UMA SEGUNDA CHANCE?
Hoje faz 64 anos que me casei. E durante tantos anos só uma pergunta povoou a minha mente: seria possível ser feliz após uma traição? Bem, o que aconteceu comigo não foi algo simples, mas sim, eu me casei logo após ter sido traída. Encontrei o meu noivo com a minha irmã gêmea nos fundos da igreja, a exatamente 18 minutos do começo da cerimônia. (pois é, uma noiva iludida e nervosa é capaz contar cada segundo) E sim, fui muito feliz com o homem que escolhi pra passar a vida, tivemos quatro filhos incríveis, netos maravilhosos e uma vida perfeita em todos os sentidos. Daqui a dois meses faz cinco anos da sua partida, e sim, sinto muito a sua falta, como não imaginei sentir no dia em que nos unimos. Ainda lembro desse dia, como se tudo fosse acontecer a algumas horas.
Era uma sexta de inverno. Não parecia uma boa ideia realizar evento algum às 9:00 daquela manhã, isso porque uma forte geada atingira a serra. Mas não se tinha muito a fazer, era a única data disponível no período e o Sérgio fazia questão que acontecesse em Lages.
E aconteceu. Mesmo depois de receber o maior golpe da minha vida não tive escolha e só me restou seguir com a cerimônia. Nada do que planejei pra mim aconteceu: A noite de núpcias foi mais fria do que qualquer madrugada daquele agosto; odiado pela família, o meu marido dormiu numa pensão qualquer e a pessoa que aqui escreve, retornou para a casa a qual Madalena e eu herdamos, com dívidas enormes creditadas dos preparativos e com a honra manchada para sempre.
O meu esposo veio me visitar de manhã, disse que a sua tia ainda se encontrava no calor das emoções, não só com ele, mas comigo também, por ter levado “aquela loucura” adiante. Enfim, me trouxe pães quentinhos. Comemos. Logo foi embora para a cidade onde trabalhava. Um mês depois retornou e nos encontramos uma noite dessas, tomamos vinho. Ele me olhava com certa curiosidade, parecia me analisar os pensamentos, já eu procurava ao máximo evitar aquele olhar arrebatador. Era um loiro de olhos castanhos e sorriso encantador, seus vinte e dois anos só se refletiam na jovialidade, pois nas ações, se mostrava um homem responsável e trabalhador, diferente de mim que com dezoito, mal tinha beijado duas vezes; e jamais sentido a ternura que os casais do rádio me inspiravam a sonhar.
Nessa noite a tempestade só não se precipitou mais intensa do que a dor que recaiu sobre mim, insisti para que ficasse, mas ele foi assim mesmo, não queria que falassem. No domingo veio me fazer companhia, se resignava pelo que aconteceu com os meus pais. Almoçamos juntos e então, no fim da tarde, inebriado pelo vinho e pelo sentimento de solidão, tocou a minha mão, nos beijamos. Não se atreveu a mais nada. Partiu contra a brisa gélida e feral que soprava, voltei ao desamparo de antes, mas com uma diferença brutal: a partir daquela noite de chuva, pensaria nele com a ternura e com a frequência que viria a pensar nos demais momentos de solidão.
Algum tempo se passou — coisa de três semanas —, eu preparava o jantar e ele apareceu. Visivelmente embriagado, chorava, me pedia perdão e ardia na febre do arrependimento. Pedi que se deitasse, tirei sua gravata e fiz nele uma compressa.
— A minha tia me odeia, Eliza. Ela convenceu o meu pai a me despedir da empresa... e disse que nunca mais aparecesse no seio da família.
— É tudo minha culpa.
— Você não tem culpa de nada. Foi eu quem levou o casamento adiante.
— Eu também. disse sim.
— Estava desesperada com o dote. Como iria pagar? — disse ele com a voz no titubeio da bebida, misturado aos soluços da tristeza. — Além do mais, eu já estava sem falar com o meu primo, casar no lugar do Sérgio foi só a pá de cal que faltava.
Ele voltou a me olhar daquela maneira que fazia das minhas pernas pilares indecisos, sentou na cama e me acariciou o rosto. Meu coração palpitou num átimo, meu peito ardeu por um instante.
— Quer saber, não vou mais apelar para o desquite, pro diabo. Se for do seu desejo, quero ficar com você, pra sempre.
— É sim, Bruno, eu também quero ficar com você — falei em meio aos tropeços das palavras, mas com o coração determinado.