AMOR, ETERNO AMOR

 

  Minha avó contava muitas histórias do tempo quando ela era moça, os temas eram diversos, a gente se reunia no alpendre para ouvir as coisas que falava desde histórias de trancoso até fatos reais que viveu ou tomou conhecimento. Eu sempre gostava de mistérios e coisas do outro mundo, tempo em que ainda tinha meus oito para dez anos e tinha que rezar antes de dormir para não sonhar com assombração.

   Nascida no ano de 1920, minha saudosa avó conheceu ainda aqueles pais que escolhiam os maridos para suas filhas e a virgindade era como um troféu que a noiva entregava para o noivo. Ela contou o que ouviu de uma sua comadre, que na época já era falecida, que numa fazenda do interior do Estado viveu um homem muito rude, porém de muito poder e dinheiro, proprietário de terras a perder de vista. Seu nome era Januário e tinha uma única filha, Maria Inez, que aos dezesseis anos se engraçou de um rapaz que era filho de um empregado do seu pai e começaram a namorar. Os dois se apaixonaram perdidamente e seu Januário ao saber do romance proibiu a filha de se encontrar com Moisés, que tinha a mesma idade dela. Sabendo que Maria Inez continuava se encontrando às escondidas com Moisés o velho Januário ameaçou o empregado e seu filho, mas assim mesmo a paixão entre os dois jovens era intensa. Com a perseguição de seu Januário eles continuavam cada vez mais apaixonados e planejaram fugir para se casarem. No entanto o plano de fuga foi descoberto e abortado no exato momento em que estavam prontos para partirem na calada da noite levando alguns pertences como roupas e objetos pessoais. Na abordagem feita por seu pai, que estava em companhia de empregados de confiança, a moça foi levada para casa enquanto o rapaz era subornado pelo futuro sogro. Seu Januário lhe ofereceu uma boa quantia para que deixasse sua filha em paz e sumisse da região, o que não foi aceito pelo rapaz.

- Não sou homem para me vender, agora é que eu vou lutar para merecer o seu amor. A gente se ama e não é o senhor que vai impedir a gente de se casar. Guarde o seu dinheiro sujo para o seu enterro - disse Moisés para o pai de Maria Inez, que enfezado mandou um dos empregados açoitá-lo e em seguida deixá-lo longe dali em uma estrada deserta.

   Na manhã seguinte o comentário foi geral quando encontraram o rapaz desacordado e com ferimentos pelo corpo e cabeça, fora levado por pessoas que transitavam pelo local para um hospital e logo depois identificado. O empregado de seu Januário e pai de Moisés já estava a procura do filho que ficou muito machucado e informou quem tinha feito isso. Foi tomar satisfação com seu patrão que ficou furioso e o demitiu. Como tinha poder e dinheiro o caso foi abafado. Maria Inez continuou reclusa em seu quarto, só saía para ir estudar ou para freqüentar a missa aos domingos. Quando ela ficou sabendo do ocorrido com o amado entrou em desespero e gritou como louca acusando o pai da violência cometida. Em discussão com o pai Maria Inez levou alguns sopapos com ele exigindo respeito por ser seu pai, mas ela insistia em acusá-lo de ter mandado espancar seu namorado. Diante dessa ação da filha seu Januário alertou-a de que se preparasse para o casamento, pois já tinha um rapaz interessado nela, o filho de um fazendeiro muito amigo seu. Ela também o alertou de que já teria se entregado a Moisés, o que o irritou profundamente ao ponto de esbofeteá-la com força. Ele garantiu que faria um "arrumadinho" e que ninguém ficaria sabendo dessa desonra, mas ela disse que não casaria de jeito nenhum e que preferia se internar num convento ou até morrer do que casar com um rapaz de quem não gostava.

   Passaram-se alguns dias e Maria Inez recebia notícias de Moisés através de uma ama da propriedade do pai, ela agia com todo cuidado para que ninguém desconfiasse. Ficou sabendo que o rapaz de quem gostava permanecia. internado e que seu estado era bastante grave, pois tinha apanhado muito. Aproximava-se o dia marcado para o noivado, uma festa entre a família seria preparada. Ela teria que se comportar com decência para evitar algum tipo de problema, pois seu pai não perdoaria. Nesse meio tempo ela arquitetava um plano para fugir de casa para ver Moisés, que convalescia ainda no hospital sem data para ter alta, seu estado de saúde era bastante complicado. Chegou o dia de por as alianças e ela ainda não tinha conseguido uma chance para a fuga. O futuro noivo já se encontrava na propriedade muito elegante e afirmou publicamente que gostava de Maria Inez, porém ela manteve a calma e não via a hora de por em prática o seu plano de fuga. Combinou com a ama de sua confiança para esperá-la no jardim e seguir as suas orientações, dessa vez tudo tinha que sair bem. As alianças foram colocadas nos dedos e ela ensaiou um falso sorriso, tinha que deixar o pai confiante de que estava fazendo o que ele queria. A sua mãe não ousava desafiar o marido, pois temia a reação violenta dele. Após a cerimônia do noivado Maria Inez pediu licença para conversar um pouco com o "noivo" no jardim, o que foi concedido por seu pai, mas com severa vigilância. A ama se posicionou no local combinado e enquanto seu Januário se distraía um pouco com os amigos o plano teve início. Ela pediu ao "noivo" que fosse buscar um pouco d'água, pois estava se sentindo mal. Quando ele se afastou ela passou por uma brecha na cerca de arame que havia sido cortado antes e ganhou a parte externa da propriedade. Lá fora estava o pai de Moisés que deu toda cobertura para a fuga usando uma carroça puxada por um jumento. Até aí tudo bem, mesmo com a estrada às escuras conseguiram chegar a uma pequena propriedade que pertencia a um amigo de Moisés, lá ela estaria segura por enquanto. No momento que o pretendente de Maria Inez chegou com a água a ama simulou uma surpresa com a falta da patroinha e muito "aperreada" pediu que ele a procurasse e que também ajudaria na busca. Foi o tempo suficiente para a moça chegar em paz no esconderijo. Com a notícia do sumiço da filha seu Januário ordenou uma busca minuciosa, no entanto ela não foi encontrada.

