O ULTIMO ATO- ADDIO AMORE

CAPÍTULO I

Lorenzo está sofrendo, completamente sem chão!

— Ana se foi…

Ele está a três dias dormindo sobre sua sepultura!

—O que vou fazer agora, preciso ver meu filho!

Lorenzo era o segundo filho de uma família de imigrantes italianos.

Seus pais, senhor Ângelo e dona Tereza, saíram da Itália com o filho mais velho e grávida do segundo filho.

Traziam em sua bagagem algumas roupas, couros e ferramentas para fabricação de sapatos, e a esperança de uma vida melhor.

Uma longa viagem, quase cinco meses, com condições precárias, comiam e dormiam mal, conviviam com pessoas doentes e viram muitos morrerem antes de chegar à América, a terra dos sonhos dos Italianos.

Na metade do caminho para o Brasil, em pleno oceano atlântico, nasce Lorenzo!

Trouxeram o endereço de alguns parentes que já estavam morando em São Paulo há algum tempo e foi uma ajuda e tanto até que eles tomassem um rumo na vida.

Foram morar nas redondezas do bairro da Mooca, em uma casa grande, mas simples, onde a maioria dos patrícios viviam. Foi um começo muito difícil, mas ali se firmaram e com muito suor e trabalho, a vida foi passando.

Ali nasceram e cresceram quase todos os seus meninos.

As crianças iam para escola somente até o segundo ano primário, e assim que aprendiam a ler já ficavam em casa cuidando dos mais novos, porque a Mama tinha que trabalhar.

E assim os bambinos iam crescendo, sempre perto de seu pai.

O Senhor Ângelo começou uma pequena fábrica de calçados no fundo do quintal.

Com a ajuda dos amigos italianos foi fazendo uma clientela nas lojas de São Paulo. Afinal de contas essa era sua profissão herdada de seu pai lá na cidade de Beneveneto, na Itália.

A oficina era um cômodo quente e com pouca ventilação, pedaços de couro dependurado na parede que cheirava forte, uma bancada de madeira, vários bancos e muitas ferramentas espalhadas.

Dessa oficina saia o sustento da aquela grande família.

O senhor Ângelo, um italiano de meia idade, sofrido pela Miséria da guerra na Itália, vivia sempre muito mal-humorado.

Usava camisa de mangas compridas arregaçadas e suspensório para segurar as calças, sempre com um charuto na boca, e aquele ar de poucos amigos.

Era assim que aos berros comandava seus filhos, Raffaele, Lorenzo, Fabrizio, Giuseppe e o mais novo Giovanni, todos passavam o dia fazendo serviço de gente grande, para terminar mais uma encomenda de sapatos.

De vez em quanto o senhor Ângelo, pegava pelo pescoço o filho Lorenzo, que era magricela, mas muito esperto, e dava um grande saco de sapatos já prontos e o endereço da loja, cuspia no chão, e avisava que antes que aquilo secasse, ele teria que estar de volta.

Lorenzo saia como um louco, chocando bonde, correndo, e quase todas as vezes a entrega era no centro da cidade, e ele sabia que se demorasse com certeza iria apanhar.

Fazer sapatos não era nada fácil, tinha que mexer com muitos elementos: cortar o couro, juntar as partes, coser, pintar, engraxar e polir.

O senhor Ângelo não era somente um sapateiro, mas um artista, pois ele compunha todos aqueles elementos de forma que ficavam belos, confortáveis e fortes. Daquela oficina saíram verdadeiras obras de arte, modelos femininos e masculinos exclusivos criados por ele.

Os meninos ficavam admirados quando viam o Babo com a boca cheia de pregos e sem engolir, batendo com tanta força o martelo na sola do sapato, encaixado na cabeça redonda da fôrma.

Rafaele e Lorenzo já podiam cortar forros e palmilhas e até descarnar o couro com a faca. Sempre sendo supervisionado de perto pelo pai.

Os mais novos engraxavam os sapatos e passavam os cadarços, mas todos tinham suas tarefas.

Quase sempre aqueles jovens de 15, 16, 17 anos passavam de 8 horas de trabalho e muitas vezes cochilavam em cima dos couros, pregos e martelos.

Senhor Ângelo com sua natureza explosiva se irritava com facilidade e nessa hora aquele pai, que de noite abraçava e beijava e dizia que amava seus filhos, acertava uma bofetada e um pescoção naqueles meninos ainda franzinos, quando algum deles choramingava com o dedo machucado.

Mas nos dias bons, o Babo cantava canções da Itália e contava muitas histórias enquanto trabalhavam assim o tempo passava mais rápido.

Ele amava seus bambinos, mas era um homem de pouca paciência e de maneira rude de tratá-los.

A Mama ficava triste e muitas vezes implorava para não machucar as crianças.

A Dona Tereza, trabalhava em uma fábrica de fiação de algodão ali mesmo no Brás e depois da sua jornada de trabalho, ainda cansada, passava na quitanda da dona Mercedes, pegava alguns legumes para a sopa, marcava na caderneta para pagar somente no final do mês.

Finalmente chegava em casa com o cabelo cheio de fiapos de algodão, calçava seu velho chinelinho, colocava aquele avental surrado e ia direto para o tanque de roupas e depois de algum tempo corria para fazer a janta para aqueles marmanjos.

A mama era amável, de poucas palavras, mas de muitos abraços e beijos com seus meninos.

Lorenzo era muito observador e via como sua mãe chegava cansada e o olhar triste. Um dia voltando de uma de suas entregas de sapatos viu uma senhora vendendo flores.

Lembrou-se da Mama, se aproximou da senhora e disse:

—Senhora, se eu cantar uma cançoneta italiana para atrair fregueses para que comprem suas flores, a senhora me dá algumas?

— Sim, menino, cante!

E sem nenhum constrangimento cantarolou por alguns minutos e até recebeu aplausos.

A senhora das flores ficou feliz e lhe deu um lindo ramalhete e pediu:

— Volte, Volte outras vezes!

Lorenzo saiu feliz da vida. Cantar foi muito fácil e as flores não lhe custaram nada.

Naquele dia quando Dona Tereza chega do trabalho, Lorenzo corre com as flores escondida nas costas e como sempre fazendo graça, se ajoelha e beija as flores e diz:

—Mama! Amore mio!

Dona Tereza até se assusta e pergunta?

—Bambino, você roubou?

—Não Mama, ganhei pra você!

