Meu Melhor Amigo
Caía a tarde, a noite chegava de mansinho.
Sozinhos ali naquela praia, olhando a bela paisagem ele me puxou pra si e me beijou. Um beijo terno, apaixonado, cheio de carinho. Não sabendo bem porque me entreguei àquele beijo. Ficamos ali abraçados em silêncio. Não ousávamos dizer nada, como se o silêncio falasse mais que as palavras.
Mas caímos na real. Sabíamos que tínhamos que voltar à realidade. Como se não quiséssemos quebrar aquele momento de encantamento, andávamos abraçados. Ao chegar perto da casa em que estávamos com nossos amigos, nos separamos como se nada houvesse acontecido.
Chegamos um pouco constrangidos, mas parece que ninguém notou.
À noite saímos com os amigos, agíamos naturalmente como amigos que éramos.
Nós nos conhecíamos desde o tempo do colégio. Depois fomos cursar faculdade e eu não o vi mais.
Tempos depois ele foi trabalhar na empresa que eu trabalhava. Nossa simpatia foi imediata e em pouco tempo éramos amigos inseparáveis. Ele se entrosou na minha turma de amigos e sempre saíamos pra nos divertir juntos. Nenhum de nós dois namorava. Éramos sós e até certo ponto solitários.
Vez ou outra eu conhecia alguém e tinha um namorico. Ele não demonstrava nada. Muitas vezes eu me abria com ele sobre meus amores. Ele ouvia calado e quando achava que devia, dava sua opinião.
Eu o considerava um amigo sincero e era pra ele uma amiga sincera também.
E naquele dia, num ímpeto nos beijamos. Aquele beijo mexeu comigo mas mesmo assim eu continuei apenas como amiga dele e ele não tocou mais naquele assunto.
Um dia estávamos sozinhos em meu carro. Voltávamos de uma festa. No rádio tocava uma linda música. Ficamos ouvindo em silêncio. Ele tocou meus cabelos e meu rosto, eu o olhei e sorri. Mas passou. Eu o deixei em casa e fui embora.
Viajamos, uma vez, para participar de uma curso patrocinado pela nossa empresa.
Nas horas vagas saíamos para conhecer o lugar, andávamos, conversávamos, nos divertíamos. Uma certa atração nos deixava confusos, mas não ousamos falar sobre isso ou nos tocar.
Passado um tempo, a gente já se aproximando dos trinta anos, ele conheceu uma garota. E ela começou a se insinuar pra ele. Quando eu via aquelas investidas dela eu ficava com ciúme. Comecei a tentar atrapalhar e colocar defeitos nela. Mas pensava que era só ciúme de amigos. Por esta época eu também conheci um cara e começamos a sair.
Ele ao contrário de mim não demonstrava qualquer ciúme, ouvia minhas confidências como um bom amigo. Mas eu não suportava vê-lo com a namorada.
Eu terminei meu namoro e ele continuou com seu namoro cada vez mais firme.
Por fim eu fingia não ligar. Ele vinha me falar dela, dizia que estava pensando em casamento. Eu não queria perder meu amigo e ficava triste, mas não falava nada.
Ficava pensando naquele beijo. Estava em casa e aquela música que ouvimos no carro tocou. Meu coração ficou sobressaltado. Eu me lembrei dele e me sentia melancólica.
E ele marcou seu casamento. Eu fiquei triste. Afinal até aquela garota enxerida aparecer ele era só meu. Só meu amigo. Agora ela o estava tomando de mim e eu não conseguia suportar a idéia dele casado com outra.
A data do casamento foi se aproximando e ele teve a audácia de me convidar pra madrinha.
A cada dia eu torcia pra que aquele casamento não se realizasse. Eu esperava um milagre.
Dois dias antes do casamento eu estava em minha casa ouvindo aquela música que pra mim se tornou a nossa música. Lembrava do nosso beijo. O único beijo. Estava me sentindo sem chão.
