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25 DE ABRIL OU O AMOR PLATÓNICO
Pedro, na altura com vinte anos, vivia perto da Baixa da capital e um dia matriculou-se na Cambridge School, pois percebeu que se melhorasse o seu nível de proficiência em Inglês poderia alargar os seus horizontes. Numa altura em que um emprego era ouro, já tinha experimentado um pouco de tudo, desde vender quadros até fazer entrega de bens ao domicílio. Nessa altura tinha duas ocupações; era monitor numa academia e escrevia crítica de filmes no extinto jornal República.
As aulas decorriam à quinta-feira, durante uma hora, a partir das onze da manhã.
No seu primeiro dia de aulas, em finais de Fevereiro, tomou conhecimento com a pequena turma onde fora integrado, apenas dez alunos, um grupo muito heterogéneo em termos de idade e maturidade - o elemento mais novo tinha dezassete anos e era muito infantil, a mais velha teria à volta dos sessenta e era muito arrogante. Mas quem lhe chamou a atenção foi a professora, Olga Darpanos, uma americana de origem grega.
A sua figura alta e esguia, o seu longo cabelo negro e macio, preso na nuca, o seu perfil altivo de deusa grega, o deslizar sinuoso qual felino, tudo o impressionou fortemente. Ela nem sequer era extraordinariamente bonita, mas tinha algo que o marcou para sempre.
Em conversa de grupo, Pedro soube que ela morava na linha de Cascais.
O facto de Olga desde logo lhe dar bastante atenção nas aulas fazia com que o coração dele batesse de forma descontrolada, como se quisesse sair do peito. Ansiava por cada aula, passava a semana aguardando impaciente pelo dia e hora em que voltaria a vê-la. Em casa, punha música romântica e ficava horas, de olhos fechados, a pensar nela.
As conversas que tinham, frequentemente, após as aulas, o tom de voz, a forma como segurava uma ponta do cabelo mais rebelde que às vezes lhe escapava para o rosto quando o trazia solto, olhando-o fixamente, encostada à ombreira da porta, fazia-o sentir-se um adolescente.
Com o tempo Pedro constatou algo de totalmente novo, estava deveras apaixonado, perdidamente apaixonado, e então amou-a, de forma pueril, totalmente platónica. Colocou-a num pedestal, numa redoma, como uma flor maravilhosa onde não se podia tocar, só olhar e adorar à distância. Sabia bem que aquilo não daria em nada, ele era bastante mais novo que ela, Olga já teria mais de trinta anos.
Perdeu o apetite, adormecia a pensar nela, sonhava com ela, mas sem pensamentos eróticos ou coisa que o valha, eram sonhos puros, de adolescente. Era a sua deusa.
Naquela manhã de quinta-feira, dia vinte e cinco de Abril, dada a confusão que reinava, saiu do jornal algo nervoso e foi a pé até à escola. Nas ruas sentia-se uma agitação fora do vulgar, passavam carros de combate no Rossio e na avenida da Liberdade. Depois, como visse muitos alunos à porta da escola, quis saber o que se passava, ao mesmo tempo espreitando a ver se a sua adorada professora aparecia.
Que felicidade sentiu quando a viu surgir ao cimo das escadas… Tal como outros já tinham comentado, ela disse-lhe que tinha havido um golpe militar e por isso estava tudo parado, aulas, comércio, atividades em geral.
Ao fim de algum tempo de expectativa, Olga decidiu-se a ir embora, não havia mais nada para fazer ali. Pedro acompanhou-a na descida da avenida, muito inchado e vaidoso por caminhar ao seu lado. Que felicidade sentiu…
Quando chegaram junto da praça dos Restauradores e perante o grande aglomerado de pessoas junto de militares armados, ela deu-lhe o braço e ao sentir a proximidade do ser amado, Pedro tornou-se, mesmo que por momentos, o ser humano mais feliz do mundo.
Separaram-se na Baixa, na rua 1° de Dezembro, ela foi fazer compras ao supermercado Celeiro e ele não quis ser inconveniente, foi almoçar a casa.
O tempo foi passando e as aulas retomaram o seu ritmo normal. Às vezes ele quedava-se pasmado a olhar para ela, parecia hipnotizado, os outros alunos reparavam e trocavam olhares misto de censura e cumplicidade. Olga às tantas também se sentiu incomodada e no final de uma aula disse-lhe que não a devia olhar daquela maneira, era demasiado intenso. Pedro desculpou-se, sempre em inglês, dizendo que não o podia evitar.
Entretanto decorreu mais de metade do ano de 1974, vieram as férias e em Setembro, no início do novo ano letivo, ela largou a turma. Embora a visse por vezes, nos intervalos, ela tinha mudado de horário.
Pedro então convenceu-se que ela o fez por sua causa. Possivelmente considerou-o uma criança grande, imaturo, tinha-se portado como um perfeito idiota e a pouca idade não justifica tudo. Já tinha andado antes com mulheres, algumas até mais bonitas que ela, e desta vez tinha ficado assim, perdidamente apaixonado, como um cão abandonado. Nunca nenhuma o marcou tanto como Olga.
Durante esse tempo sofreu muito, perdeu peso e tinha mau aspeto, pálido e com olheiras marcadas. Custava-lhe muito a adormecer, vezes sem conta chorou consumido pela saudade.
Foi o único amor platónico que teve e de todos os amores foi sem dúvida aquele que mais mossa fez.
Em Janeiro seguinte, quando iniciou o serviço militar obrigatório, enviou-lhe duas cartas para a escola, ambas sem resposta. Decerto que as recebeu mas não se dignou responder, considerou que não valia a pena. Pedro convenceu-se que ela o considerava um moleque, sem interesse, sobretudo por ser demasiado novo para ela.
Dois anos mais tarde, encontrou na Baixa um outro professor da Cambridge School, português e que conhecia de vista. Meteu conversa com ele e soube que Olga já não estava na escola. Tinha na altura da revolução trinta e um anos e havia regressado aos States no Verão de 1975, indo para a terra Natal, Boston.
Billy Ocean - Suddenly (Official HD Video)
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