champagne problems

As ruas comentam em tom de segredo, sussurros tímidos levados pelo vento, remontando a cena em que te deixei sem palavras a dizer. No nosso lugar tradicional, bem abaixo das luzes de fim de tarde, na confusão sonora do trânsito.

Te vi chegar com a mandíbula tensa, ansioso, e por alguma razão senti que algo viria em definitivo. Me pegava constantemente tentando prever seus passos a partir da forma que fechava os olhos, cerrava os punhos ou tencionava o rosto. Me adaptei rapidamente a presumir suas palavras, a fugir de suas perguntas, porém nem sempre funcionou. Este foi um destes dias.

As árvores balançavam e compunham a visão de você parado, como se todo o movimento delas compensasse a sua tensão. Os olhos não se dirigiram a mim, mas buscaram repouso em algum lugar próximo à estação bem longe. O sol tocou o topo do museu e você tocou minha mão com cuidado e pressa, somente aí senti seu olhar tocar a minha pele. Não ousei retribuir, temia que algo viria daí sem poder fugir como tantas vezes antes. Senti em seu toque a insistência, o chamado por um olhar e somente aí cedi. Te ver era ser obrigada a encarar seu queixo quadrado, suas sobrancelhas cheias, o lábio inferior tremendo e os olhos cheios de perguntas. Sempre gostei mais de te olhar do que te ouvir, por algum motivo gostava da dúvida que só existia nas suas íris castanhas e não na sua voz. O timbre hesitante surgia gradualmente, contando a nossa história como se eu não houvesse vivido, fazendo um prólogo para a próxima parte.

Senti surgirem com rapidez lembranças das últimas semanas, todas as perguntas, olhares de terceiros, preparativos para algo que não havia ouvido falar ainda.

Ainda.

Joelho no chão sujo, carros passando perto demais para te ouvir, mas os olhos castanhos dizem tudo. Ouvi a pergunta escorrer da sua boca com dificuldade. Às vezes você não sabe a resposta até que alguém fique de joelhos e pergunte.

Consigo ouvir os comentários futuros, bem antes da minha resposta, de como foi uma má ideia ter escolhido este lugar esta hora; ouço até mesmo o que vão dizer da garota que foi embora depois de uma grande chance.

Meus olhos escuros diretamente ligados aos seus, a pausa entre a pergunta e a resposta que não veio suspensa no ar, a expectativa quebrada tão violentamente que se tornou quase audível. Aprendi a ler o suficiente de seus sinais para saber que não poderia te dar a palavra que quis ouvir, te observei tempo o bastante para não conseguir ao menos inventar uma desculpa. Me despedi enquanto uma pequena multidão nos via, enquanto julgavam a garota estranha que deixou um homem de joelhos em plena praça. Você pintou a tela, eu rasguei.

Imaginei várias vezes seus lábios trêmulos enquanto contava à sua mãe sobre o que aconteceu com o sonho, o que se deu do grande evento que planejaram. Ela abraçaria seus medos e cuidaria de suas dúvidas até que tivesse forças para encontrar outra pessoa, uma que não vá embora quando se ajoelhar na praça segurando um anel. Que não te deixará devastado olhando para as pessoas ao redor, esperando respostas de outros enquanto o coração acelera em pânico.

Então nesse momento, e somente nele, não se lembrará mais da garota que não estava pronta para dizer uma única palavra a alguém com olhos tão suplicantes.

Enquanto isso, as ruas continuarão contando a história da loucura, da negação, do futuro que te foi tirado. Todos os lugares a que fomos vão contar a história do homem que se ajoelhou e recebeu nada mais que um adeus.

 

H C Oliveira, Baseado numa música de Taylor Swift e de mesmo título que o texto.
Enviado por H C Oliveira em 17/05/2022
Reeditado em 17/05/2022
Código do texto: T7518472
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