Desejo sem fim
De nada adiantaria, naquele momento, pensar na recatada educação que tive por toda a minha vida. De nada adiantaria mesmo porque Franchesco estava aos meus pés e era tudo o que eu queria, ou melhor, tudo o que eu sonhara desde que ele me deixou, aos dezoito anos, para casar-se com Sara, uma menina rica que estudava ao lado da minha sala de aula. De nada adiantaria pensar que sofrí por tanto tempo, mesmo tendo acostumado-me a dar a volta por cima, especialmente nos três casamentos desfeitos sem qualquer razão aparente que justificasse as separações. Franchesco nunca saíra da minha cabeça. A sua boca carnuda beijando todo o meu corpo nas noites frias de inverno, ainda bagunçavam os meus sonhos. As suas mãos, percorrendo os meus seios, faziam-me levitar e esquecer que o mundo existia. À época, no início do nosso namoro, eu tinha dezesseis anos e a paixão foi imediata e avassaladora. Tudo aconteceu em uma noite de carnaval no clube da cidade e, depois dela, nunca mais fui a mesma. Naquela época sexo era coisa feia e fazia-me tremer ao pensar que um dia meu pai saberia que eu chegava muito próximo dele todas as vezes que estava com Franchesco. Próximo sim, porque trocávamos todas as carícias possíveis com a maior volúpia, sem que praticássemos o ato em sí. Nosso amor era profano, pois não poupávamos novas experiências, que faziam-me dormir de olhos arregalados após deixarmos um ao outro nos nossos encontros que, invariavelmente, findavam às vinte e quatro horas, já que eu tinha horário marcado para namorar. Eu queria aquele corpo; mas sabia que não podia pensar em sexo.
Mas, naquele momento, todas as lembranças foram esquecidas, pois estávamos frente à frente em novas versões. Ele, com cabelos grisalhos, ainda ousava olhar-me profundamente com desejo e eu, mesmo bem mais vivida e ciente das coisas da vida, ainda o fitava com pureza, encobrindo o imenso desejo que nunca foi apagado. Nada mais era como antes, mas tudo poderia ser ainda melhor naquele encontro inesperado.
Encontramo-nos em um parque, verde como os olhos de Franchesco. Sentamo-nos em um banco e alí ficamos atônitos, sem muita conversa, olhando um para o outro e as palavras, que não conseguíamos pronunciar, explodindo em nossos olhares ardentes. Ainda éramos ardentes um com o outro, estava claro. Não lembramos o passado e eu não cobrei-o pelo sofrimento de ele ter-me deixado literalmente por dinheiro, pois eu sempre sentí o seu amor.
Foi preciso tantos anos para que nos encontrássemos com a possibilidade de selarmos um amor de sentimento e carne, porque o desejo já fervia no meu corpo totalmente modificado pela idade. Não precisamos de muito tempo para decidirmos, através dos nossos olhares, que definitivamente concretizaríamos o que nunca concretizamos e, quem sabe, trocaríamos carícias diferentes, muito mais ardentes, depois de tantos anos de vivência. De mãos dadas deixamos a praça e, antes de atravessarmos a avenida para adentrarmos à minha rua, ele sorveu-me por inteiro em um beijo arrebatador. Minhas pernas amoleceram e eu esquecí que estava rodeada de gente. Naquele momento a mulher retornou ao passado e incorporou uma insana adolescente. Nossos passos foram apressados como se o mundo pudesse acabar antes de irmos para a cama.
Abrindo a porta do meu apartamento imediatamente tirei os tênis e, em questão de segundos, estava nua à espera do homem da minha vida. Franchesco jogou-me no sofá e eu retornei literalmente ao nosso tempo. Alí ficamos eu e ele, nossos corpos e a saciedade de tanto desejo. Após chegarmos no clímax, transformamo-nos em seres exaustos, famintos, sem palavras.
De repente o despertador soou. Acordei. Franchesco não estava ao meu lado. Mesmo sem tê-lo, chorando, agradecí pelo sonho tão ardente e real, que foi quebrado por minha corrida ao banheiro para tomar uma ducha. Não poderia descuidar-me, já que o meu novo companheiro estava por chegar. Eu continuaria lutando para viver o que viví com Franchesco.
Rosalva
17/02/2022