   Passaram-se alguns dias e Maria Inez ficou sob a proteção do seu futuro sogro, o pai daquele que ainda convalescia no leito de um hospital, praticamente a beira da morte. Ela conseguiu visitá-lo discretamente, com um bom disfarce, pois seu pai havia colocado um capanga para vigiá-lo caso recebesse a sua visita. O rapaz se encontrava em coma e não se tinha previsão de quando recuperaria a consciência.

   Passou-se um mês e seu Januário continuava bastante aborrecido com o sumiço da filha, procurava em tudo que era lugar e até na casa do ex-empregado mandou efetuar buscas, tudo sem sucesso, Maria Inez estava muito bem guardada aos cuidados do pai de Moisés numa casa de um amigo dele que se compadeceu da situação e agora mais do que nunca precisava dar esse apoio. O velho, muito chateado, numa certa manhã, teve um mal súbito e precisou ser socorrido ficando no mesmo hospital onde o rapaz se encontrava internado. A quantidade de pessoas da família e amigos ali fez com que Maria Inez evitasse ver o namorado e assim foi feito. Durante uma semana seu pai permaneceu ali e seu quadro piorou, no entanto sem risco de vida, sendo levado para recuperação em casa. Nesse período Moisés recobrou a consciência e chamaram a sua namorada para vê-lo, ela foi correndo para ver o seu amor, disfarçada, é claro. Mas ele apenas olhava para o vazio e não reconhecia ninguém, segundo os médicos ele teve lesão cerebral e na coluna, o que dificultaria muito a sua locomoção e o seu raciocínio e que só o tempo se encarregaria de reverter ou não essa situação.

   Alguns dias depois a situação do velho Januário se agravou e ele perdeu toda a capacidade de andar, ficando completamente paralítico. Chorava com freqüência e pediu a sua esposa para que tentasse localizar a filha, pois queria lhe pedir perdão e também para que viesse morar na casa, pois tinha a impressão de que seus dias estavam contados. O fato chegou ao conhecimento de Maria Inez e isso fez com que ela criasse coragem e fosse ver o pai. Chegando na residência ela viu a situação precária do seu pai, ele caiu em prantos e disse estar com muita saudade e arrependido. Ela o abraçou e percebeu que ele soluçava com o olhar para o vazio. Nesse momento sua respiração cessou, o velho sentiu uma forte emoção e não suportou. Inerte ali na cama seu corpo ficou para desespero de todos.

   Alguns dias se passaram desde a morte de seu Januário, sua esposa, sem condições para tocar o serviço da imensa propriedade, deixou tudo a cargo de Maria Inez, que mesmo sendo jovem tinha capacidade de enfrentar a barra e resolver todos os problemas. Os empregados todos a respeitavam e agora a consideravam como a nova patroa. O pai de Moisés voltou ao trabalho e dessa vez com uma posição bem melhor, seria o responsável por toda a atividade das terras e acima dele só ela, foi uma forma de retribuir o que ele fez quando se viu praticamente arruinada pelo próprio pai. O que mais lhe interessava agora era a saúde do seu amado que ainda se encontrava internado e sem reconhecer ninguém, nem da própria família, nem ela que tanto o amava e muitas vezes ouvira de sua boca palavras lindas dizendo que ela era a única mulher da sua vida. Os homens que participaram da investida contra Moisés a mando do seu pai foram devidamente identificados e punidos de acordo com a lei, a justiça foi famor.o   Dez anos se passaram, Moisés passou a morar naquela propriedade que agora era dominada por Maria Inez, que lhe proporcionou todo o conforto para a sua recuperação. No quarto do casal ela passava horas a admrirá-lo na esperança de um dia ele lhe oferecer pelo menos um sorriso, mas enquanto isso não acontecia ela estava ali, pronta para lhe dar o seu carinho e o seu amor.

   Numa tarde quando Maria Inez voltava de uma inspeção na propriedade ela se deparou com uma cena impressionante que fez seu coração acelerar as batidas. Moisés estava bem desperto e sorrindo para ela, era aquele sorriso que ela sempre esperou e que tinha certeza que um dia iria acontecer. Se ela o amava tanto agora esse amor cresceu mais ainda. Esse homem que ora se encontrava em estado vegetativo e ainda sorrindo para ela, pode perfeitamente, no decorrer do tempo, mudar mais ainda, aumentando com certeza a sua felicidade de estar ao seu lado.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 06/04/2022
Reeditado em 06/04/2022
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