A mama abraça e beija, coloca as flores no jarro e vai pra lida.

E assim, dia após dia, a vida daqueles meninos era muito difícil.

Senhor Ângelo fazia questão que eles aprendessem a profissão, todos tinham que saber o processo de construção de um sapato masculino e feminino.

Era o sustento da família. — E se um dia eu morrer, quem vai tocar a fábrica? Dizia ele.

Nos domingos, o senhor Ângelo deixava os garotos saírem. Mas ir onde, sem dinheiro?

O Fabrizio adorava jogar uma pelada com os meninos da vila.

Giuseppe só queria dormir o dia todo, Giovani o mais novo só queria ficar um pouco mais com a Mama.

Raffaele e Lorenzo, os mais velhos, iam dar umas voltas na praça para ver as garotas.

Mas lembravam-se das recomendações do seu pai e logo voltavam para casa, sabiam que qualquer motivo era bom para tomar uma surra!

Em uma tarde de domingo Lorenzo estava no portão de casa e vê uma bela jovem passando, muito engraçadinho, dá umas piruetas na sua frente e quase derruba a moça.

Não demorou e a vizinha, mãe da moça, veio pedir explicações a Dona Tereza.

Babo chama Lorenzo dá logo um pé do ouvido e diz:

—Vê se não me cria problema!

Mas Lorenzo era inquieto, estava sempre fazendo alguma coisa para chamar a atenção.

Seu pai tinha um amigo imigrante árabe, Senhor Camilo, que morava ali na redondeza e encomendava seus sapatos para revender.

Algumas noites ele vinha com sua esposa conversar e tomar um vinho com o Babo.

No dia seguinte, Lorenzo ficava o dia todo imitando o jeito de o Árabe velho falar e andar.

Seus irmãos não conseguiam trabalhar, tanto que riam até que o Babo desse um basta.

CAPÍTULO II

Assim o tempo foi passando, e os garotos mais velhos resolveram pedir um salário para seu pai. Afinal de contas era justo, eles já eram jovens e precisavam ter seu próprio dinheiro!

Lorenzo sabia que poderia dar errado e combinou com seu irmão:— Você é o mais velho, vai lá pedir!

E foi um desastre, seu pai ficou furioso, quando o garoto quis argumentar! Bateu com uma cadeira na cabeça Raffaele.

Coitada da Mama corre com o filho ao hospital, e tem que mentir, dizer que foi um tombo!

No outro dia o Senhor Ângelo fala manso com o filho, e diz.

— Descanse hoje!

Raffaele ainda com dor na cabeça, e ódio no coração, sobe as escadas e fica em seu quarto pensando que isso tem que acabar.

Chama Lorenzo e pergunta?

— Vamos fugir de casa, não aguento mais apanhar do Babo?

Mas no dia seguinte ele está de volta à oficina e ao comando do seu pai.

Lorenzo era esperto, observador, casca grossa, já tinha levado várias surras por causa das suas peripécias.

Mas aquele bambino não era fácil, muito nervosinho e volta e meia saía no tapa com seus irmãos, e acabava tomando um pescoção do Babo.

Sem falar que de vez em quando arrumava encrenca com os meninos da vila.

Até quando a briga não era com ele, se envolvia para separar e acabava na confusão.

Gostava de inventar histórias, ele era muito engraçado e quando contava piadas, vez ou outra, até conseguia arrancar umas gargalhadas do Babo.

Ele era diferente dos outros:

No almoço de domingo, na hora daquela macarronada napolitana que só a Mama sabia fazer, Lorenzo era o primeiro a elogiar já com a intenção de repetir o prato!

Ele era malandro, mas era muito carinhoso e beijoqueiro, sempre que podia, agarrava a Mama e enchia de beijos lambuzados. Com seu pai também, era o único que pedia para saber mais sobre as histórias da Itália, e isso fazia brotar um pequeno raio de ciúmes em seus irmãos.

— Não é à toa que você nasceu no meio do caminho, não é brasiliano nem italiano! Diziam os irmãos para provocá-lo.

Curioso e muito travesso, às vezes escapava a noite e ia à porta de um teatro que tinha no bairro do Bixiga, e ficava ouvindo as músicas e espiando os dançarinos.

No outro dia ficava contando suas aventuras para seus irmãos, que sempre avisava:

— Se o Babo te pegar, ele te esfola.

Lá funcionava um teatro que foi fundado por operários imigrantes espanhóis, italianos, portugueses, há algumas décadas, e além das peças teatrais que eram exibidas quase todas as noites, também se realiza o famoso baile.

Com exceção dos músicos, geralmente contratados para animar as festas, a participação no baile envolvia atores e espectadores da apresentação anterior.

Sempre estavam presentes os pais e mães para vigiar suas filhas na diversão da dança.

Lorenzo, muito falante, fez amizade com o porteiro do teatro, o jovem Carlito.

Certa noite Lorenzo trouxe um par de sapatos novinhos para Carlito e disse:

— Se Você me deixar entrar aí sempre que eu quiser te dou este par sapato de presente,

Carlito, filho de operário, ganhava uma mixaria para ficar ali na bilheteria, ficou louco pelo sapato, não conseguiu falar não para aquele italianinho.

— Tudo bem, vou te deixar entrar, mas vê se não me complica, não posso perder o emprego, meu pai me mata!

— Combinado!

Pronto, Lorenzo fugia de casa toda quinta e sexta à noite, assistia à peça teatral e participava do baile que tinha depois.

O Senhor Ângelo nunca desconfiou das suas escapadas.

No outro dia ficava ensaiando com a vassoura os passos da dança e seus irmãos se divertiam assistindo.

Em pouco tempo Lorenzo, já sabia dançar valsa como ninguém.

Em uma noite assistiu a um show de sapateado, ficou apaixonado, se lembrou do filme de Fred Astaire.

Assim que o espetáculo terminou, o garoto entrou de fininho no camarim do artista. Ficou de boca aberta ao ver os bastidores até que o Dançarino dá um grito:

—Ei rapaz parado aí!

Lorenzo gaguejando diz:

—Eu, eu só quero ver os seus sapatos, porque vou fazer um igual.

— Você me ensina a sapatear?

— Em primeiro lugar, quem te deixou entrar aqui para perturbar o meu sossego, garoto? Disse o dançarino.

— Agora quer ver meu sapato, e fazer igual, quer que eu te ensine a sapatear? De onde você saiu?