E tomei uma decisão. Já que o milagre não vinha do céu eu mesma ia atrás do milagre.
Entrei no carro e fui até a casa dele.
-Você por aqui?
-Preciso falar com você.
-Agora? Não está um pouco tarde?
-Não. Tem que ser agora. Vem comigo, por favor.
Nós saímos no meu carro.
Eu nem sabia o que falar. Ele estava calado também. Por certo tentava imaginar que assunto tão urgente eu tinha pra conversar.
Por fim eu falei:
-Por favor, não se case.
-O quê?
-Eu não vou suportar.
-O que você quer dizer com isso?
-Não é com ela que você tem que se casar, é comigo.
Ele olhou com espanto pra mim. Não disse nada.
-Você não fala nada?
-O que você quer que eu fale?
-Que você me ama, que você quer ficar comigo tanto quanto eu quero ficar com você.
-Mais uma vez você está brincando comigo, não é?
-Como assim?
-Estou falando de todas as vezes que você se insinuou pra mim, me deu esperanças e depois puxou meu tapete e me deixou sem chão.
-Eu nunca fiz isso.
-Você fez várias vezes. Até que eu cansei de fazer papel de otário. Você pode imaginar o quanto eu sofria quando você me falava de seus namorados? Você pode imaginar o quanto eu me sentia mal quando você se insinuava pra mim e depois namorava outro e me deixava desolado?
-Você nunca demonstrou nada pra mim além de amizade.
-Não se faça de ingênua. Eu sempre me contive. E você sempre soube que eu lhe amava todos esses anos.
-Não, eu nunca soube.
Ele riu.
-Você é ladina. Sempre se fez de desentendida e me mantinha preso a você. Eu vou me casar. Ela me ama e merece o meu amor.
-E eu não mereço?
-Não. Você não merece. Você tem todo o meu amor, mas não merece.
-Eu descobri que amo você, que não posso viver sem você. Não vou suportar vê-lo casado. Não se case, por favor.
-Não me casar por quê? Pra depois você me abandonar novamente, voltar a me tratar como um amigo? Chega. Eu não vou mais ser seu brinquedinho que você coloca de lado quando quer.
-Eu estou falando sério. Eu amo você. Eu descobri que não posso viver sem você. É comigo que você tem que se casar. Ou vai ser infeliz por toda vida e vai me deixar infeliz também.
Ele me beijou. Um beijo tão apaixonado e esperado. Ficamos ali abraçados sentindo todo aquele amor que nos unia.
Depois ele me disse:
-O meu casamento é daqui a dois dias. Como quer que eu desista agora? Não é justo com ela.
-Casamento se desfaz até no altar. Por que você vai se sacrificar sabendo que não pode ser feliz ao lado dela? E sabendo que eu amo você?
-Não faça isso comigo. Não brinque mais uma vez comigo.
-Eu não estou brincando.
-É sério que você me ama?
-Você sempre soube que sim, não é?
-Vamos embora. Deixe-me em casa por favor.
-O que você vai fazer?
-Não sei.
Eu o deixei em casa e fui embora aflita. Não suportava a idéia daquele casamento.
No dia seguinte a ansiedade me invadia. No trabalho nós nem nos falamos.
À noite ele chegou em minha casa. Eu abri a porta, estava tensa.
Ele me puxou e me beijou longamente. Um beijo de um amor contido por tanto tempo.
-Eu estou livre pra você. O que fiz não foi muito legal, mas como você disse eu não poderia me unir a uma mulher amando outra.
Eu não disse nada, só o abracei. Ficamos em silêncio por muito tempo.
Perdemos muito tempo e quase nos perdemos pra sempre pela relutância em admitir que sentíamos amor um pelo outro.
E o final de nossa história foi feliz, é feliz. Trabalhamos juntos. Dividimos nossa vida. Vivemos juntos com muito amor, respeito e carinho.