam. Eu mordia a parte de dentro das bochechas, nervoso com essa demora ao despedir, prevendo todo tipo de desgraça movido por ansiedade.
O céu laranja com alguns tons marrons, já escurecendo, não me dava tranquilidade diante da pequena eternidade que demorava uma despedida que deveria ter sido corriqueira. Deveria. Foi quando rompeu nosso silêncio barulhento e, me olhando cheios de dúvidas, disse:
“E se a partir de agora formos só nós dois, sabe? Sem mais ninguém?”
Engasguei em vários “sim” e apenas sinalizei positivamente com a cabeça.
Ele foi embora, eu o vi se afastar lentamente enquanto uma risada se formava em meu peito e logo depois em minha boca. Sempre pensei ser o mais intenso dos relacionamentos, tanto que planejei o pedir em namoro daqui a três meses, e agora estava rindo alto porque esse garoto surgido do nada havia ganhado a corrida.
Perdi meu posto e nunca fiquei tão feliz em perder.