A voz de Lorenzo nem saia, ele só olhava para o sapato do artista, como para não perder nenhum detalhe.

Os olhos do garoto brilhavam tanto que o dançarino não resistiu e disse:

—Quem é você?

—Eu sou filho de um artista que faz Sapatos! disse Lorenzo.

—É mesmo? E você quer fazer igual ao meu?

— Sim, e aprender a sapatear como o senhor!

— Está bem, aqui tenho um par que não uso mais, pode levar e usar de modelo e se você conseguir fazer um sapato igual, eu te ensino a sapatear, conclui o artista.

O dançarino até se esqueceu do ocorrido, nem levou em consideração, pois achou que era apenas um garoto curioso, mais nada.

Na semana seguinte, lá estava Lorenzo com seu sapato ultra brilhante, igual ao dançarino famoso.

Assim que terminou o espetáculo, o rapaz correu em direção ao seu ídolo.

— Estou pronto, podemos começar?

O artista ficou espantado com o sapato que ele trouxe e perguntou:

— Muito bom garoto, onde conseguiu esse sapato?

— Eu fiz, respondeu. Lorenzo.

— Como assim, garoto, você sabe fazer sapatos? E ainda para sapateado?

— Sim, disse Lorenzo, eu trabalho com meu pai e meus irmãos em nossa oficina de sapatos e quando vi o seu sapato só fiz igual.

Então o artista, impressionado com o desejo de aprender do garoto, começou a ensinar sem cobrar nada.

Lorenzo saia sapateando por todos os lados, e seus irmãos riam e achavam que ele estava ruim das ideias.

O dançarino famoso ficou impressionado quando percebeu que o garoto tinha talento e com poucas aulas permitiu que Lorenzo fizesse parte do seu grupo.

Apesar de não receber nenhum tostão pelas apresentações, ele se sentia realizado.

Mas não demorou para que seu pai descobrisse suas escapadas e onde ele ia todas as noites.

Foi uma grande confusão, então Lorenzo e seu irmão Raffaele resolveram sair de casa.

Mais uma vez Dona Tereza ficou muito triste, mas, pelo menos, esses dois não vão mais apanhar do pai a toda hora.

CAPÍTULO III

Lá vão os dois com a trouxa nas costas, um martelo e um pedaço de couro pra começar sua própria produção de sapatos.

Alugaram um quartinho em um cortiço no Braz, e trabalhavam bastante e a renda era pouca, mal dava para o aluguel e a comida.

Lorenzo ia quase todas as noites no teatro, e era admirado por todas as damas, pois dançava valsa, tango, sapateado, era como um Fred Astaire brasileiro.

Mas as suas mãos eram calejadas por tantas marteladas e as facas afiadas para afinar o couro, que muitas vezes cortavam seus dedos e era só enrolado com um pano sujo da oficina pra estancar o sangue e continuar a trabalhar.

Lorenzo não se envergonha disso, muito pelo contrário tinha orgulho, pois dizia ele, tenho uma profissão, sou criador dos sapatos mais lindos de São Paulo!

Agora ele já era um rapaz feito, não mais um menino magricela.

Andava sempre de terno, com brilhantina nos cabelos e seu bigodinho sempre bem aparadinho.

Uma bela noite, no teatro, enquanto o elenco da nova turnê ensaiava, um dos artistas teve um mal súbito e teve que ser socorrido.

E agora o que fazer, era a grande estreia na noite seguinte, se desesperou o diretor do espetáculo.

Mas o garoto Lorenzo estava por perto, era sua grande chance, e ele não perdeu tempo, deu um pulo e disse:

— Eu consigo fazer esse papel!

Disse o diretor:

— Não garoto, tem muitas falas, é um texto grande, como você vai decorar de um dia para o outro?

—Você é apenas um aprendiz de dançarino, agora quer se meter a ator? falou em tom de desprezo.

—Não tem como! Acho melhor cancelar a estreia!

Mas Lorenzo presenciou muitos ensaios daquela peça e já estava até familiarizado com o personagem.

— Não, insistiu Lorenzo, eu consigo!

Sem alternativa, o diretor deu o texto pra ele e disse:

— Amanhã às 16:00 horas quero você aqui, para ensaiar com a pessoa com quem terá que contracenar, isto não é um teste.

Lorenzo saiu igual um louco pela rua lendo o texto, batendo a cabeça no poste, pisando em poça de água, até chegar a sua casa.

Quando contou para Raffaele o que ele ia fazer, seu irmão caiu na risada!

— Você não regula bem da cachola, acho que o babo bateu tanto na sua cabeça que perdeu todos os parafusos!

Lorenzo passa a noite decorando o texto, e Raffaele de vez em quando, grita:

— Apaga a luz e deixa de ser bobo, amanhã temos trabalho!

O garoto dormiu menos de 4 horas, e ainda tinha uma encomenda de sapatos para entregar no bairro do Pari, e lá vai ele correndo feito um doido.

Aquela encomenda era em um saco e pesava mais ou menos 60 quilos, ele carregava nas costas, e seu caminho era a pé, desviando das pessoas, dos carros, não era nada fácil.

Enfim, a entrega foi feita, e o valor recebido.

De volta para casa, divide o dinheiro com seu irmão, e tudo recomeça, porque trouxe um novo pedido.

— Mas hoje não, disse ele para Raffaele, vou para o teatro agora!

— Já não basta quase toda noite, agora de dia também, disse seu irmão.

— Trabalho dobrado se você quiser, mas hoje é a minha estreia como ator de teatro.

— Me empresta o seu terno novo?

— Está bem, vai, afinal de contas alguém nessa família tem que sonhar, pega meu terno novo e boa sorte bambino! disse Raffaele.

Lorenzo toma um belo banho, passa brilhantina nos cabelos pretos, apara o bigodinho que era seu charme, veste o terno, pega o texto na mao respira fundo, faz uma cara de galã para o espelho e sai.

Raffaele fica sorrindo, balançando a cabeça e imaginando o fiasco do irmão!

Chega ao teatro na hora marcada, e vai falar com o diretor.

O diretor pensou que se o garoto conseguir decorar o texto o espetáculo não para e eu tenho um tempo para achar outro ator capaz.

— E não é que você veio mesmo, garoto? Por acaso você leu o texto? Esqueci-me de perguntar se você sabia ler, com ar de deboche, disse o diretor.

— Sim senhor, li e decorei e estou pronto!

— Então vamos lá, disse o diretor.

