NÃO LEIA SE VOCÊ NUNCA SE APAIXONOU
Não consigo lembrar de um dia daquela época em que céu não estivesse nublado. Sei que existiram dias de sol, mas, é como se eles não se expressassem ou não se transmitissem até mim. Talvez tal impressão fosse devido a fumaça dos carros, somada a fumaça das chaminés das fabricas que ali se amontoavam ou talvez a luz do sol não conseguisse penetrar naquele mundo cercado de prédios. Talvez fosse tudo isso junto. Ou talvez fosse minha visão turva embaçada por minha tristeza que não conseguia dar sentido a luz que meus olhos recebiam.
Havia entre mim e os outros uma distância, que não era física ,mas, de sentido, sentia somente a monotonia estéril e descrente como rio que outrora límpido e que foi lentamente perdendo a vida e se tornando poluído, sendo agora um deserto hostil e subjugado pela fome, fome do que se foi um dia.
Era eu um deserto a não sentir a primavera condenado a não crer nunca em mais nada, a sentir somente o tormento de cada segundo vazio em sua imensa orbita vazia.
Só havia um gosto em minha boca seca, somente a repulsa, somente a ânsia, somente o dessabor. Quisera eu ser moído e vendido como carne que este é meu único valor.
Meu mundo era a penumbra da solidão, todo o amor me era sem sentido como era estranho, cada sorriso a me causar o desconforto de não poder retribui-lo sinceramente ou de roboticamente esboçar uma resposta em meu rosto, mas, àquela falsidade forçada me constrangia, causando mais desconforto e eu lamentava não ser aquilo que eu achava que as outras pessoas esperavam de mim.
Viver, era estar nauseada, encolhida, querendo não estar presente em mim mesmo. Tudo me era estranho como se subitamente houvesse sido posta em um corpo que não era o meu. Como se minha consciência não reconhecesse aquele mundo em que subitamente fora posta.
Havia alguém a quem um dia me dediquei com esmero e paixão e em minha infantil ingenuidade esperava uma retribuição. Mas os seus sorrisos tinham outro endereço. Eu era uma coadjuvante em seu mundo e em vão passaria a eternidade esperando o beijo apaixonado que me libertasse.
Eu, uma garota do interior que aos 18 anos resolvera tentar a sorte na cidade grande em busca de melhores condições de vida e no auge dos meus vinte e três anos já estabelecida, com um bom pé de meia que daria para me sustentar um bom tempo sem ter que trabalhar ou até comprar um enxoval de noiva caso encontrasse o meu príncipe.
Ainda lembro a nossa primeira conversa. Ele me perguntou se eu era nova na empresa, eu disse que já trabalhava ali há alguns meses. Ele então me disse que nunca havia reparado em mim e se apresentou. Naquele momento comecei a gostar dele. Logo nos tornamos amigos e minha admiração por ele só fazia crescer.
Eu flutuava imaginando cada encontro, calculava cada palavra que o diria. Mas a realidade era tão inexata e eu tão atrapalhada trocando os pés pelas mãos, me sentido ridícula a seus olhos ia do sonho ao pesadelo.
Cada palavra, cada gesto dele era pra mim tão precioso e significativo, me fazendo mergulhar em um mundo de significações e interpretações que de minutos se esgotavam horas em um delírio de princesa.
Cada instante a seu lado me transmitia sempre a mesma aura de amor oculto que logo, logo desabrocharia, me transbordando de esperança.
Cada olhar seu me transmitia tanto afeto a ponto de eu não conseguir encara-lo, assim eu o olhava de soslaio, admirando-o anonimamente.
Construí dentro me mim um mundo onde nos casaríamos e nos amaríamos muito, teríamos lindos filhos compraríamos uma casa e lentamente construiríamos um império familiar.
Não sei o que as outras pessoas na fábrica pensavam, mas, certa vez eu ouvi um bochicho pelo canto dos ouvidos “é ela fica toda, toda quando conversa com ele! Risos.”
