URSO

O velho pesquisador era cada vez menos afeito à presença. Mortificava-se por ter que colocar-se em situações que demandavam conversas amenas. A palavra, preciosa em seu trabalho teórico de ourives, não podia achar-se reduzida a limitações definidas pelas regras de boa conduta, constituídas pelas emergências da elementar função fática. Nada a dizer, apenas olhar, com seus pequenos e insondáveis olhos azuis, o pretenso interlocutor, esse outro carente de alguma afirmação, sem dúvida seria razão de constrangimento, como bem sabia. Dizer qualquer coisa, assim como escrever qualquer coisa de densidade inexpressiva, lhe parecia por demais excessivo. Por isso partira, rumo ao interior e desabitada localidade. A alma, em sua crescente capacidade de tornar-se inalcançável, enfim aquietava-se, como num movimento de caracol que se abriga, movendo-se para o interior de sua casa, acentuadamente labiríntica, indo aos deslimites do recolhimento.

Encontrara, afinal, no interior do interior do interior de um lugar no leste europeu, em sua paisagem invernal de dezembro, a morada que lhe parecia então perfeita, embora, como a natureza tenha suas imperfeições, a neve não durasse senão o tempo previsto de sua estação. Nenhum outro vivente a interromper suas leituras e escritas, a neve interditando vontades de visita e diálogo pela indesejada aparição de um possível viajante ou vizinho. O sólido frio lá fora; lareira e livros cá dentro. Combinação perfeita. Recluso e solitário, cuidando de seus afazeres acadêmicos e da alimentação frugal, buscava a justa combinação entre solidão, reflexão e quietude com o devido engajamento teórico e político. A teoria, se tem sentido, é a que se faz implicada, defendia ele. Era, afinal, um velho urso a defender seu território.

Economizava também declarações de amor.

Apesar das distâncias e inevitáveis silêncios, o texto dele, chegado havia pouco pelo e-mail, justificava que o amasse a vida inteira, embora para ele também ela já não o dissesse por não ser mais preciso. Sem neve, espiando pela janela uma teimosa chuva, apreendia mais uma vez as sem-razões do afeto. No mesmo instante, ainda que seguindo as ordens de um outro fuso horário, nos confins sem localização no Google, nas entranhas das entranhas de um outro continente, um indisponível urso se afastava para ainda mais longe.