— Comece seu texto.

— Mas Senhor, onde está a atriz que vai contracenar comigo?

— Por enquanto sou eu mesmo garoto, só pra ver se você sabe mesmo.

— Está bem.

E assim começou o diálogo do personagem do Lorenzo e o diretor lendo a fala da contra cena.

Ao terminar o diretor e todos que estavam no lugar e que pararam para ver o fiasco do garoto, se rendem aos gritos de "bravo!" e "muito bom, muito bom".

Então o diretor lhe deu os parabéns e naquela noite Lorenzo brilhou como ator.

A estreia foi um sucesso!

Lorenzo foi parabenizado por todos, dançou com as moças mais bonitas e voltou para casa se sentindo um vencedor.

Ele substituiu o artista que estava doente por toda a temporada naquele teatro.

Agora ele tinha um cachê pequeno, mas tinha, agora ele era um ator!

No dia seguinte foi correndo contar para sua família da sua conquista.

Mama, Babo, agora eu sou um ator, espero vocês em qualquer dessas noites para me ver atuando!

Seus Pais se olharam e sorriram por ver a alegria do seu bambino.

CAPÍTULO IV

Depois de algum tempo, Lorenzo fica atrás de outro diretor pedindo um papel em uma comédia que estavam ensaiando.

O diretor não aguentava mais aquele italianinho chato!

—Garoto, você foi bem naquele personagem, mas isso não quer dizer que você é um profissional!

— Mas me dá uma chance, eu sei que consigo!

— Me dá um personagem nessa comédia, eu vou fazer você ficar de boca aberta! Por favor!

— Eu sei dar cambalhotas, e piruetas!

— Isso aqui não é um circo, é um teatro garoto!

De tanta insistência o diretor deu uma chance a ele, e pensou: — Esse garoto é bom mesmo, mas vamos ver até onde ele consegue!

Ele começou a ensaiar, e contracenar com outros artistas, e tudo levava na brincadeira. O diretor ficou apreensivo, porque ele em vez de falar o texto como estava no roteiro, trocava por imitação de turco ou imitação de japonês. Ninguém conseguia ensaiar, tudo virava uma gargalhada só!

O diretor chegou até ameaçá-lo de tirá-lo da peça.

Mas ele sorria e voltava a seguir o roteiro.

Chegou o dia da estreia da comédia:

Lorenzo já estava pronto e caracterizado juntamente com todo elenco.

E as cortinas abriram e a comédia foi um sucesso!

Mas o diretor estava querendo matar e ao mesmo tempo beijar o garoto Lorenzo!

Imaginem só, ele além do texto, improvisou tanta coisa que o teatro quase foi abaixo, o público quase morreu de tanto rir...

Foram muitos elogios, e agora ele era um profissional.

Mas, não parou aí, Lorenzo foi convidado por uma companhia de teatro para fazer uma turnê, por várias casas noturnas de São Paulo, com uma peça onde ele era o ator principal.

A peça se chamava LOUCO AMOR, e em muito pouco tempo ficou conhecido no mundo artístico, atuando e dirigindo.

Seu irmão Raffaele, havia conhecido uma linda espanhola e se casou então Lorenzo ficou sozinho com todas as despesas e não conseguia mais fazer sapatos.

Em 1930 o artista não era profissão e ele era muito jovem, com apenas 19 anos, tudo que ganhava gastava.

Então não teve alternativa, e foi pedir perdão ao seu pai para voltar a morar com a família.

Ah, mas o senhor Ângelo deu uma condição! Trabalhar na oficina e ajudar a pagar seus gastos.

E assim seus dias foram correndo, seu relacionamento com o Babo melhorou.

Quase todas as noites no teatro e durante o dia na oficina de sapatos.

De vez em quando uma briga de ciúmes entre irmãos, deixava a Mama muito triste. Eles achavam que o Babo tinha preferência pelo filho Lorenzo.

Um belo dia, um amigo do Babo, o Senhor Brandelli, recém-chegado da Itália, fez uma visita e começaram a frequentar a casa um do outro.

Senhor Brandelli tinha uma única filha. Ana era solteira e já tinha 27 anos, era muito bonita, prendada e educada.

Assim que viu Lorenzo, ficou logo apaixonada.

Lorenzo nessa época tinha 19 anos e estava começando uma carreira de ator.

Agora ele era professor de sapateado e estava dirigindo uma peça.

O senhor Ângelo, começou a influenciar o filho a casar com a moça.

Lorenzo, muito galanteador, se aproximou dela, e por influência da família começou um namoro.

Para Lorenzo tudo era muito divertido, a moça era fina, elegante, e ele podia levá-la nos jantares depois das suas apresentações como galã.

O tempo foi passando e Ana cada dia mais apaixonada por ele.

E Lorenzo está cada dia mais interessado nos bailes e na sua carreira.

A família de Ana providência o casamento, a festa, tudo.

A casa e a mobília, cristais vindos da Itália. Para Lorenzo estava tudo bem, tudo certo.

As famílias se confraternizavam, e o casamento ia muito bem.

Passa um ano e Lorenzo continua em suas noitadas, chegando em casa somente ao amanhecer.

Agora São Paulo não tinha somente os teatros populares acanhados e baratos que dominavam a cidade, agora também tem grandes empreendimentos bancados por famílias tradicionais para distração da elite.

Foi então que Lorenzo ficou conhecido e foi convidado para estrelar uma peça nesse novo mundo até então desconhecido.

O sucesso foi imediato, e recebia convites para se apresentar e dirigir peças em outros estados. Ficava por meses fora de casa em temporada de uma peça em cartaz.

Ana ficava com muito ciúme. Afinal ele era muito mais jovem do que ela e vivia cercado de mulheres lindas e jovens.

O sucesso artístico mexeu com seu ego, e Ana não fazia parte desse mundo, passou a agir como se fosse solteiro e sua vida noturna era intensa.

Começam as brigas, mas ele garante que é só trabalho e diversão, ele não vai trocá-la por outra.

— Já repeti mais de mil vezes, Ana, eu amo você! Dizia Lorenzo.

O senhor Jacinto morava na mesma rua e trabalhava com seu carro de praça.

Certa noite Ana procurou o senhor Jacinto e contratou uma corrida de ida e volta até o teatro na Avenida Paulista e pediu segredo.

Ana vestida com um sobretudo preto e um chapéu de cetim que cobria parcialmente seu rosto, compra ingresso e assiste a apresentação teatral em que seu amado marido contracena com uma linda loira.

