A história de um louro que não é o José
Parecia ser um entardecer como os demais. Eu passeava já dando os meus últimos voos para o merecido repouso.
Eu ouvi duas senhoras conversando, a mais jovem disse: “Quando o papagaio anda solitário é que já perdeu a sua companheira”. Bastou essas palavras daquela linda senhora para eu reviver, o que foi perder você.
A outra senhora, que por sinal é escritora, ouvia tudo atentamente. Eu levantei voo e pousei numa árvore logo a frente, não queria continuar ouvindo aquela conversa que trazia tanta dor, misturada com saudades.
Já me sentia seguro longe daquelas senhoras, que tentavam entender a minha solidão e ao mesmo tempo me observar; eu senti naquele momento que estava sendo admirado. A escritora havia andado uns metros e estava bem próxima. A primeira vontade que tive foi de voar, mas outra vontade vinha de ficar. Nesse dilema, a árvore que eu estava pousada era muito próxima da estrada. Aí ouvi um barulho de moto e tive certeza que a atividade mais sábia seria voar, até o acaso deixou isso muito claro.
Já numa certa distância ouvi a escritora reclamar. “que pena! Lá se foi a minha personagem...
Depois de alguns dias, eu continuava a minha vida solitário e até um pouco infeliz. Durante um voo percebi outra da minha espécie se aproximando. Senti uma vontade de aproximar, mas a cautela não me fez continuar, pelo o contrário eu fiz fui me afastar.
O louro visitante não se sentiu intimidado, voo e novamente estava próximo. Pensei “que atrevido! Não ver que não quero aproximação?”
Diante do impasse não vi alternativa a não ser encará-lo. Fitei nele o olhar e quase não acreditei quando o ouvi falar. Não na minha linguagem, na mesma das duas senhoras, que já contei no início dessa história.
“me dá o pé minha rosa”!! Quase não acreditei que ele estava me chamando de rosa e ignorei. Não adiantou ignorar agora eu já estava estressado.
Outra vez ele repetiu, isso já estava me deixando encabulado. Comecei a perguntar em nossa língua, onde você está vendo uma rosa? Que eu saiba aqui tem: árvores, capim e outras coisas mais, tem até flor. Rosa daquelas que tem espinhos, não estou vendo nem uma aqui.
O visitante deu uma gargalhada, coisa que me deixou um pouco sem graça. E falou: “Vejo que você não sabe muito das coisas que acontecem em outros lugares.
Eu questionei: “o que você acha que está fazendo? Está tentando me fazer de bobo”? Ele tranquilamente e bicando uma folha falou: “Não estou criticando você só constatando que não conhece outras realidades por isso não entendeu o que falei” Enquanto eu conheci a sentir o bico esquentar de vergonha pela a besteira que tinha falado, tentei remediar a situação, pois para uma ave sabia como eu, havia me precipitado. “acho que lhe devo um pedido de desculpas, fui muito precipitado! O visitante respondeu com naturalidade, não tinha como você saber, sempre viveu aqui no habitat. Eu fui capturado por caçadores e fui domesticado, me ensinaram muitas palavras porque nossa espécie tem essa habilidade de aprender. Me prenderam por algum tempo, mas eu tinha certeza que um dia iria reaver a minha liberdade, fugir e agora estou novamente aqui, feliz e ao mesmo tempo com dificuldade de adaptação.
Eu o observava atentamente cada palavra, tudo aquilo é bem novo para mim. Eu tinha muito que aprender. Enquanto ele continuava a contar sobre a sua vida, de como foi difícil ficar preso em gaiola, mudar a alimentação e o pior ter que separar da sua companheira que tanto amava... Ele respirou e deu uma pausa; eu estava chorando, aquela história não era diferente da minha.
Enquanto chorávamos, uma luz raiou e esse luz vinha da certeza que tínhamos que dali em diante seríamos amigos, ambos com experiências de vidas de diferente, mas que em uma coisa eram iguais, tinham sofrido perdas e tinham aprendido o valor de uma companhia, adquirido em comum a força para avançar.
Nesse exato momento lembrei-me da conversa das duas senhoras que no início falavam: “quando estamos sozinhos é porque perdemos nossa companheira, e isso é verdade”. Só o que não é verdadeiro é termos que passar o resto da nossa vida sozinha. Porque em algum lugar há alguém, com histórias comuns ou diferentes e que se completam.