Não liguei, que pensassem o que quisessem, devem estar com inveja por ele não corteja-las, senti como se houvesse conquistado um cobiçado troféu.
Havia uma canção que tocava sempre na rádio que eu considerava nossa música, ouvi-la era como estar em seus braços, dançando a sós, como se o mundo não existisse, como se o mundo parasse para apreciar aquele momento, um nirvana onde nossas almas se integravam ao cosmo. Ouvi-la me fazia suspirar de desejo era como magicamente estar em seus braços.
Assim ansiava o dia que enfim estaríamos juntos para sempre!
Meu equivoco foi acreditar demais no que sentia, acreditar que por traz daquela cordialidade existia um carinho e me perder nisso. Fantasiar ele, e não confrontar esse sonho com a realidade. Me satisfazer com aquele amor platônico.
Minha urgência começou quando abriram de uma filial da fábrica em que trabalhávamos e veio a notícia de uma possível transferência dele. Aquilo me tirou de minha zona de conforto. Eu iria perde-lo, isso me obcecava. Aquilo tornou precioso cada segundo a seu lado. Eu esperava afoita que ele se declarasse e me afligia cada vez que isso não acontecia.
Quantas vezes criei situações só para estar perto dele, esperando que aquela situação mudasse o rumo de minha vida, e como me desiludi cada vez que isso não aconteceu.
Desloquei o centro de minha vida para uma projeção, algo que esperava, apostei em uma fantasia deixando-me para segundo plano, suspirando pelos cantos.
Penosamente dia após dia eu vi crescer em mim aquela aflição até que em um momento de descuido aquele beijo colocou fim em tudo.
Cada elogio seu era como um sopro a lentamente me encher de esperança até que um dia sem quer fiz o que mais queria. Foram alguns segundos a sentir aquele cheiro cítrico de seu perfume, aquela barba ainda por fazer. Sentir a maciez dura de seu rosto me tocando. Como eu queria que aqueles segundos se prolongassem infinitamente.
Eu me senti tão despida quando suas mãos me afastaram bruscamente e ele amedrontada mente procurou saber se ninguém havia nos vistos. Como se aquele beijo fosse obsceno ou proibido, para então suas palavras me infligirem tamanha dor.
Em troca de pequenos favores, coisas que não eram minha obrigação, mas, que fazia de bom grado por estar apaixonada.
Sempre ele me contava pequenos detalhes de sua vida, de modo que eu me sentia íntima dele uma vez que eu também compartilhava com ele as coisas da minha vida e coisas das quais gostava e ele sempre se identificava ou fingia se identificar. Nunca ele mencionou em qualquer momento um namoro ou uma noiva.
Com aquele sorriso sempre onipresente. Tinha uma forma tão delicada de me pedir. Sempre me agradecendo. Lembro-me que ele sempre dizia “o que seria de mim sem você?”
Assim, transcorreram-se meses de um jogo onde sempre que se via muito atarefado ele me pedia ajuda e eu em minha absurda inocência largava o que estava fazendo para ajudá-lo.
Me cativando cada vez mais, fazendo crescer em mim aquela ânsia que já não era só desejo era todo um estado de contemplação uma plenitude que só quem já se apaixonara verdadeiramente é capaz de saber.
Eu me sentia tão útil e tão valorizada por poder ajuda-lo como se minha presteza estivesse contribuindo significativamente, como eu fosse uma peça fundamental em sua vida, como se eu fosse a escolhida.
Pedi demissão e ao invés disso me transferiram no lugar dele. Nunca mais o vi. Mas seu rosto ainda me era vivo como no dia em que me apaixonara inadvertidamente. Como na hora exata em que sem querer vi o esvair de meu amor se concretizar em um mal entendido um constrangimento.
Por muito vaguei cegamente entre os dias achando ter visto o rosto dele no ônibus. Mas acho que assim como eu evitava tudo que pudesse me levar a ele. Acho que ele também evitava aquele constrangimento que poderia abalar seu noivado.