Não conteve as lágrimas ao ver a declaração de amor do personagem para aquela estranha, levanta e sai antes do término da peça.

Volta pra casa e chora. Ela não se conforma de ver seu amado nos braços de outra, mesmo sendo uma mentira.

Outra noite, Ana vai ao teatro, e fica observando furtivamente aquele jovem dançando com várias mulheres. Fica enfurecida, quase perde o controle e faz um escândalo, mas sente uma palpitação e tontura, então resolve voltar para o carro do senhor Jacinto.

— Rápido, senhor Jacinto me leva para casa, por favor.

Ana tomava alguns medicamentos, mas seu marido desconhecia esse fato.

E cada noite ela chorava e pedia para que ele largasse essa vida.

Ele era apenas um jovem, deslumbrado com o sucesso, e não tinha noção de como administrar tudo que estava acontecendo, carreira e esposa...

Ela não sabe o que fazer para mudar essa situação, então pensa:

-Um filho, talvez ele mude!

Ana não poderia engravidar, tinha um grave problema no coração, mas Lorenzo não sabia disso!

O tempo vai passando e ela se desespera, e então decide ficar grávida.

Depois de alguns meses, acontece, ela está grávida!

Quando tem certeza, fica até de madrugada acordada para dar a notícia para Seu amor.

Lorenzo pula de alegria, dá cambalhotas, abraça e beija sua esposa.

Ana fica surpresa e feliz porque não esperava tanta alegria.

Os meses se passam e sua família fica preocupada pois sabem da doença da filha, mas, tem esperança que tudo vai correr bem.

Lorenzo, nos primeiros dias até diminuiu o ritmo das noitadas, mas logo retomou suas apresentações no teatro e nos bailes.

CAPÍTULO V

Pouco tempo sobrava para sua esposa, que já estava com quase de nove meses de gestação.

Muitas vezes Ana questionava Lorenzo se ele a amava, e ele sempre dizia que sim.

— Ana, eu não quero que duvides do meu amor por você! Eu a amo sim, dizia ele.

Ela ainda tinha esperanças que o filho o faria mudar de profissão, ou talvez, diminuir essa vida noturna!

Em uma noite, Ana passa mal, sente muita falta de ar e fraqueza. O senhor Brandelli foi chamado e levou sua filha para o hospital.

Naquela noite Lorenzo está especialmente alegre, não vê a hora de chegar em casa para contar para sua esposa a proposta que recebeu.

Foi convidado para dirigir uma peça de um produtor famoso no Rio de Janeiro. Agora sim será uma grande conquista e o verdadeiro reconhecimento do meu talento, pensava ele, enquanto caminhava para casa.

Mas ao chegar em casa por volta das cinco horas da manhã não encontra sua esposa, correu para casa dos sogros e eles também não estãvam, mas é informado que Ana está no hospital.

Acreditando que seu filho está nascendo, feliz corre alguns quilômetros a pé até ao hospital onde Ana está internada.

No hospital o Senhor e a Senhora Brandelli estão sentados na recepção com os olhos cheios de lágrimas.

Ao se deparar com essa cena, Lorenzo que estava muito feliz pergunta aos pais dela o que está acontecendo.

O pai de Ana fecha o punho e leva em direção ao nariz de Lorenzo, mas é acalmado pela sua esposa.

O rapaz grita:

— Pelo amor de Deus, o que está acontecendo?

Então, o Senhor Brandelli em lágrimas diz:

— Minha linda filha está morrendo...

— Não, como? estava tudo bem com ela hoje, o que houve? Diz Lorenzo.

Então a mãe de Ana conta sobre a lesão no coração e que ela não poderia ter filhos. Mas mesmo sabendo do risco ela decidiu ser mãe para tentar atrair a atenção do marido.

Lorenzo se desespera:

— Por quê? Meu Deus eu a amo, não precisava ela fazer isso!

— Quero ver minha esposa! Deixe-me entrar...

— Não pode, estão tentando tudo que podem para salvar a vida dela e do bebe, vocês têm que aguardar, disse a enfermeira.

Lorenzo anda de um lado para outro, esmurra a parede, fuma um cigarro atrás do outro.

O tempo não passa! Volta e pergunta para enfermeira novamente, tenta entrar nos corredores do hospital, mas é barrado várias vezes.

Depois de algumas horas, aparece um médico com um olhar cansado e pergunta sobre os familiares da senhora Ana.

Lorenzo dá um pulo e se põe em frente ao médico para ouvir o que ele tem a dizer:

— Infelizmente fizemos tudo que estava ao nosso alcance, mas a senhora Ana faleceu. A criança é um menino, está bem fraquinho, mas vai sobreviver, sinto muito, disse o médico.

— Não! O grito de Lorenzo ecoou pelo silêncio daquele hospital.

O rapaz sai correndo desnorteado sem dizer mais nenhuma palavra.

Enquanto a família Brandelli comunica a todos o acontecido, ninguém consegue encontrar Lorenzo.

O rapaz perambula por quase 8 horas pelas ruas de São Paulo, ora senta na calçada e chora, ora caminha sem direção chamando por Ana.

Depois de andar por vários lugares, um de seus irmãos o encontra sentado na porta de uma loja já fechada.

Arrasta-o para casa do Babo, e a família dá forças para que ele possa acompanhar o enterro da esposa.

Na cerimônia de despedida de Ana, Lorenzo não consegue sequer ficar em pé, faltava-lhe forças até para chorar.

O Senhor Brandelli, olha pra ele com olhar de condenação, e isso aumenta mais a sua dor.

Todos se retiram do cemitério, mas Lorenzo fica.

A noite cai, e ele continua debruçado sobre o túmulo da esposa.

No dia seguinte seu irmão Fabrizio, procura por ele, para dar algum apoio e não acha em lugar algum.

O senhor Brandelli, ironicamente diz:

— Procurem no teatro, ele deve estar dançando, ou representando “Louco Amor”.

A família começa a se preocupar, e alguém diz que ele foi visto no cemitério hoje de manhã.

Foram à procura dele, e lá estava ele dormindo sobre a sepultura.

Tentaram levá-lo para casa, mas foi em vão:

— Não vou sair daqui enquanto minha dor não passar! Disse Lorenzo.

Como não tinha jeito, Fabrizio levou um lanche pra ele e ali ele continuou.

