O Espião
Tema: da janela entreaberta
Armando espiava lá fora, da janela entreaberta. Todos os dias, por volta das oito horas, ficava na penumbra, espiando. Quando ela passava, de vestido ou saia, o coração pulava, afobado. Armando ia acompanhando o balanço das cadeiras até ela virar a esquina. E quando ficava a sós com seu coração, o mundo girava. Tinha essa paixão platônica e inconfessável. Da moça, quase nada sabia. Mas seus cabelos lisos dourados, ora presos, ora soltos, o fazia até sentir a delicada fragrância que deles exalava. Seu porte elegante e, ao mesmo tempo contido, o encantava. Sua voz, quando encontrava outro passante e dizia, bom dia, o enchia de paixão. Ele a queria mais que tudo nessa vida. Às vezes, ela adivinhava que ele estava lá, e o cumprimentava, docemente. Nesses dias especiais, ele ia aos céus e pegava raios do sol. Ele a imaginava em seus braços, frouxa e entregue para ser amada. Ele a imaginava chegando da rua, cheia de sacolas da feira, encalorada, começando a se despir desde a porta da sala. Armando imaginava subindo as escadas com ela no colo, rindo e falando bobagens em código, só desvendados pelos dois. Um dia, ela não passou. Tudo estava lá, do mesmo jeito: o sol, as pedras do calçamento, a calçada, a esquina… mas nada dela. Ficou lá, horas esperando. Nada. Não dormiu, nem comeu a esperar pela manhã seguinte. Aflição e esperança se abraçavam. Nada dela, de novo. Muitos dias se seguiram do mesmo jeito. Todas as dúvidas o fustigaram. Ele foi enfraquecendo, delirando, abatendo-se. Destrancou a porta da frente, para o séquito vir buscar seu corpo inerte. Abriu a porta do céu numa manhã de outono, quando seu corpo se abateu como as folhas secas caindo das árvores.