Amor Não Precisa Razão
-Bethânia… Bethânia…
Eu estremeci levemente. Toda vez que ouço esse nome eu me sinto tenso, triste. Eu olhei em volta pra ver quem estava chamando. Estava naquele parque lendo tranquilamente meu livro… Perdi a concentração. Fiz uma viagem no tempo. Fiquei pensativo e quando vi estava gravando no tronco de uma árvore: BMT.
O amor chega de repente. Não precisa razão. Não conhece raça, classe social, nível cultural, idade ou qualquer outra barreira que as pessoas insistem em colocar entre si.
Mas por que este mundo tem que ser dividido tão cruelmente em castas? Em todos os tipos de divisão que o ser humano cria?
E aí conhece a infelicidade, a insatisfação, o tédio, a solidão. E conhece a dor da separação, da impossibilidade de viver grandes amores, grandes amizades.
Na minha juventude eu conheci o amor verdadeiro, aquele que não se esquece nunca.
A gente vive, conhece outras pessoas, cria vínculos, gosta, se casa, forma uma família e é feliz ao lado de uma outra mulher. Mas aquele amor fica lá no fundo do coração, da memória, da alma. Guardado como um relicário.
Nossos caminhos se cruzaram um dia que parecia um outro qualquer. Os nossos olhares se tocaram e foi como um sonho bom. Éramos tão jovens. Ela, tímida e recatada, parecia encabulada na minha presença. Eu, um rapaz que muito pouco podia oferecer para uma princesa, criada em berço de ouro.
Muitas outras vezes nos vimos. Eram inocentes olhares, doces insinuações.
No dia em que conversamos o encanto se tornou amor. No dia em que a beijei pela primeira vez, senti que eu a amaria para sempre.
Começamos a namorar. Mas para os pais dela eu não passava de um plebeu que não servia para a princesa.
Não que eu fosse um pobre coitado ou que não tivesse uma família honrada, ou que não tivesse potencial de me tornar um homem de sucesso. Mas minha família lutava com dificuldade. E a família dela era milionária, gozava de status naquela cidade tão conservadora. E queriam para a sua menina alguém muito melhor que eu.
Mas o coração não conhece esse tipo de futilidade, esse tipo de discriminação social.
A gente namorava escondido e se entregou a este amor de corpo e alma. Mais de um ano se passou. Nós dois jovens, ainda adolescentes, sempre encontrávamos um jeito de burlar a vigilância dos pais dela que nos queria longe um do outro. Jurávamos amor eterno e sonhávamos com o nosso futuro.
E por fim aconteceu dela ficar grávida. Fomos inconsequentes. Mas eu jamais fugiria à minha responsabilidade, nem que para isso eu precisasse parar de estudar e ir trabalhar.
Quando os pais dela souberam, o mundo caiu. A virgem princesinha deles se perdeu com o plebeu.
E aqueles covardes, preconceituosos e hipócritas a obrigaram à violência de um aborto. Castraram nosso sonho e tiraram a vida do nosso filho.
Eles a mandaram pra longe para separá-la de mim, como se eu tivesse uma moléstia e para eles eu tinha a moléstia da pobreza.
Um tempo se passou. A gente se comunicava por carta e por telefone. Vez ou outra eu ia vê-la. Eles não conseguiram nos separar.
Mas por fim descobriram que voltamos a nos comunicar e encontrar e a mandaram estudar no exterior.
Nós ficamos tristes. Só comunicávamos por carta. Não entendíamos o porquê de tanta maldade. Eu poderia e me tornei um homem honrado e de sucesso. Por que tentar separar duas pessoas que se amam? Não somos nada nesta vida, estamos aqui de passagem. Tanto orgulho e arrogância não leva a nada.
Longe de todos, em terra estranha ela começou a ficar deprimida. Comecei a notar sua tristeza e apatia em suas cartas. Tentei alertar seus pais, mas ele não me recebiam e não me ouviam. Em minhas cartas eu tentava colocá-la pra cima. Mas por fim ela tentou o suicídio. Acho até que não queria morrer e sim pedir socorro.
Eles a trouxeram de volta. Ela estava totalmente apática. Eles não deixavam que eu falasse com ela.
Ela teve que se submeter a um tratamento psiquiátrico. Vigiada de perto, eu não conseguia me aproximar dela.
Ela nunca mais voltou a ser uma pessoa como era. Soube que fazia uso de medicamentos fortes. Eu só queria ficar perto dela, queria ser seu namorado, cuidar dela.
Por fim, ela desistiu de mim. Começou a namorar um cara que sua família julgava adequado pra ela.
Eu senti muito, sofri muito quando soube. Durante aqueles anos eu só pensei e tive olhos pra ela.
Eu me agarrei aos meus estudos. Consegui me formar e fui trabalhar em outra cidade.
Tempos depois eu soube que ela se casou mas que nunca se curou daquela depressão. Muitas vezes teve que ser internada em clínicas psiquiátricas por tentar suicídio e por crises de depressão.
E eu pensava no que aqueles pais zelosos fizeram com a filha. Se ela estivesse comigo poderia estar saudável e feliz. E eu dando a ela o status que eles tanto queriam. Sempre me sentia triste por ela, por mim e por aquele filho que eles não deixaram nascer.
Tempos depois eu conheci uma mulher que me encantou. Namoramos, casamos, temos uma vida feliz com nossos dois filhos.
Hoje, eu estou com mais de cinquenta anos. Olho para meus filhos, lindos jovens, penso naquele filho, fruto de um lindo amor que foi impedido de nascer. Como ele seria? Seria menino ou menina? E eu choro por ele e por aquela mulher que eu amei tanto e que seus pais, para nos separar, lhe destruiu a vida.
Ouvindo o seu nome, uma saudade me invade a alma e um pesar por tudo que aconteceu. Penso que se eu tivesse desistido dela, seus pais não teriam feito o que fizeram e ela poderia estar bem.
Mas penso também que as coisas sempre acontecem conforme está escrito nas estrelas.
Olho as iniciais dela que gravei no tronco daquela árvore. Mais algumas lágrimas vêm pra lavar minha alma. Faço uma oração por Bethânia. Queria tanto que ela fosse feliz!
Pego meu livro e volto para meu mundo, para a minha família que tanto bem me faz. Minha esposa é meu porto seguro, o meu amor real…