Deixaram o rapaz sozinho na esperança que o cansaço, o frio, a fome o fariam desistir e voltar para casa.

Mas no terceiro dia, Dona Tereza, depois de sair do seu trabalho, comprou um ramalhete de rosas vermelhas e foi até ao cemitério.

Abraçou seu filho e choraram juntos, conversaram muito e colocaram aquelas flores sobre a sepultura.

Então convenceu Lorenzo a voltar para casa. Ele estava sujo, barba por fazer, muito abatido, sem forças para continuar.

Foi então que ele se deu conta do seu bambino!

Correu para casa do senhor Brandelli, e eles não queriam abrir a porta para ele.

— Senhor, preciso ver meu filho, me deixa entrar, por favor!

Implorava o viúvo.

— Porque fazem isso comigo? Estou sofrendo!

Depois de muito tempo, deixaram entrar e ver seu filho.

Lorenzo pegou o pequenino nos braços e o amou mais que sua própria vida.

— Vou agora mesmo registrar meu filho, com o nome que Ana escolheu: Nelson, e vou cuidar dele!

Depois, voltou ao cemitério e passou o resto do dia conversando com Ana.

Ele não sabia para onde voltar. A casa que vivia com Ana já não existia mais, ele estava totalmente perdido e sem rumo.

— Como vou cuidar do meu filho?

— Estou completamente sem chão!

A partir daquele dia a mãe de Ana não permitiu mais que Lorenzo visitasse seu filho, achava que ele não estava bom das ideias.

Nelsinho estava com 20 dias, nasceu fraco com alguns problemas. Talvez a criança tivesse a mesma doença no coração herdada de Ana.

A senhora Brandelli, apesar das posses, não levou o pequeno Nelsinho em nenhum médico.

A criança recusava todos os leites oferecidos e chorava muito. Não foi alimentada adequadamente.

Seu coraçãozinho foi enfraquecendo até que parou.

Mais uma vez, a família Brandelli culpam o rapaz pelo infortúnio.

Lorenzo foi informado por um garoto de recado, como se fosse um pequeno favor.

Ele enlouquece, vai até a casa dos Brandelli, bate na porta, grita, chama por eles e ninguém o atende e não lhe dão nenhuma satisfação.

Volta depois de algumas horas com Dona Tereza e Senhor Ângelo só então é atendido e deixam que Lorenzo vele por seu filho Nelsinho.

Lorenzo leva o caixão do seu pequeno Nelsinho nos braços e o coloca ao lado de sua esposa.

Conversa com ela, e fica ali aquela noite, mesmo com a insistência dos familiares para que ele volte para casa.

CAPÍTULO VI

Lorenzo volta para casa, mas não existe mais casa. Os Brandelli fizeram a mudança, a casa estava vazia. Não havia nem uma lembrança de sua esposa ou de seu pequeno filho.

Sentou no chão e chorou muito!

— Porque fizeram isso comigo?

Então vai para casa de seus pais, mas não consegue dormir e sai vagando pelas ruas do Brás como um alienado.

Os dias vão passando e ele se esquece da proposta que recebeu dias antes.

Volta pela manhã para casa de seus pais e dorme por dias.

Pega algumas roupas e vai morar em uma pensão. Durante a noite tem pesadelos e grita assustando os moradores daquele lugar. Isso se repete por várias noites.

Após uma semana a dona da pensão pede para que se retire do local, e ele não discute, vai embora.

Aluga um quarto no mesmo bairro e ali passa a ter alucinações e conversar com os mortos. Tem visões de Ana e seu filho, fala sozinho, chora, fuma e quase não se alimenta.

Lorenzo se sente culpado pela morte da esposa. Então sem saber decreta a sua própria morte.

Aquele em nada parecia com o ator de sucesso, com o garoto alegre e brincalhão, agora era somente um corpo sem alma, que vagava entre os vivos.

A Mama sempre está procurando por ele, até que o encontra e leva comida, lava suas roupas e implora para ele voltar para casa.

Passam três meses e ele perde peso e a noção do tempo. Passa suas noites em bares e os dias dormindo até que seu dinheiro acabe.

Não tem como pagar o aluguel do quarto nem um tostão para se alimentar.

A Mama e seus irmãos fizeram de tudo para levá-lo de volta para casa, mas ele queria a solidão.

Então o Babo toma a decisão de trazer o filho de volta de qualquer jeito e ajudar a recompor sua vida.

Arrastado volta pra casa da família, mas mesmo assim ainda não voltou a realidade.

Foi procurado pelo diretor da peça que estava em cartaz e ele era o ator principal, e ele disse:

—Me esqueçam, não tenho mais brilho, só reflito tristeza, não consigo sorrir, não consigo fingir...

— Me desculpem

— O ator morreu!

CAPÍTULO VII

Depois de alguns meses ele volta a morar sozinho naquele quarto que dividia com o irmão. Pegava algumas encomendas de sapatos e ia se virando.

Nessa época o Brasil vivia um período difícil, Getúlio Vargas assumiu a presidência da República, mas o povo não estava contente com a leis e a situação do país.

Em 1932 um grande conflito armado surge em São Paulo, jovens estudantes, exigindo uma nova constituinte.

São Paulo estava em guerra, não havia muitas oportunidades de trabalho e era muito perigoso andar pelas ruas.

A produção e as encomendas de sapatos eram cada vez menores, ele sozinho não tinha como pagar as despesas de aluguel e alimentação.

O tempo foi passando e as grandes indústrias tomaram conta da região.

As lojas de calçados, agora só faziam encomendas das fábricas modernas do sul do Brasil. Os pequenos fabricantes de calçados já não existiam mais.

Lorenzo andava à procura de emprego, ainda morava sozinho e as lembranças de Ana e Nelsinho eram muito fortes na sua vida.

Todo o mês ia ao cemitério e ficava por horas choramingando balbuciando palavras em português misturado com a língua italiana.

Em uma dessas visitas ao cemitério encontrou um amigo que há anos não via.

Conversaram muito e Geraldo o convenceu que já era tempo de ele deixar os mortos descansarem em paz.

Aconselhou-o que deveria tocar a vida para frente e que ele era muito jovem ainda.

Lorenzo ficou animado com o conselho do amigo, que depois de alguns dias até lhe arrumou um emprego.

Volta mais uma vez morar na casa do Babo, e começa a trabalhar em uma grande indústria na região do Ipiranga.