A lembrança daquele fatídico momento em que eu tentei roubar-lhe um beijo. O jeito que ele me tratou e como naquele momento soube que ele estava noivo de uma moça rica e bem nascida. Ele fez questão de frisar isso.
Meu lamento foi ele ter devolvido minha alma que de tão bom grado lhe dei. Me fazendo encarar esse mundo tão sem desolado e sem amor, me jogando em um poço, onde, sem um por quê eu me arrasto cada vez mais pro fundo. Me sentido tola como uma garotinha do ginásio. Expondo a mim mesma toda minha inocência, toda minha fragilidade e insignificância.
Meu amor não tem valor algum em seu mundo, foi que senti naquele exasperado momento em que me doei toda. Como eu não queria ser eu. Como eu queria ser mais uma daquelas, que toda semana trocam de namorado. Mas eu havia criado minha própria prisão de ilusões. Aquele mundo onde fantasiei um amor eterno e feliz.
Como um rio represado que de repente sente a força de ser livre e sai desastradamente destruindo tudo ao seu redor. Assim as minhas pretensões há muito represadas me levaram em sua corrente para um abismo onde amedrontada mente eu me escondi.
Procrastinando viver, me entregando cada vez mais a minha desvalorização, busquei o consolo sujo de drogas sociais, descontando toda minha frustração em cigarros e buscando aquela anestesia instantânea que a bebida traz.
Sem muito esforço fui me deixando vencer pelo vício comum a todos derrotados, fumando nos intervalos do meu novo serviço, bebendo em todos horários de folga, sendo tragada por minha falta de amor próprio, vencida por um lamento. Imaginando um outro desfecho a cada dose, possuída pela vontade de não ser eu. Nesses delírios era tão feliz, mas, no outro dia o gosto amargo da ressaca me fazia tão insignificante, me fazendo afundar em uma espiral de culpa. Culpa por não conseguir superar algo que me diziam ser banal. Uma coisa comum a todas pessoas. Quem nunca gostou de alguém que não retribuiu esse amor, quem nunca se apaixonou em vão. Mas eu era imune aos conselhos de minha amiga que a muito custo tentava me entender e consolar.
Fui perdendo o amor pela vida e me entregando cada vez mais aquele estado anestésico onde não se vê beleza em nada, em que tudo que tem importância se torna supérfluo. Eu estava em segundo plano em minha própria vida. Um ser robótico que a muito custo cumpria suas obrigações foi tomando minha vida. As vezes não escovava os dentes, as vezes usava uma roupa várias vezes sem lavar, uma bagunça relutante foi tomando conta de minha casa. Não punha o pé na rua, faltava constantemente ao serviço. Meus raros amigos se distanciaram cada vez mais. Às vezes hibernava em minha cama sem ânimo por dias, mas, não conseguia dormir ficava prostrada naquele quarto escuro sem motivação.
Com muita frequência não conseguia dormir, afligida por uma estranha fadiga, um cansaço mental que não me deixava descansar. Como se algo muito importante e muito urgente fosse acontecer, algo ruim, para o qual eu estava indefesa. Essa sensação me sufocava e eu não conseguia fugir dela. Um monocromátismo asfixiante não me deixava relaxar. Tudo estava envolto em uma aura de desconsolo e desesperança. Era como se a vida ou tudo que poderia ser interessante houvesse se extinguido e eu fosse um zumbi sem qualquer valor ou amor próprio.
Quando conseguia dormir meu sono era sem alento e não me descansava. Eu acordava no outro dia fatigada e o nó na garganta ainda estava ali, me fazendo sentir em tão em vão.
Havia uma estranheza, um ar pesado como se houvesse algo pesado sobre meu peito.
As vezes o via em sonhos em sonhos felizes. Eu era tão feliz! Mas quando acordava me sentia tão desesperada. Tão agoniada em não o tê-lo. Que mundo é esse onde não terminávamos juntos. Dilacerada eu chorava em vão para as paredes.