A dor da perda da esposa e filho não estava totalmente curada, mas ele agora podia respirar, só pensava em trabalhar. Ainda continuava se vestindo com camisa preta, se sentindo como viúvo após Cinco anos.

Deixou a vida noturna e o seu amor pelo teatro nem se lembrava mais.

Lorenzo na sua hora de almoço, ficava com outros rapazes em bar jogando sinuca.

Na região tinha muitas fábricas de tecelagem e fiação, onde se empregavam muitas moças.

Nesse horário as moças também passavam para almoçar.

Um belo dia, Lorenzo viu uma moça, muito séria, com uma saia estampada de borboletas que imediatamente lhe chamou a atenção.

Muito galanteador, pulou na sua frente e fez uma poesia, o que pra ele era a coisa mais fácil do mundo!

Ficou sem graça, porque a moça não deu nem um sorriso e ainda desviou dele.

Seus colegas riram, ele nem se importou, mas ficou encantado com aquela morena.

A partir daquele dia, sempre no mesmo horário, ficava à espera da morena, que nunca lhe dirigiu se quer um olhar.

A princípio era uma brincadeira, seus colegas fizeram uma aposta, que ele com toda aquela lábia não ia tirar nem um sorriso daquela misteriosa morena.

Depois de algum tempo Lorenzo já estava enfeitiçado com a moça e começou a segui-la por alguns quarteirões.

Mas o que ele não sabia, é que essa história ia complicar para o lado dele.

Depois de muitas investidas a moça se sentiu incomodada por aquele rapaz de camisa preta.

Em um belo dia ela aparece com a mãe e aí ele ficou calado, então a senhora se dirigiu a ele e perguntou:

— Moço, porque você incomoda tanto minha filha? Por favor, deixe a em paz.

Ele sem titubear respondeu:

—Desculpe senhora, não vou mais incomodá-la, mas não posso me conter com a beleza da sua filha.

—O senhor se contenha!

Nessas alturas seus amigos estavam se matando de rir, e a morena saiu com um sorriso no rosto.

Lorenzo esperou as duas se afastarem, então começou a dar cambalhotas e dizia:

— Eu consegui, consegui, ela sorriu!

—Ela é mais linda ainda sorrindo, estou apaixonado!

No dia seguinte ele vê a morena passar e a segue de longe.

Já descobriu onde ela mora.

—Lá vem sua morena, diziam seus amigos.

Mas desta vez ela estava com mais duas moças.

Lorenzo aproveitou e fez umas gracinhas, falou um versinho de amor, e as moças sorriram, mas a morena não.

Ele não conseguia tirar a morena da cabeça, pensava nela dia e noite.

Era a primeira vez que alguém mexia com seu coração depois da partida de Ana.

Em um final de tarde quando ela voltava pra casa ele a esperava em uma esquina com uma rosa na mão.

Ele pula na frente dela e se ajoelha e ela quase desmaia de susto.

Ele dispara a recitar:

Morena aceita esta flor

Meu canto e meu amor

Me dá um sorriso

Para aliviar a minha dor!

Depois da surpresa, a morena deu uma gargalhada, pegou a flor e saiu apressada.

Lorenzo ficou radiante, porque aquela atitude dela foi como um sim, para seu galanteio.

E nos próximos dias ele continuava curioso para saber o nome da moça, mas ela e suas amigas passavam, sorriam e nada mais.

CAPÍTULO VIII

E esse processo levou meses, até que um dia resolveu tomar uma atitude mais audaciosa.

Comprou uma grande bandeja de doces finos, mandou embrulhar e entregar na casa da moça, com o seguinte bilhete:

“Com seus lábios doces você me dirá seu nome”

Assinado: Seu apaixonado

Quando a moça chega em casa e vê os doces e o bilhete ela fica irritada, e nem quer provar de nenhum, então suas amigas riem e se deliciam com as guloseimas.

No dia seguinte ele pergunta para uma de suas amigas se ela gostou do presente, e ela muito esperta disse:

— Adorou!

Ele, então, achou que já estava avançando no relacionamento, e fica feliz, chega até sonhar com a moça, que ainda não sabe nem o nome.

Mas em uma tarde, ele faz com que ela pare longe dos olhares dos amigos e então ela lhe dá atenção:

Ela pergunta pra ele:

— Porque tanta insistência em falar comigo?

Porque você usa camisa preta? Todos os dias

Você é viúvo recente e não respeita?

—Não, tenta explicar o rapaz, sou viúvo sim, mas já faz quase cinco anos.

—Estou apaixonado por você, me fala seu nome!

— Helena, mas eu não quero namorar um viúvo!

—Posso te acompanhar até sua casa? Pediu a Lorenzo quase chorando.

Helena concordou, e no caminho ele contou um pouco de sua vida, e ela não abriu a boca, nem fez nenhuma pergunta.

Quando chegou em casa ela abriu a porta e simplesmente disse:

— Até logo!

Lorenzo sai desiludido, sem saber o que pensar!

Todas as mulheres se encantam facilmente com seus galanteios.

— E essa? justamente essa que estou apaixonado não me dá a menor atenção! Pensou...

O rapaz não tinha costume de tomar bebidas fortes, mas nessa noite foi encontrar com seu irmão mais velho e encheu a cara, se embriagou e falou a noite inteira da sua paixão pela morena.

Seu irmão enxugou suas lágrimas e levou o para casa.

No dia seguinte, levantou cedo e foi comprar camisas brancas.

Lá vem Helena, como sempre com seus cabelos arrumados e batom nos lábios, mas com um semblante sério,

Quando ela viu de longe, Lorenzo de camisa branca deixou escapar um sorriso e abaixou a cabeça.

O italianinho não perdeu tempo, correu e cumprimentou a morena, agora ele sabia seu nome:

— Boa tarde, Morena Helena dos meus sonhos!

Ela sorriu

— Boa tarde senhor viúvo, sem nome!

— Como pode ver, não devemos mais falar em viúvo! E eu sou Lorenzo a seu dispor!

E assim começaram a conversar somente entre o percurso da fábrica onde ela trabalhava até sua casa, que era somente três quilômetros.

Lorenzo fala para Helena que quer namorar com ela!

— Então tem que falar com o Senhor João, meu pai, disse ela.

Lorenzo feliz da vida começa um namoro com autorização dos pais dela.

Era notável a paixão do rapaz, mas Helena não correspondia com a mesma intensidade.