As vezes a vontade de fugir era tanta que eu imaginava o mundo sem mim. Quem iria sentir minha falta? Havia alguém um dia me amado? Se iludido com o meu ser?
Na aurora da minha vida me sentira bonita e atraente. Esses dias voltariam um dia?
Minha amiga me alertara “você não pode ficar assim não! Aonde está seu amor próprio! Amiga, você se entregou!”
Prometi a ela procurar um médico, um psicólogo. Mas prometi mais para não ouvir o que ela dizia do que por vontade de fazer o que ela me sugerira. Assim toda vez que ela me perguntava quando eu ia me consultar eu dava uma desculpa, dizendo que faria aquilo na semana que vem, adiando cada vez uma possível solução.
Minha mãe veio me visitar um dia. Nesses dias pela primeira vez eu senti um ar fresco em meu mundo sufocado. Mas não conseguia desabafar. Para mim aquela situação, o real motivo de minha tristeza era incompreensivo para qualquer outra pessoa. Eu me sentia tão tola por estar padecendo de algo tão banal, algo que as pessoas normais superam sem muito esforço.
Ela me dizia para buscar Deus, que ele me consolaria, mas como encontrar alguma força em algo se eu nem conseguia me encontrar. Como me entregar se me sentia abandonada até por Deus. Seria essa minha maldição? Padecer por um amor que só em mim existiu.
Após sua partida me vi novamente entregue aquela solidão e todo o tênue amor próprio que havia brevemente nascido em mim mais uma vez se foi.
Um dia após vários dias sem aparecer no trabalho, fui chamada ao escritório e demitida. Aquilo me fez aprofundar mais em meu desespero.
Me senti uma fracassada em tudo. Que falta eu faria no mundo?
Na volta para casa imaginei que um carro me atropelava na rua. Mas aquilo foi só um devaneio. Não, eu não me livraria tão facilmente assim daquele tormento, porque quando você quer muito uma coisa o universo inteiro conspira contra.
Assim sem nenhuma obrigação eu me afundei ainda mais naquela melancolia exagerada que minha vida havia se tornado. Esqueci de vez minha higiene pessoal. Não escovava os dentes, raramente tomava banho, não penteava os cabelos não me alimentava, pedi a minha amiga que não me procurasse mais e as vezes passava quase uma semana inteira prostrada, sem sair da cama.
Naqueles dias tudo que eu queria era estar morta ou nunca ter existido. Cada vez mais esta ideia tomava forma e me imaginado prender o cinto na porta para me enforcar me estrangulando. Isto me apavorara.
Um dia não suportando mais aquela dor, me entreguei e em um momento quase alucinatório prendi o cinto na porta subi em uma cadeira e me joguei.
Senti o tranco súbito do cinto a apertar minha laringe e a agonia de meu corpo histérico a se debater procura de ar na tentativa de se livrar a todo custo daquela situação, lutei com todas minhas forças até que exausta me rendi e parei de lutar e me entreguei a morte.
Naquele momento o cinto arrebentou. Cai no chão quase desfalecida procurando ar como meus pulmões, só algum tempo depois aos prantos me levantei cambaleando, e procurando coragem para me encarar. Fui ao espelho e vi as marcas em meu pescoço.
Foi naquele momento que decidi seguir o conselho de minha amiga e procurar um médico com urgência.
Lembro-me que ao sair do consultório tudo que queria era comprar o remédio e toma-lo em seguida, achando que milagrosamente minha tristeza iria passar como em um passe de mágica.
Mas eu sabia que não seria assim tão fácil vencer a depressão, no entanto eu estava disposta a não me entregar novamente e a lutar todos os dias para encontrar a felicidades, porque a vida não acaba só porquê você se desencantou com alguém ou porquê se magoou muito com alguma coisa e eu tenho esperança de que um dia serei feliz.