— Ele é grudento demais! Dizia ela, ele nem me deixa respirar...

Então se desentenderam pela primeira vez! Helena mandou Lorenzo embora.

Naquele dia foi para casa esfriar a cabeça e voltou no dia seguinte, mas Helena não quis recebê-lo.

Lorenzo era muito apegado com seu irmão mais velho, Raffaeli, e nas horas de tristeza corria para choramingar com ele.

Então contou que já estava com um compromisso sério e que estava pensando em casar se com Helena.

— Olha esta foto da minha morena, é bela?

Raffaeli arregalou os olhos surpreso, e com a voz bem calma disse:

—Bambino, você já a levou pra conhecer nossa família?

—Ela é morena! A pele dela é bem morena!

Lorenzo indignado dá um grito: - Ei, e o que tem de mais isso? Eu gosto dela justamente por ela ser assim!

Raffaele diz:

— Fratello mio, não se esqueça que somos uma família italiana tradicional.

Lorenzo:

— Mas quem vai casar com ela sou eu, e não me importo com a opinião de ninguém!

— Tudo bem, só estou te prevenindo.

Lorenzo volta pra casa triste, mas com a certeza de que nada vai atrapalhar o seu amor com a morena.

No dia seguinte volta e chama pela moça, mas ela ainda não quis falar com ele.

Nesse momento Lorenzo fica transtornado, e insiste em vê-la.

A mãe de Helena conversa com ele e pedia para ele dar um tempo pra ela, mas ele chorando disse:

— Por isso que muitos homens abandonados cometem o suicídio!

Dona Maria José mãe de Helena ficou apavorada, entrou e implorou pra filha falar com ele, pois temia que ele pudesse cumprir com aquilo que ele insinuou:

Helena sai e conversa com ele. Fizeram as pazes depois dele implorar seu amor.

Helena, ao saber que algo de ruim poderia ter acontecido com ele percebeu que também o amava.

Lorenzo leva Helena e a apresenta a seus pais, e ela foi muito bem recebida, pois ela era amável com todos.

O namoro ia muito bem, ela até aprendeu algumas palavras da língua italiana. Aprendeu as receitas secretas das comidas italianas que Mama fazia, só para agradar seu amor.

Lorenzo todos os dias levava flores para sua amada, fazia versos e cantava canções napolitanas, apaixonado por ela.

Helena se divertia com suas comédias e seu espírito alegre.

FINAL

Aquele dia seria um dia especial para Lorenzo:

— Vou pedir a mão de Helena em casamento!

Ele chega com uma caixa de bombons e como sempre enaltece a beleza da morena. Helena recebe os elogios com um sorriso.

—Preciso falar muito sério com você minha Helena!

— Nossa o que foi, você me assusta falando assim, você nunca fala sério!

O rapaz com a natureza impulsiva se ajoelha repentinamente aos pés da moça, que toma um susto.

Ele pega em suas mãos e faz a pergunta.

—— Helena Morena dona do meu coração, case- se comigo ou morrerei de paixão!

Tira do bolso um anel de ouro e rubi, e imediatamente coloca no dedo da moça, antes que ela possa responder qualquer coisa.

Helena quase cai na gargalhada, mas se controla porque percebe que apesar do jeito estranho do rapaz, o momento é sério.

Então ela respira fundo, puxa ele dos seus pés, e se deixa beijar.

—Isto é um sim?

—Calma, calma você tem que fazer o pedido para o Senhor João meu pai, vamos ver se ele autorizar, então poderemos marcar o casamento.

—Vou falar com ele agora mesmo!

Não sossegou enquanto senhor João não lhe deu o sim.

—Se é do gosto da minha filha, eu autorizo. Espero que o senhor cuide bem dela, e seja um bom marido. Dou alguns meses para os preparativos do casamento, pois não quero um noivado muito longo, pois são maduros e já sabem o que querem.

—Sim, senhor João, sempre a tratarei com amor e respeito.

Lorenzo fica emocionado e quase chora, Helena pela primeira vez também se emociona. Ela está apaixonada e está certa de que quer formar uma linda família com aquele italianinho engraçado.

Então sentam-se na varanda e começam a fazer planos. Onde morar, qual a data do casamento, quem serão os padrinhos, o que terão que comprar...

Eles nem veem as horas passar.

— Já são quase meia noite, você tem que ir embora.

— Sim vou, mas antes me deixa declarar mais uma vez meu amor por você!

Sem cerimônia e num piscar de olhos, incorpora Hamlet de Shakespeare

“Duvida da luz dos astros,

De que o sol não tem calor,

Duvida até da verdade,

Mas não duvida do meu amor

Duvide da luz das estrelas,

Duvide do perfume de uma flor

Duvide de todas verdades

Mas não duvides do meu amor’

Helena sorri e diz, chega por hoje querido!

Teremos a vida inteira para muitos poemas.

Helena e Lorenzo estão felizes, mas o que eles não sabem é que este será o último ato desta peça teatral da vida!

—Boa noite meu amor

—Boa noite

E com um logo beijo, se despedem.

Como sempre, ela fica na porta de casa e ele sai jogando beijos e acenando até ao final da rua. Ela sorri por causa dos seus gracejos.

Chega ao cruzamento, faz que vai, mas volta, só para acenar novamente para a sua amada. Como sempre fazendo suas brincadeiras para fazer Helena rir.

Nesse momento se distrai e ao atravessar a rua, ainda olhando a sua traz, tropeça e cai, justamente quando um carro faz uma curva em velocidade e não consegue desviar do rapaz e a tragédia acontece.

Helena que via tudo de longe, põe as mãos na cabeça e grita. Corre em sua direção, senta ao lado dele, pega em suas mãos e chora desesperada por ver que ele está agonizando!

A rua está deserta e o carro que cometeu o acidente se foi.

Helena está só ali, ela grita por socorro, mas ninguém a ouve.

— Por quê? Por quê? Lorenzo, não faça isso comigo, não brinque com uma coisa dessas!

Lorenzo olha para ela, tenta falar, mas não consegue.

Com grande esforço e, com a voz sufocada ele olha para ela e diz:

—Encontrei meu louco amor!

Lorenzo não respira mais...

E assim as cortinas se fecham para sempre, da vida daquele ator e para seu louco e verdadeiro amor.

miriam rufino
Enviado por miriam rufino em 07/03/2022
Reeditado em 21/03/2023
Código do texto: T7467513
Classificação de conteúdo: seguro
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